"Queer" e a busca pela conexão
Novo filme do cineasta italiano Luca Guadagnino chega aos cinemas nesta quinta-feira (12). O longa conta com a atuação de Daniel Craig e Drew Starkey
TEXTO Laura Machado
12 de Dezembro de 2024
Daniel Craig e Drew Starkey estrelam o novo longa-metragem de Luca Guadagnino
Foto Yannis Drakoulidis/Cortesia A24
Depois do sucesso estrondoso do magnético Challengers, no início de 2024, o cineasta Luca Guadagnino não descansou e nesta quinta-feira (12), sua nova obra cinematográfica chega aos cinemas de todo o Brasil. Queer é baseado no livro homônimo de William S. Burroughs — escrito em 1952 e publicado apenas em 1985 — e retrata os caminhos incorpóreos do desejo, solidão e vícios.
Lançado oficialmente na competição da 81° edição do Festival Internacional de Cinema de Veneza, o novo lançamento do diretor italiano é uma obra confidente que conta a história de Lee (Daniel Craig), expatriado americano morando na Cidade do México e envolto em uma rotina de bebedeira, drogas e conversas com outros antigos servidores da Marinha americana. Em meio a sua liberdade, o homem de meia-idade acaba por conhecer e se apaixonar por Eugene Allerton, um homem mais novo (Drew Starkey).
Ambientado durante a década de 1940, Queer não é uma obra tão “jovial” como Me chame pelo seu nome ou Até os ossos, mas é um filme que mergulha profundamente nas experimentações sobre o amor e o corpo trazidas nestas e outras produções de Luca.
Dividido em três atos e prólogo, o longa-metragem se destaca pela maneira surrealista que retrata os sentimentos de seu protagonista. Dentro daquele universo, seus desejos e vontades são quase concretos, e seus vícios, quase ignorados. É com um olhar íntimo sobre Lee (que também acaba por ser um olhar íntimo sob William S. Burroughs) que o filme se apresenta como um onírico retrato pessoal de um homem que arde em fogo. Fogo esse, inclusive, que permite à obra uma exploração multifacetada do corpo.
No primeiro ato, o filme é como um drama histórico romântico e o espectador se dá o direito de imaginar uma narrativa sensual e instigante de amor proibido. Essa imagem, porém, não se sustenta e, à medida que o longa avança em sua narrativa, mais e mais profunda vai se tornando. Em determinado momento de Queer, Lee deseja achar uma planta com propriedades medicinais e quase mágicas chamada de Yagé (Ayahuasca). Ele parte em uma viagem pela América do Sul com a companhia de Eugene, o homem mais jovem por quem é apaixonado.
É a partir dessa viagem que o filme se transforma bruscamente e pode chegar a perder a admiração de alguns espectadores. Pessoalmente, o contrário ocorreu. As cenas que se desenrolam, desse ponto em diante, são extremamente dotadas de sentimento e representam um avanço grandioso para compreender os personagens e suas representações. Envolvente e melancólica, a imagética da obra se transforma de maneira bonita e o que está implícito passa a carregar uma importância ainda maior.
Se, em Até os ossos, Luca Guadagnino usa o canibalismo como metáfora para discutir o amor, desta vez ele se utiliza da experiência de fundição corpórea para constatar a imensidão do desejo por conexões. O protagonista da história, afinal, é um homem em busca de um sentimento grande o suficiente para acabar com seus problemas.
No longa, Daniel Craig está brilhante. A escolha de um ator conhecido por papéis de extrema idealização da hombridade, como James Bond, para interpretar um homem queer, foi um acerto provocativo do diretor. Craig entrega uma das melhores atuações da carreira com uma performance repleta de nuances e humanidade, com uma soturnidade que transparece nas pequenas ações e nos mais discretos olhares.
Queer é um longa-metragem bonito e profundo, que retrata, acima de tudo, a busca pelo outro e a infeliz jornada para dentro de si mesmo, o encontro delicado com a própria alma e o exercício árduo de escutá-la.