Curtas

Tira

História em quadrinhos dos recifenses Nathallia Fonseca e Eduardo Nascimento traz narrativas sobre o aborto clandestino, com ilustrações de Berta V

TEXTO Paula Mascarenhas

07 de Março de 2019

'Tira' retrata o aborto a partir de um viés mais humano e sensível

'Tira' retrata o aborto a partir de um viés mais humano e sensível

Imagem Reprodução

[conteúdo na íntegra | ed. 219 | março de 2019]

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No Brasil, o aborto está entre as primeiras causas de mortes maternas devido a hemorragias e infecções: anualmente, o Ministério da Saúde registra quase 200 mil internações no SUS por complicações pós-aborto. As mulheres que respondem na justiça ou que morreram por terem cometido aborto são majoritariamente pobres, negras e com baixa escolaridade.

Os argumentos favoráveis à legalização do aborto são inúmeros, assim como as polêmicas que envolvem o tema. Perspectivas legais, políticas, religiosas e de saúde pública permeiam um intenso e constante debate sobre a prática, que é defendida, por uns, como uma forma de sobrevivência e, por outros, como assassinato.

Embora o Código Penal Brasileiro criminalize o ato como um atentado à vida humana, a interrupção da gravidez de forma clandestina ainda é bastante comum no país. De acordo com os resultados da Pesquisa Nacional de Aborto de 2016, cerca de meio milhão de brasileiras já realizaram o procedimento. Contudo, a prática só é legalmente permitida no Brasil em três casos: quando a mulher sofre um estupro, quando a gestação representa um risco para a sua vida ou quando o feto é anencéfalo.

Mas, antes de quaisquer julgamentos ou opiniões pré-formadas, quem são essas mulheres que colocam sua vida em risco para interromper uma gravidez indesejada? Para tentar responder a essa questão, indo além do preconceito e dos tabus, os jornalistas Nathallia Fonseca e Eduardo Nascimento buscaram retratar o aborto através de um viés mais humano e sensível a partir do recém-lançado livro-reportagem TIRA.

Financiado pelo edital Jornalismo Investigativo em Direitos Humanos Aborto e Saúde Pública, do Instituto Patrícia Galvão em parceria com a Global Health Strategies e a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a publicação conta a história real de três mulheres pernambucanas que passaram por um aborto clandestino. O título TIRA, uma dupla referência que se remete tanto ao verbo tirar – abortar –, quanto à linguagem das histórias em quadrinhos, é logo convidativo e revela, ao longo da narrativa, que o sofrimento de um aborto tira muito mais da vida dessas mulheres.

Ao retratar uma prática ilegal e um tema controverso, os autores tiveram diversas preocupações e precauções com a publicação, sendo a principal delas a proteção das identidades das personagens, cujos crimes ainda não prescreveram. Para isso, eles escolheram não reproduzir suas características físicas nas ilustrações, nem mencionar qualquer nome real ou fictício.

Em entrevista à Continente, a jornalista Nathallia Fonseca relembra o processo de apuração e elaboração do livro, que tem ilustrações da designer Berta V. “Foi surpreendente a velocidade com que encontramos mulheres dispostas a contar suas histórias e colaborar com nosso trabalho. Definimos quais seriam nossas três personagens e as entrevistamos diversas vezes, procurando não só explorar as histórias e pontos de vista das narradoras, mas também os espaços físicos que serviram de cenário. Foram horas buscando descrições minuciosas dos lugares e pessoas que compuseram as narrativas”, conta ela.

Apesar de terem idades distintas e pertencerem a classes sociais diferentes, as personagens retratadas na obra relatam as mesmas experiências que tiveram ao enfrentar um aborto, fatos em comum que se misturam na narrativa de maneira não linear para destacar que, assim como outras tantas mulheres que recorrem a remédios ou a clínicas clandestinas, elas acabam passando pelos mesmos dramas pessoais (antes, durante e depois do procedimento). O abandono e falta de apoio do parceiro e do estado, as hemorragias decorrentes de uma curetagem malfeita e, até mesmo, abusos e discriminação por parte de enfermeiros e médicos só aumentam suas dores físicas e emocionais.

O jornalista Eduardo Nascimento, também autor do livro, espera que, independentemente do posicionamento político, cada leitor seja sensibilizado pelas histórias dessas mulheres e pelas situações absurdas pelas quais elas passam ao ter que realizar um aborto clandestino. “Nós somos a favor da descriminalização do aborto e lutamos por isso, mas esse livro não é um panfleto político feito para adeptos da causa, é apenas a história e a visão escancaradas de quem aborta, algo que raramente acontece em nossa sociedade.” TIRA está disponível online para ser baixado ou compartilhado livremente.

Acesse aqui a HQ completa.

PAULA MASCARENHAS é graduada em Letras pela UFBA, estudante de Jornalismo pela UFPE e estagiária da Continente.

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