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'Touch me not' é o ganhador do Urso de Ouro

Filme experimental de Adina Pintilie, que transborda as fronteiras narrativas para falar abertamente de sexualidade, foi escolhido pelo júri da Berlinale. O Brasil também foi contemplado

TEXTO LUCIANA VERAS, DE BERLIM*

24 de Fevereiro de 2018

Equipe do filme 'Touch me not', ganhadora do Urso de Ouro na Berlinale 2018

Equipe do filme 'Touch me not', ganhadora do Urso de Ouro na Berlinale 2018

Foto Luciana Veras

Touch me not, da romena Adina Pintilie, foi o grande vencedor da 68a Berlinale, cuja cerimônia de premiação ocorreu na noite deste sábado, 24/2, no Berlinale Palaste, o epicentro do festival que envolveu a capital alemã desde o dia 15. O longa de estreia da cineasta, que ousa na forma e no conteúdo ao acompanhar um grupo de pessoas em suas jornadas para atravessar questões de intimidade, sexualidade e afeto, levou o Urso de Ouro e o GWFF prêmio de melhor primeiro longa-metragem.

“Este filme é um trabalho de amor, que divido com meus companheiros de armas, as pessoas que vieram comigo nessa jornada, meu exército de amor. E é um convite ao espectador para ele repensar suas noções de intimidade e é um espelho para que confronte suas questões. Em tempos de medo do outro, isso é muito importante. Queremos que o diálogo que o filme se propõe a abrir se espelhar. Convidamos todos a dialogar”, expressou Adina na entrevista coletiva que se seguiu à premiação.



Touch me not era aposta de boa parte da crítica e dos jornalistas (inclusive nossa aposta) e, ao mesmo tempo, era o temor de outra facção (houve risadas e vaias na sala de imprensa quando o prêmio foi anunciado). O júri, presidido pelo cineasta alemão Tom Tykwer (Corra, Lola, corra) e formado também pela atriz belga Cécile de France, pelo fotógrafo e ex-diretor da Filmoteca Española Chema Prado, pela produtora norte-americana Adele Romanski (Moonlight), pelo compositor japonês Ryüichi Sakamoto e pela crítica norte-americana Stephanie Zacharek, já havia soltado o recado no início da cerimônia. “Vamos dar prêmios não para o que o cinema pode dar hoje, mas para o que pode vir a dar ao mundo depois”, resumiu Tykwer.

Isso explica o prêmio para Touch me not e o Urso de Prata de prêmio especial do júri para Twarz, da polonesa Malgorzata Szumowska (outro filme que, ao ser exibido na reta final, deu força à competição). Aliás, cumpre ressaltar a importância de um festival político como a Berlinale dar os seus dois principais prêmios para filmes dirigidos por mulheres. “Acredito que isso é um sinal de mudança, sim, e é algo simbólico. Espero que agora mais e mais mulheres possam fazer seus filmes. E que campanhas como a #MeToo continuem a ter efeito. Isso significa que o mundo será diferente para a minha filha de cinco anos”, comentou a diretora em resposta à Continente.



Mas não justifica a escolha de Wes Anderson como melhor diretor, pela animação Isle of dogs. Anderson não estava na cerimônia e mandou Bill Murray, que brincou ao receber o prêmio (“Primeira vez que eu saio de casa com um cachorro e volto com um urso”) e causou sensação na coletiva. Outra presença relevante na entrevista com os jornalistas foram o cineasta paraguaio Marcelo Martinessi e a sua protagonista, Ana Brun – seu filme, Las herederas, uma coprodução com o Brasil, ganhou o Urso de Prata de melhor atriz e o Alfred Bauer para o filme que oferecesse novas perspectivas.

“Sou uma mulher com dores e cicatrizes, mas nunca me rendi, sempre resisti”, desabafou Ana, que, ao apresentar o filme na coletiva na semana passada, emocionou-se quando disse que seu papel era um espelho da sua própria vida. Martinessi também falou sobre a importância simbólica da premiação: “Somos de um país que não tem tradição alguma de cinema”.



Faz sentido o prêmio para Ana Brun, porém dá tristeza ver esquecidas as atuações de Valeria Golino e Alba Rohrwacher em Figlia mia, de Laura Bispuri, uma história de novas possibilidades e caóticas de maternidade ambientada na Sardenha. Fechando a premiação, o mexicano Museo levou o prêmio de roteiro e La prière, de Cedric Kahn, deu ao jovem Anthony Bajon o prêmio de atuação (de que deveria ter ido para Franz Rogowski, em dois filmes da competição – Transit e In der gängen).

BRASIL
O processo, de Maria Augusta Ramos, ficou em terceiro lugar no prêmio do público da Panorama – foram mais de 26 mil votos em 10 dias. O documentário que reconstitui o rito de impeachment de Dilma Rousseff teve repercussão impressionante na Berlinale. “Quando a gente escolhe um tema pra investigar e fazer um filme, existe um desejo de dividir esse mergulho com o público. E depois, quando o filme fica pronto e recebe um prêmio do júri popular, arrisco dizer que talvez seja uma das maiores realizações como diretora. E é muito relevante também pelo filme ser sobre um episódio histórico do Brasil e estar sendo compreendido por audiências de outras latitudes”, situou a diretora Maria Augusta Ramos.

Ex Pajé, de Luiz Bolognesi, ganhou menção honrosa no Glashütte Original Documentary Award, o prêmio dado aos documentários. No filme, conhecemos Perpera Suruí, um ex-xamã impedido de praticar seus ritos pela igreja evangélica que catequiza sua etnia. “A importância desse prêmio significa que a voz dos pajés e dos espíritos das florestas vai ser ouvida”, ressaltou Bolognesi.



Bixa travesty
, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman, e Tinta bruta, de Marcio Reolon e Filipe Matzembacher, levaram os troféus de documentário e ficção do Teddy Award, prêmio independente em convergência com a Berlinale há 32 anos. Criado quando homossexualidade ainda era considerada um crime na Alemanha, é dado aos filmes com temática LGBTQ. Nos discursos durante a cerimônia, na noite de sexta (23/2), os realizadores enfatizaram a importância de resistir no Brasil pós-golpe de 2016.

Quem foi que disse que cinema não rima com política?

OS PREMIADOS DA 68ª BERLINALE

Urso de Ouro de melhor filme Touch me not, de Adina Pintilie

Urso de Prata prêmio especial do júri
Twarz, de Malgorzata Szumowska (Polônia)

Urso de Prata de melhor contribuição artística –
Elena Okopnaya, cenografia e direção de arte em Dovlatov, de Alexey German Jr.

Urso de Prata Prêmio Alfred Bauer para filmes que abrem novas perspectivas artísticas –
Las herederas, de Marcelo Martinessi

Urso de Prata melhor direção
– Wes Anderson por Isle of dogs

Urso de Prata melhor roteiro
– Manuel Alcalá e Alonso Ruizpalacios por Museo (México)

Urso de Prata melhor ator – Anthony Bajon por La prière, de Cedric Kahn (França)

Urso de Prata melhor atriz – Ana Blum por Las herederas, de Marcelo Martinessi (Paraguai)

GWFF Prêmio de melhor primeiro longa-metragem - Touch me not, da romena Adina Pintilie.

Glashütte Original Documentary Award– Prêmio de Melhor Documentário – Ruth Beckermann por The Waldheim Waltz

Menção honrosa - Luiz Bolognesi e os produtores Fabio e Caio Gullane e Lais Bodanzky por Ex Pajé

Urso de Ouro de melhor curta-metragem: The men behind the wall, de Ines Moldavsky (Israel)

TEDDY AWARD
Prêmio independente dado em convergência com a Berlinale há 32 anos. Criado quando homossexualidade ainda era considerada um crime na Alemanha, é dado aos filmes com temática LGBT.

Teddy de melhor ficçãoTinta bruta, de Marcio Reolon e Filipe Matzembacher (Brasil)

Teddy de melhor documentárioBixa travesty, de Claudia Priscilla e Kiko Goifman (Brasil)

Teddy Readers da Männer Magazine - Las herederas, de Marcelo Martinessi (Paraguai)

Teddy de melhor curtaThree centimeters, de Lara Zaidan (Inglaterra)

Prêmio especial do júri TeddyObscuro barroco, de Evangelia Kranioti (Grécia)

*A repórter especial viajou para cobrir o festival através de uma parceira entre a revista Continente e o Centro Cultural Brasil-Alemanha (CCBA).

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