"Sol de Inverno": entre a esperança e a falta
O longa-metragem japonês que narra a paixão de um jovem garotinho pela patinação artística estreia nos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (16)
TEXTO Laura Machado
13 de Janeiro de 2025
Foto Michiko Filmes/Divulgação
O branco da neve colore a tela do cinema durante quase toda a duração do novo longa-metragem japonês Sol de inverno. Dirigido, roteirizado e fotografado por Hiroshi Okuyama, o filme foi exibido na 77ª edição do Festival de Cinema de Cannes. Nesta quinta-feira (16), chega aos cinemas brasileiros. Singelo desde seu princípio, a obra é como um retrato de um breve momento na vida, emoldurado em tonalidades pastéis.
A narrativa do filme acompanha Takuya, um jovem garotinho introspectivo, à medida que a primeira neve do ano começa a cair. Com a neve, os esportes de inverno se tornam as únicas opções viáveis, e o hóquei no gelo passa a ser praticado pelo menino. Atrapalhado, distraído e sem força de vontade para prosperar no esporte, Takuya começa a se interessar pela patinação artística, enquanto observa a jovem patinadora Sakura dançando sobre o gelo, sempre diante do olhar atento de seu treinador, Arazawa. O homem, notando a empolgação de Takuya, passa a treiná-lo e sugere que as duas crianças se apresentem em conjunto, como uma dupla. A partir dessa aproximação, os destinos dos três personagens interligam-se.
Takuya (Keitatsu Koshiyama), protagonista do filme, traz para a trama a bonita perspectiva de uma criança que se apaixona pela primeira vez, no seu caso, pela patinação artística. É através de seu olhar que o espectador primeiro se depara com Sakura e Arazawa. Envergonhado de si mesmo e de seus gostos, o garoto sofre com a gagueira na hora de falar, vive quase totalmente solitário quando não está com os familiares e sempre está levando reclamações de seu técnico de hóquei pela falta de atenção, até encontrar, nos patins, uma paixão para se dedicar totalmente.
Em contrapartida ao primeiro amor, o personagem de Arazawa (Sosuke Ikematsu) é um homem com grandes desilusões. Mas, a partir do treinamento para o casal de alunos, passa a se reencontrar com o amor que um dia possuiu pela arte de patinar. Se no início sua expressão é vazia e reflete alguém sem propósito, durante o desenrolar da obra, seu rosto se ilumina e o sorriso transparece a adoração que estava escondida dentro do peito.
Sol de Inverno possui um clima quase onírico como tela para a pintura que é a relação entre o trio de personagens. Em especial durante a cena na qual Takuya, Sakura e Arazawa patinam juntos em um lago congelado. A alegria que apenas a amizade é capaz de proporcionar se faz presente de maneira quase sólida de tão poderosa.
O longa-metragem é o segundo do jovem cineasta Hiroshi Okuyama, nascido em 1996 e que conquistou prêmios nos festivais de cinema de Dublin, Estocolmo e San Sebastián com o filme Jesus, em 2018. Em 2023, ele colaborou com o grande diretor Hirokazu Kore-eda na série da Netflix, O Makanai: cozinhando para a casa Maiko.
Em Sol de inverno, é possível notar uma influência do cinema de Kore-eda, cujas obras cinematográficas carregam em si assuntos muito relacionados às pessoas e à experiência humana. Bebendo desses temas, o filme de Okuyama traz personagens capazes de muita complexidade, mas é justamente por não mergulhar de verdade neles para explorar essa profundidade que o último ato de sua obra não consegue atingir seu potencial.
Um dos pontos de fragilidade do filme ocorre quando Sakura descobre uma nova informação sobre seu mentor, desencadeando único conflito do longa. De maneira imprudente e injusta, a personagem associa homossexualidade com pedofilia, mas nada é feito sobre isso.
Dessa maneira, o tom positivo construído por todo o filme através do ciclo acolhedor de Takuya - que não sofre nenhuma pressão familiar ou de amigos pela escolha do garotinho de largar o hóquei pela patinação artística -, desmorona completamente. A esperança do filme se dissipa diante da realidade de que o mundo continua igual, repleto de isolamento para aqueles que não seguem as normas da sociedade.