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Coquetel Molotov: Descortinando a vitrine do cenário alternativo

Festival de música chega à oitava edição, com programação variada, que vai do rap dos Racionais MC’s ao pós-punk inglês do The Fall

TEXTO Thiago Lins

01 de Outubro de 2011

Expoente do pós-punk, The Fall vai tocar músicas do novo CD e clássicos do começo da carreira

Expoente do pós-punk, The Fall vai tocar músicas do novo CD e clássicos do começo da carreira

Foto Divulgação

Vem aí o carnaval hipster recifense, com direito à prévia e tudo. Seguindo a receita bem-sucedida dos anos anteriores, o festival No Ar Coquetel Molotov mantém uma extensa programação, que envolve seminários, oficinas e exibição de filmes, além, claro, dos disputados shows. O evento, que chega com força à sua oitava edição, já se consolidou como vitrine do que aconteceu, acontece ou acontecerá no cenário alternativo.

É só conferir a grade da edição corrente: The Fall (subdinossauros do pós-punk inglês, admirados a partir do final dos anos 1970), Racionais MC´s (ainda admirados, impulsionados pela reverência da nova cena rap de São Paulo) e Copacabana Club (já foram indicados ao Video Music Brasil, da MTV, e colaram singles em trilhas sonoras de canais por assinatura, podendo vir a se tornar trending topic).

Medalhões e promessas à parte, o Molotov vem somando pontos altos; só no ano passado foram dois shows memoráveis, o do Dinosaur Jr. (veterano do indie americano, cuja muralha guitarreira tem muito o que passar às insossas bandas contemporâneas) e o rapper Emicida, sempre com muito a dizer – e dizendo rápido.

Já ao longo das sete edições, passaram nomes de peso do indie, como Teenage Fanclub e Tortoise. O Teenage Fanclub, aliás, veio logo na primeira edição, façanha que a produtora-fã Tathianna Nunes (que produz o evento junto com Ana Garcia e Jarmeson de Lima) afirma ter sido um “sonho realizado”. E houve outros nomes como Beirut – a orquestra de Zach Condom protagonizou aquele que provavelmente foi oshow mais incensado do festival até hoje – e Marcelo Camelo. Na ocasião, o ex-Los Hermanos travou um dueto com a cândida Mallu Magalhães. O dueto virou namoro, que virou piada indie, e o resto é história.

ATRAÇÕES
Formado em 1977, em Manchester, o Fall, apesar da constante troca de membros (só o vocalista Mark Smith tem se mantido na banda desde o começo), tem uma carreira prolífica: 28 discos de estúdio. O Fall é um caso típico de banda que alcançou mais respeito do que sucesso, tendo influenciado uma leva de bandas alternativas e a segunda safra do pós-punk inglês, uma geração que tocava como o Fall, só que cinco ou 10 anos depois.


Maior banda de rap no país, Racionais MC’s promete cantar inéditas. Foto: Divulgação

Engrossam a lista de atrações os americanos do The Sea and Cake e o paulista Rômulo Fróes. O primeiro vem divulgar seu quarto álbum, Um labirinto em cada pé. Espécie de sambista moderno, Fróes vem crescendo desde seu penúltimo álbum, o elogiado No chão sem chão, em que se aproximou mais de outros ritmos, chegando a flertar com o rock. O cantor é apontado como um dos pensadores da cena atual. Já o The Sea and Cake traz seu post-rock, e deve se sentir em casa, uma vez que o festival é conhecido por trazer bandas do gênero, como o Tortoise (em 2006). Os americanos também têm material novo, The moonlight butterfly, disco com ecos de jazz.

Passando à principal atração nacional (Racionais), o festival, que já tinha ousado trazendo um rapper promissor, no ano passado, foi mais longe agora. Já virou brincadeira entre jornalistas, músicos, produtores e o público em geral adivinhar a grade do evento. Dessa vez, ninguém acertou. Talvez por se tratar de um grupo avesso ao hype. Só com Sobrevivendo no inferno, arrasa-quarteirão de 1997, venderam 1,5 milhão de cópias, recusando maciçamente convites para televisão, numa época, vale lembrar, em que a TV ditava o que era tendência.

Talvez o tenham feito em retaliação às muitas críticas que receberam da mídia, na qual foram rotulados de sexistas, violentos e até de “irracionais”. O desprezo de parte da crítica foi inversamente proporcional à resposta do público, como provaram as vendagens milionárias de Sobrevivendo no inferno. A banda, que se manteve em uma gravadora própria e independente, a Cosa Nostra, deu origem a um culto tão fiel e radical entre seus fãs quanto a própria postura dos MCs. Apesar das idiossincrasias da banda, a produtora do Molotov Ana Garcia garante que a negociação com os paulistas foi tranquila. E adianta: devem tocar músicas inéditas, do álbum previsto para 2012.

Ainda sem título, o suposto disco de inéditas sucede o duplo Nada como um dia após o outro dia (2002). O CD tem momentos de brilhantismo, apesar de não ter repetido o fenômeno deSobrevivendo. Desde então, o grupo só tem lançado coletâneas, mas continua em atividade, lotando ginásios Brasil afora. Recentemente, aqueles dois álbuns de estúdio foram contemplados numa lista de melhores da história, entre os brasileiros. Pode ser um acerto de contas com o tempo. Mas os Racionais sempre fizeram pouco caso de premiações. Quando não, fizeram polêmica mesmo.

Como na premiação da MTV, o Video Music Brasil, de 1998. No palco, os Racionais mandaram ver com Diário de um detento, cujo clipe, um épico de oito minutos, bombava naquele canal, à época. Depois de uma performance impecável, Mano Brown soltou a pérola: “Minha mãe já lavou roupa de muito desses boys que tão aqui (na cerimônia)”. Críticos? Como atesta Brown em Vida loka, Deus, Ele, sim, é o juiz. 

THIAGO LINS, repórter especial da revista Continente.

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