Curtas

Minas

Um olhar sobre a exploração de minérios através da exposição que fica em cartaz até 19 de maio, na Fundação Joaquim Nabuco (Derby)

TEXTO Manu Falcão

06 de Maio de 2019

Balsas ilegais na área yanomami, da série 'Consequências do contato'

Balsas ilegais na área yanomami, da série 'Consequências do contato'

Foto Claudia Andujar/Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 221 | maio de 2019]

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É sabido que Drummond de Andrade está entre os poetas que expressaram, em sua obra, uma ligação profunda com sua terra de origem. Nascido em Itabira, o poeta mineiro passou seus primeiros anos de vida na Fazenda do Pontal. Naquela mesma cidade, 40 anos depois, surgiria a Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale S.A – criação do então presidente Getúlio Vargas para a exploração da riqueza mineral da região. Hoje, a Vale funciona como uma mineradora multinacional privada; a Fazenda do Pontal é seu depósito de rejeitos.

Mesmo antes dos desastres ambientais aos quais assistimos, atônitos, provocados pela empresa de mineração, em 1973, na obra memorialística reunida em Boitempo II, Drummond já versava, atormentado, sobre a natureza predatória e destruidora da mineração, que pairava como uma ameaça sobre seu lar. No poema A montanha pulverizada, o poeta olha o simulacro da serra de sua infância, retendo sua ausência e destruição. “Esta manhã acordo e não a encontro,/ britada em bilhões de lascas,/ deslizando em correia transportadora/ entupindo 150 vagões,/ no trem-monstro de 5 locomotivas/ – trem maior do mundo, tomem nota –/ foge minha serra vai,/ deixando no meu corpo a paisagem/ mísero pó de ferro, e este não passa”, critica uma das estrofes. Seu medo recorrente, também presente nas vezes em que falara à imprensa, foi refutado pela própria Vale, que fizera uma peça publicitária denunciando “uma pedra no caminho do desenvolvimento brasileiro” – em referência a um de seus versos mais conhecidos.

O alerta de Drummond se constitui hoje como um fantasma, quando nos vemos diante da situação que culminou nos desastres ambientais ocorridos desde 2015, com o rompimento da barragem do município de Mariana, e o mais recente em Brumadinho. Às vésperas de completar dois meses do rompimento dessa segunda, a Fundação Joaquim Nabuco lançou, no final de março, a exposição Minas, sob curadoria de Moacir dos Anjos, que permanece em cartaz até o dia 19 deste mês.

O fio condutor da mostra parte dessas fatalidades, mas não faz delas seu único recorte, direcionando o espectador ao aspecto ressurgente do trágico. A mise-en-scène dialoga com anacronismos, engendrando, através de linguagens variadas – fotografias, gravuras, objetos, poesias, lambe-lambes dispersos no espaço, vídeos e documentos históricos – um estudo caleidoscópico acerca da história da mineração. Acessa, assim, uma realidade de exploração cara à América Latina de povos explorados, levados à ruína pela colonização.

Dentre as obras reunidas, estão as fotografias de Claudia Andujar, que se dedica, desde a década de 1970, ao ofício de documentar a ocupação violenta das terras yanomami. Nelas, retratos de castigos sofridos por essas terras. Há, também, um filme ensaístico do realizador Harun Farocki, no qual ele tece observações em pormenor acerca da arqueologia da pintura Descrição de Cerro Rico e da Cidade Imperial de Potosí (Gaspar Miguel de Berrío, 1758), uma paisagem aérea de Potosí, na Bolívia – uma visão particularmente contemporânea, assemelhando-se às angulações um drone, da cidade que foi vítima da exploração da prata por parte da coroa espanhola.

A exposição dispõe, ainda, dos lambe-lambes ampliados de Pedro David. As imagens avulsas da lama mineira parecem exprimir as mortes não ditas, soterradas; a perda por elipses. E a fotoinstalação Ganga Bruta, de João Castilho, que reúne 24 imagens sem hierarquias, apartadas de seus contextos, mas que, quando colocadas em relação, evocam a mesma força narrativa de terra arrasada, beirando o apocalíptico – intuito este que parece sintetizar o sentido construído na exposição.


Fotografias ampliadas que retratam a lama mineira, de Pedro David, estão espalhadas na exposição. Foto: Pedro David/Divulgação

Por fim, voltamos aos versos de Drummond, fixados nas paredes, espalhados em comunhão com este panorama de artistas. A alegoria funesta de seu “maior trem do mundo”, aqui, foi assimilada pela cineasta Júlia Pontés, cujo trabalho, em vídeo, tem o breve registro de uma conversa entre duas mulheres, ao passo que a locomotiva transporta minérios de ferro em Catas Altas.

Enquanto unidade, os feitos desses artistas sublinham as consequências socioambientais de um decurso repetitivo, provocando um olhar vertiginoso ao cerne dessas tristes reincidências. O que se apresenta, pois, é o ensejo de contorná-las. A pedra no meio do caminho poetizada por Drummond, e desdenhada pela Vale – registro que também está exposto, junto aos poemas –, torna-se, também, a metáfora de que o estado das coisas deve ser problematizado. Minas pode ser visitada na Galeria Vicente do Rego Monteiro, na Fundaj/Derby, de terça-feira a domingo, das 15h às 20h.

MANU FALCÃO é estudante de jornalismo da Unicap e estagiária da Continente.

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