Resenha

"Vitória" e a história por trás

O longa-metragem estrelado por Fernanda Montenegro conta a história real da idosa que denunciou a violência e o tráfico de drogas no Rio de Janeiro

TEXTO Laura Machado

12 de Março de 2025

Fernanda Montenegro (Dona Nina) e Alan Rocha (Fábio) em cena de

Fernanda Montenegro (Dona Nina) e Alan Rocha (Fábio) em cena de "Vitória"

Foto Suzanna Tierie/Divulgação

A pouco mais de um mês, em pleno domingo de Carnaval, o Brasil parou para assistir à premiação do Oscar 2025, onde o longa-metragem Ainda estou aqui concorreu em três categorias. Dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres, o filme entrou para a história do cinema brasileiro antes mesmo de qualquer consagração, e a prospecção de que uma atriz brasileira poderia receber o Oscar de Melhor Atriz criou um clima de Copa do Mundo no coração dos brasileiros. 

Fernanda Torres acabou sem a estatueta dourada, mas se tornou a segunda atriz brasileira a concorrer ao Oscar, sendo antecedida por ninguém menos do que sua própria mãe, Fernanda Montenegro. Em 1999, esta foi a primeira atriz latino-americana a concorrer à categoria por sua performance de extrema humanidade em Central do Brasil

Com o peso das indicações de mãe e filha, separadas por 25 anos, ninguém conseguiu parar de falar sobre o vigor da atuação das duas Fernandas. É diante dessa realidade e de um cenário extremamente favorável à valorização do cinema nacional que o longa Vitória chega aos cinemas de todo o Brasil nesta quinta-feira (13). 

A película conta a história de dona Nina, uma aposentada de 80 anos de idade que decide comprar uma câmera de vídeo para gravar a movimentação criminosa que acontece próxima a seu apartamento. Com o auxílio do jornalista Fábio Godoy (interpretado por Alan Rocha), ela leva as dezenas de fitas às autoridades e, através do seu trabalho investigativo e documental, uma investigação criminal começa a se formar.

No papel de Nina (que passa a se chamar Vitória quando entra no Programa de Proteção à Testemunhas), Fernanda Montenegro se destaca. Aos 95 anos de idade, sua capacidade de interpretação segue brilhante e ela entrega uma personagem firme e segura de si, que bate de frente com os vizinhos, policiais e qualquer outra pessoa que venha a tratá-la com indiferença. É justamente a atuação de Montenegro que eleva a obra. 

Idealizado por Breno Silveira e, depois que o cineasta faleceu subitamente, roteirizado por Paula Fiuza e dirigido por Andrucha Waddington, o longa-metragem é genérico. Sem a escalação de Fernanda, seria facilmente esquecível e provavelmente não estaria sendo tão aguardado. 

Dessa forma, o roteiro básico se escora na interpretação excelente da atriz, que consegue passar todo o desespero, medo e determinação da protagonista com muito mais do que palavras. Em Vitória, o mais bonito não é aquilo que sai da boca dos personagens ou o desenrolar de cenas e fotografias, mas, sim, os olhares, as ações e a maneira de se portar de dona Nina. 

Durante o longa, momentos de tensão se mesclam com aqueles que aquecem o coração, como as interações cheias de cuidado de Nina com Marcinho, jovem menino que a ajuda com as compras em troca de algumas moedas. Interpretado pelo estreante Thawan Lucas, o personagem doce traz carinho ao filme, ao mesmo tempo em que demonstra a vulnerabilidade da juventude diante das drogas e do tráfico.

Linn da Quebrada também está na obra como a vizinha de Vitória, Bibiana. Apesar de não serem tão frequentes, é interessante o desenrolar da amizade e admiração que nasce entre as duas personagens. Ao seu lado, a senhora firme consegue se abrandar e encontrar sua suavidade. 

Vitória é baseado no livro Dona Vitória da Paz, originalmente escrito pelo jornalista Fábio Gusmão e publicado pela editora Planeta em 2006. A obra literária, por sua vez, conta a história real de Joana Zeferino da Paz, a verdadeira Nina. Ex-empregada doméstica e massagista, foi ela a verdadeira mulher por trás dos vídeos que acarretaram na prisão de mais de 30 pessoas envolvidas com a violência e o tráfico de drogas na Ladeira dos Tabajaras, no Rio de Janeiro.

Para a sua segurança, dona Joana precisou trocar seu nome para Vitória e mudar de cidade. Foi apenas em 2023 que sua identidade real foi revelada, quando ela faleceu aos 97 anos. Fábio, que tinha ajudado a senhora com as denúncias e, pouco mais tarde, escrito o livro sobre suas descobertas, republicou a obra em 2024 com o novo nome de Dona Vitória Joana da Paz.

Com a estreia do filme, internautas comentaram sobre a escalação de Fernanda Montenegro para interpretar Joana, que era uma mulher negra. Em reportagem no programa Fantástico, da TV Globo, foi explicado que, no início das produções do filme, Joana estava viva e a escolha de atores foi feita com cautela, para que nenhum tipo de informação ou característica sobre a mulher pudesse ser identificada. Assim, nos cinemas, Vitória, que era negra, foi interpretada por uma atriz branca e, para o jornalista Fábio Gusmão, que é branco, foi escalado o ator Alan Rocha, um homem negro.

LAURA MACHADO, jornalista e repórter das revistas Continente e Pernambuco.

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