“Este filme é um trabalho de amor, que divido com meus companheiros de armas, as pessoas que vieram comigo nessa jornada, meu exército de amor. E é um convite ao espectador para ele repensar suas noções de intimidade e é um espelho para que confronte suas questões. Em tempos de medo do outro, isso é muito importante. Queremos que o diálogo que o filme se propõe a abrir se espelhar. Convidamos todos a dialogar”, expressou Adina na entrevista coletiva que se seguiu à premiação.
Touch me not era aposta de boa parte da crítica e dos jornalistas (inclusive nossa aposta) e, ao mesmo tempo, era o temor de outra facção (houve risadas e vaias na sala de imprensa quando o prêmio foi anunciado). O júri, presidido pelo cineasta alemão Tom Tykwer (Corra, Lola, corra) e formado também pela atriz belga Cécile de France, pelo fotógrafo e ex-diretor da Filmoteca Española Chema Prado, pela produtora norte-americana Adele Romanski (Moonlight), pelo compositor japonês Ryüichi Sakamoto e pela crítica norte-americana Stephanie Zacharek, já havia soltado o recado no início da cerimônia. “Vamos dar prêmios não para o que o cinema pode dar hoje, mas para o que pode vir a dar ao mundo depois”, resumiu Tykwer.
Isso explica o prêmio para Touch me not e o Urso de Prata de prêmio especial do júri para Twarz, da polonesa Malgorzata Szumowska (outro filme que, ao ser exibido na reta final, deu força à competição). Aliás, cumpre ressaltar a importância de um festival político como a Berlinale dar os seus dois principais prêmios para filmes dirigidos por mulheres. “Acredito que isso é um sinal de mudança, sim, e é algo simbólico. Espero que agora mais e mais mulheres possam fazer seus filmes. E que campanhas como a #MeToo continuem a ter efeito. Isso significa que o mundo será diferente para a minha filha de cinco anos”, comentou a diretora em resposta à Continente.
Mas não justifica a escolha de Wes Anderson como melhor diretor, pela animação Isle of dogs. Anderson não estava na cerimônia e mandou Bill Murray, que brincou ao receber o prêmio (“Primeira vez que eu saio de casa com um cachorro e volto com um urso”) e causou sensação na coletiva. Outra presença relevante na entrevista com os jornalistas foram o cineasta paraguaio Marcelo Martinessi e a sua protagonista, Ana Brun – seu filme, Las herederas, uma coprodução com o Brasil, ganhou o Urso de Prata de melhor atriz e o Alfred Bauer para o filme que oferecesse novas perspectivas.
“Sou uma mulher com dores e cicatrizes, mas nunca me rendi, sempre resisti”, desabafou Ana, que, ao apresentar o filme na coletiva na semana passada, emocionou-se quando disse que seu papel era um espelho da sua própria vida. Martinessi também falou sobre a importância simbólica da premiação: “Somos de um país que não tem tradição alguma de cinema”.
Faz sentido o prêmio para Ana Brun, porém dá tristeza ver esquecidas as atuações de Valeria Golino e Alba Rohrwacher em Figlia mia, de Laura Bispuri, uma história de novas possibilidades e caóticas de maternidade ambientada na Sardenha. Fechando a premiação, o mexicano Museo levou o prêmio de roteiro e La prière, de Cedric Kahn, deu ao jovem Anthony Bajon o prêmio de atuação (de que deveria ter ido para Franz Rogowski, em dois filmes da competição – Transit e In der gängen).
BRASIL O processo, de Maria Augusta Ramos, ficou em terceiro lugar no prêmio do público da Panorama – foram mais de 26 mil votos em 10 dias. O documentário que reconstitui o rito de impeachment de Dilma Rousseff teve repercussão impressionante na Berlinale. “Quando a gente escolhe um tema pra investigar e fazer um filme, existe um desejo de dividir esse mergulho com o público. E depois, quando o filme fica pronto e recebe um prêmio do júri popular, arrisco dizer que talvez seja uma das maiores realizações como diretora. E é muito relevante também pelo filme ser sobre um episódio histórico do Brasil e estar sendo compreendido por audiências de outras latitudes”, situou a diretora Maria Augusta Ramos.
Já Ex Pajé, de Luiz Bolognesi, ganhou menção honrosa no Glashütte Original Documentary Award, o prêmio dado aos documentários. No filme, conhecemos Perpera Suruí, um ex-xamã impedido de praticar seus ritos pela igreja evangélica que catequiza sua etnia. “A importância desse prêmio significa que a voz dos pajés e dos espíritos das florestas vai ser ouvida”, ressaltou Bolognesi.
Bixa travesty, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman, e Tinta bruta, de Marcio Reolon e Filipe Matzembacher, levaram os troféus de documentário e ficção do Teddy Award, prêmio independente em convergência com a Berlinale há 32 anos. Criado quando homossexualidade ainda era considerada um crime na Alemanha, é dado aos filmes com temática LGBTQ. Nos discursos durante a cerimônia, na noite de sexta (23/2), os realizadores enfatizaram a importância de resistir no Brasil pós-golpe de 2016.
Quem foi que disse que cinema não rima com política?
OS PREMIADOS DA 68ª BERLINALE
Urso de Ouro de melhor filme – Touch me not, de Adina Pintilie Urso de Prata prêmio especial do júri – Twarz, de Malgorzata Szumowska (Polônia) Urso de Prata de melhor contribuição artística – Elena Okopnaya, cenografia e direção de arte em Dovlatov, de Alexey German Jr. Urso de Prata Prêmio Alfred Bauer para filmes que abrem novas perspectivas artísticas – Las herederas, de Marcelo Martinessi Urso de Prata melhor direção – Wes Anderson por Isle of dogs Urso de Prata melhor roteiro – Manuel Alcalá e Alonso Ruizpalacios por Museo (México)
Urso de Prata melhor ator – Anthony Bajon por La prière, de Cedric Kahn (França)
Urso de Prata melhor atriz – Ana Blum por Las herederas, de Marcelo Martinessi (Paraguai)
GWFF Prêmio de melhor primeiro longa-metragem - Touch me not, da romena Adina Pintilie.
Glashütte Original Documentary Award– Prêmio de Melhor Documentário – Ruth Beckermann por The Waldheim Waltz
Menção honrosa - Luiz Bolognesi e os produtores Fabio e Caio Gullane e Lais Bodanzky por Ex Pajé
Urso de Ouro de melhor curta-metragem: The men behind the wall, de Ines Moldavsky (Israel)
TEDDY AWARD Prêmio independente dado em convergência com a Berlinale há 32 anos. Criado quando homossexualidade ainda era considerada um crime na Alemanha, é dado aos filmes com temática LGBT.
Teddy de melhor ficção – Tinta bruta, de Marcio Reolon e Filipe Matzembacher (Brasil)
Teddy de melhor documentário – Bixa travesty, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman (Brasil)
Teddy Readers da Männer Magazine - Las herederas, de Marcelo Martinessi (Paraguai)
Teddy de melhor curta – Three centimeters, de Lara Zaidan (Inglaterra)
Prêmio especial do júri Teddy – Obscuro barroco, de Evangelia Kranioti (Grécia)