Nara Normande e Tião durante as filmagens do longa-metragem
Foto: Divulgação
Enquanto o curta-metragem (2014) foi filmado em película, uma década depois, o longa chega ao público em formato digital. “A gente conversou com a fotógrafa [Evgenia Alexandrova] e dissemos que queríamos contrastes fortes, o preto o mais preto possível. Falamos sobre os tons de verde que gostaríamos para a vegetação e das sombras mais pronunciadas. Queríamos um filme colorido, com cores vibrantes, que fossem mais quentes e fortes, mas ao mesmo tempo algo natural, que tivesse a ver com a realidade de quem grava com aquele sol todo e com essa exuberância da natureza”, explicam Tião e Nara.
Outro destaque de Sem Coração é a fotografia colorida, solar, com presença de planos abertos, que representam trechos do litoral alagoano em 1996, quando ainda era pouco ocupado por empreendimentos imobiliários e hoteleiros. Algumas cenas foram gravadas em Maceió e outras no litoral norte do estado. Quem assina a direção de fotografia é a russa Evgenia Alexandrova, que mora na França, e chegou à equipe, através de uma coprodução com o país.
Sem Coração venceu o Redentor de Melhor Fotografia durante sua primeira exibição nacional no Festival do Rio, onde também recebeu o Prêmio Félix de Melhor Filme. Na Mostra Nordestina do Fest Aruanda, uma das muitas premiações que recebeu foi Melhor Fotografia. Além dela, outros reconhecimentos: Melhor Direção, Trilha Sonora, Som, Figurino e Direção de Arte. Antes de estrear em circuito nacional, Sem Coração venceu o Prêmio ABRACCINE de Melhor Longa na Mostra de São Paulo; o Prêmio do Júri, no Festival International du Film d’Amiens; e Melhor Contribuição Artística no Festival de Havana.
Para a diretora Nara Normande, que já retratou sua relação afetiva com sua terra no curta-metragem Guaxuma (2018), lidar com os elementos naturais, tão estruturantes deste filme, foi um grande desafio para a produção: “Tudo tinha que ser muito certinho, programado, porque a lua tinha que ser aquela específica para a imagem que queríamos fazer, assim como a maré seca. A data de gravação do filme foi baseada nisso. Esse planejamento foi da primeira assistente de direção Laura Mansur”, explica.
Durante a história, um dos elementos que conecta Tamara e Sem Coração é a presença de animais fantásticos, como uma baleia de 14 metros de comprimento, presente nos sonhos das personagens e no cartaz de divulgação da obra. Cada uma interpreta aquele animal de uma forma. Além da baleia, construída durante três semanas pela equipe de direção de arte de Thales Junqueira, com materiais como ferro, espuma PAC, isopor, poliuretano expandido, malha e látex; há a presença de arraias, em 3D, que estão diretamente ligadas às emoções de Sem Coração.
Em um dos primeiros planos do filme, a adolescente fica de frente a uma delas durante um mergulho, numa espécie de confronto, mas também de admiração. Adiante, enquanto interage com o grupo de Tamara dentro do mar, outros animais da mesma espécie aparecem. Quando vai pescar com seu pai e se utiliza da bioluminescência para atrair peixes, novamente uma arraia surge próximo ao barco, durante uma conversa conduzida por lembranças.
“Usamos esses animais como uma forma de traduzir a subjetividade deles. Uma baleia que aparece encalhada, como a gente poderia se relacionar com o que a personagem estava sentindo? É um grande mistério. Você sente algo, mas não sabe direito a dimensão daquilo. A gente brinca com esses elementos naturais de uma forma racional, mas também permite que não seja tão racional assim”, explica Tião.
Outro cuidado que Normande e Tião tiveram durante a escrita do roteiro foi o de delinear a história através da perspectiva de adolescentes: “Como não colocar a nossa cabeça, a nossa moral dentro da cabeça deles? Isso foi um desafio. Tentamos ser o mais honestos possível a partir da perspectiva deles. Como mostrar as coisas sem julgar? Como não direcionar demais, pra não ficar chato, né? Como fazer uma condução natural aos personagens?”, compartilham suas indagações durante o processo.
No elenco, Maeve Jinkings (Pedágio; Aquarius; O Som ao Redor) interpreta a mãe amorosa de Tamara, que acolhe as angústias e os medos da filha durante essa transição de cidade; e Erom Cordeiro (A Divisão; DNA do Crime) como o pai da jovem. O filme conta ainda com a estreia no cinema do baiano e influencer Kaique Brito, que faz o papel de Binho, um adolescente que inicia um passeio por suas primeiras experiências sexuais.
Sem Coração teve um orçamento de R$ 5,5 milhões e contou com financiamentos da França, Itália e do Brasil. A parceria internacional foi indispensável para sua existência, porque, à época, os governos Temer e Bolsonaro não favoreciam a captação de recursos para o audiovisual brasileiro. A produção executiva é feita por Emilie Lesclaux, Kleber Mendonça Filho, Justin Pechberty, Damien Megherbi, Nadia Trevisan e Alberto Fasulo. A coprodução e a distribuição são da Vitrine Filmes.