Para efeitos de cronologia, consideraremos aqui a orquestra a partir do século 18, como estabelecida pela Escola de Mannheim. As orquestras começaram como grupos ligados às cortes, e há registro de pequenos grupos em várias escolas e conservatórios. Na virada do século 18 para o 19, foram fundados os primeiros conjuntos autônomos, como a Orquestra Gewandhaus de Leipzig, iniciada em 1781, a mais antiga ainda em atividade. O repertório do Romantismo estabeleceu novos parâmetros para as orquestras, e a necessidade de preparar músicos para ingressar nesses conjuntos.
No início, os novos músicos aprendiam o ofício nos ensaios e concertos, mas, para oferecer uma formação mais completa aos estudantes, foram criadas as primeiras orquestras jovens. Esses grupos têm como objetivos, além da futura profissionalização, o aperfeiçoamento técnico e musical, a troca de experiências e o aprendizado de valores éticos. As duas primeiras orquestras jovens do mundo são iniciativas regionais: a Hofstads Jeugdorkest (Haia, Holanda, 1923) e a Portland Youth Philharmonic (EUA, 1924). A primeira orquestra jovem nacional é a National Youth Orchestra of Wales (País de Gales, 1945). Alguns grupos foram formados sob os auspícios de entidades como a Jeunesses Musicales (Juventude Musical), fundada em 1945, na Bélgica. Uma de suas atividades prioritárias é justamente a capacitação de orquestras e conjuntos.
NO BRASIL
Nos anos 1950, a maioria das cidades importantes do Brasil tinha uma seção da Juventude Musical. O Recife inaugurou a sua em 1955, tendo à frente nomes como a soprano Edinar Altino, o violinista Guido Mansuino (spalla da Orquestra Sinfônica do Recife) e sua esposa Silvia. Não havia uma orquestra jovem, apenas grupos ocasionais. Hoje, há apenas um projeto de orquestras no Brasil, filiado à Jeunesses Musicales International, o Neojiba (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia).
O Neojiba segue o modelo de outro projeto também ligado a Jeunesses Musicales, o Sistema de Orquestras da Venezuela, ou simplesmente El Sistema, criado pelo economista e músico José Antonio Abreu, que redimensionou o papel da orquestra jovem como agente de mudança social, em 1975. Há orquestras completas para os vários estágios de desenvolvimento dos alunos, e a joia da coroa do projeto é também o conjunto mais famoso da atualidade, a Orquesta Sinfónica Simón Bolívar, que revelou Gustavo Dudamel, atual regente da Los Angeles Symphony Orchestra.
O Sistema também serve de modelo no Brasil para a Orquestrando a Vida, uma organização não governamental, criada há 15 anos e atuante na cidade de Campos dos Goytacazes (RJ). Curiosamente, um ano depois do começo do Sistema, começaria aqui no Brasil o Projeto Espiral, em cidades como Fortaleza (com direção de Vasquem Fernanien), São Paulo (Alberto Jaffé), Porto Alegre (Fredi Gerling) e Recife (Luis Soler). O projeto, que visava o ensino de instrumentos de cordas a jovens carentes, foi implantado pelo Instituto Nacional de Música (Funarte), então dirigido pelo compositor pernambucano Marlos Nobre, mas encerrado sem explicações por gestões posteriores.
Outros bons exemplos, que vão além das questões musicais para incorporar valores de convivência e fraternidade, são a Orquestra Jovem da União Europeia (EUYO) e a West-Eastern Divan Orchestra. Com integrantes de todos os 27 países membros, a EUYO foi fundada em 1978, para representar os ideais de uma comunidade, trabalhando pela paz e compreensão, ao mesmo tempo em que oferecia a jovens músicos um treinamento de alto nível. Esses, escolhidos anualmente em testes em vários locais da Europa, trabalham com os melhores regentes do mundo, como Abbado, Haitink e Ashkenazy.
A West-Eastern Divan Orchestra tem também motivações humanitárias. Fundada pelo regente e pianista Daniel Barenboim e pelo intelectual Edward Said, a orquestra incentiva o trabalho conjunto e o respeito entre jovens árabes e israelenses. Essas orquestras seguem à risca um preceito defendido pelo regente brasileiro Eleazar de Carvalho: uma orquestra jovem deveria sempre ser conduzida pelos melhores profissionais disponíveis.
A realidade das orquestras jovens no Brasil é diferente das suas irmãs internacionais. Se a maioria das orquestras profissionais passa por crises intermináveis, as orquestras jovens têm, em sua maioria, uma vida de incertezas. Várias delas contam com o apoio transitório de patrocinadores públicos e privados, e a maior parte lida com problemas concretos, como instrumentos de qualidade inferior, falta de locais de ensaios que tenham boa acústica e palcos com dimensões suficientes para grandes conjuntos. O número elevado de orquestras jovens existentes no Brasil é reflexo imediato do sucesso do projeto venezuelano. As exigências e o imediatismo dos patrocinadores, contudo, não levam em conta que esse êxito se deve a 38 anos de trabalho.
Para terminar, lembramos que o Brasil sempre teve músicos que buscaram fazer um trabalho de orquestra consistente com estudantes, e é nos erros e acertos deles que podemos avaliar o quanto progredimos. Em Pernambuco, tivemos alguns desses unsung heroes, como os já citados Guido Mansuino, Luis Soler, e também Benny Wolkoff, Hugo Tagliavini e Cussy de Almeida. Está nos grupos e classes de orquestra desses antigos professores a raiz de conjuntos como a Orquestra Jovem do Conservatório Pernambucano de Música e a Orquestra Jovem de Pernambuco, e projetos como o Orquestrando Pernambuco e a Orquestra Criança Cidadã.
SÉRGIO BARZA, músico, regente e professor do Conservatório Pernambucano de Música.
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