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Suelen e o novo feminismo

TEXTO Carol Almeida

01 de Outubro de 2012

Desinibição e movimentada vida sexual da personagem Suelen chamou a atenção do público

Desinibição e movimentada vida sexual da personagem Suelen chamou a atenção do público

Foto Reprodução

[conteúdo vinculado à reportagem de capa | ed. 142 | outubro 2012]

Suelen estava decidida
. E por onde passava arrastava uma pequena multidão de machos determinados a dissuadi-la dessa ideia absurda de ser senhora do próprio corpo. Suelen queria posar nua. E não entendam errado, pois os homens que a cercavam a queriam nua também. Mas só, e somente só, se essa decisão fosse deles. Afinal de contas, alfinetaria ironicamente Simone de Beauvoir, “é claro que nenhuma mulher pode pretender sem má-fé situar-se além de seu sexo”.

A personagem descrita acima é criação da novela Avenida Brasil, e ainda que Suelen, vivida pela atriz Isis Valverde, não tenha logrado realizar seu “sonho” de posar nua e finalmente se tornar alguém “famosa”, o recado estava dado. Seria ela, e mais ninguém, quem poderia escolher o que fazer com todas aquelas (suas) curvas tão bem-afamadas no fictício Bairro do Divino. Ou, nas palavras da banda matriz do movimento underground feminista riot grrrls, Bikini Kill: “Aquela garota se acha a rainha da vizinhança. E eu tenho uma novidade para você: ela É”. Seria Suelen, então, uma autêntica rebel girl? Seria uma nova feminista?

No que os coerentes de plantão virão todos prosas com o argumento de que, “Péra lá, se Suelen quer posar nua para uma revista masculina, não estaria ela obedecendo aos padrões milenares da coisificação da mulher em um objeto de consumo?”. A pergunta que vem com resposta embutida elimina o elemento mais essencial da equação sobre a qual o movimento feminista vem se debruçando há mais de 100 anos: as relações de poder.

Vamos tentar “desenhar” e voltar um pouco na história, com dois eventos que surgiram bem antes das calças da Gang, dos tops de oncinha e do exposto piercing no umbigo. Eventos que nasceram estritamente técnicos e, com suas aplicações entre as organizações sociais, foram adquirindo rapidamente contextos políticos. Falamos da Revolução Industrial do século 18 e da pílula anticoncepcional de 1960.

A primeira colocou a mulher para fora da esfera privada do domicílio, quando exigiu que ela também fizesse parte da força de trabalho ativa para a produção de bens em massa. Uma vez circulando pela esfera pública, elas passaram a se organizar politicamente e a história nos conta que daí veio o sufrágio universal e outras graduais conquistas.

A segunda foi mais além e deu à mulher o controle sobre aquilo que, historicamente, constituía sua função social: a maternidade. Foi como se, muitos anos após ter descoberto a fechadura, ela finalmente recebesse sua primeira chave. O controle sobre o próprio corpo implicava um deslocamento completo do lugar estritamente passivo que ela vinha ocupando desde a longínqua fundação do pecado original: a propriedade privada.

Em ambas as situações, a soberania masculina perdeu o equilíbrio, posto que toda a organização social que ela conhecia era permeada pelo autoritarismo de quem detinha o controle sobre todas as esferas de relações interpessoais da mulher. E não é de se estranhar que, a partir de certo momento, os homens tenham usado essa liberação sexual feminina como uma jogada muito bem calculada (por eles mesmos, claro), para que se pudesse usar a figura “feminina” como adereços e objeto de consumo em revistas, peças publicitárias, filmes e assim por diante.

E, sim, as propagandas de cerveja, os salões de automóveis e o “jornalismo” de celebridades estão aí para provar que se faz uso constante e intenso da mulher como objeto de consumo. Mas é necessário esclarecer que quem cria essa mensagem é o patriarcado e a ele interessa, sobretudo, que a mulher não tenha autonomia de colocar um botox ou de sair com a barriguinha de fora, se não for para ser avaliada como uma peça de carne no açougue. Nessa perspectiva de mercado “masculino”, ela não pode simplesmente desejar ser mais bonita e agradar ao outro, se não for antes julgada por isso. Se a mulher não for ré, a brincadeira do lado de lá perde a graça.

De onde voltamos à querida Suelen, a personagem que não pede desculpas por ser sexy. Representação simbólica do chamado “biscate”, ela passeia pelo Divino com o bumbum, o nariz e o moral empinados. E a exposição desse orgulho perturba muitos homens, que, doravante, podem se sentir no direito de usá-la como objeto e, desse modo, agredi-la. Não acontece com a personagem da novela, mas acontece (e com mais frequência do que imaginamos) na vida real, em que os estupradores, fichados ou ideológicos depositam a culpa de seus crimes nessa imagem bíblica da mulher que corrompe o homem.

Caso você não saiba, foi daí que surgiu a Marcha das Vadias, movimento que começou no Canadá e hoje encontra manifestações em vários cantos do globo, em que mulheres vão às ruas questionar o até então inquestionável “direito natural” dos homens em fazer suas próprias leituras do desejo sexual das mulheres. Portanto, sejamos claros, medir o tamanho da saia ou do decote é querer controlar a sexualidade. É se colocar naquele confortável lugar de domínio.

A boa notícia, e sinal dos tempos, é que, do mesmo modo que as revistas femininas e as princesas Disney perpetuam esse lugar passivo da mulher que só existe para agradar o outro (e nunca a si mesma), cresce também, ainda que timidamente, o número de homens feministas que, ao lado de suas companheiras ou amigas, estão cada vez mais presentes em movimentos como a citada Marcha das Vadias. Pessoas que entendem que o problema não está no corpo, mas no uso político dele, na legitimação de uma milenar relação de poder.

Quando Suelen desfila altiva na novela das nove, ela não pede passagem ao patriarcado. E para quem se achar no direito de bloquear esse caminho, tudo que podemos concluir é que “perdeu, playboy”. Pois então, como diria o poeta, vai Suelen, ser periguete na vida. 

CAROL ALMEIDA, jornalista.

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