Resenha

Quando a violência encontra seu lugar na arte

'O clube dos canibais', longa de Guto Parente, encontra no terror o lugar para explorar o conflito social

TEXTO Augusto Tenório

03 de Outubro de 2019

Gilda (Ana Luiza Rios) e Otávio (Tavinho Teixeira) são o casal protagonista de 'O clube dos canibais'

Gilda (Ana Luiza Rios) e Otávio (Tavinho Teixeira) são o casal protagonista de 'O clube dos canibais'

Imagem Divulgação

A exploração do terror como crítica social é o território desbravado por Guto Parente em O clube dos canibais, que fez sua estreia no dia 3 de outubro. Finalizado em 2018, o longa segue o caminho de filmes como Get out, lançado em 2017 por Jordan Peele e aclamado pela crítica. No filme do diretor cearense, o público revira-se com a plastificação da ideia de uma sociedade canibal, na qual a elite econômica e política se alimenta da carne dos seus empregados em um jogo fetichista.

O clube dos canibais oferece ao telespectador a violência física e discursiva de forma rítimica, conduzida pela trilha sonora assinada pelo também cearense Fernando Catatau. Ela, somada à inversão de papéis sofrida pelo casal canibal Otávio (Tavinho Teixeira) e Gilda (Ana Luiza Rios), transforma o terror, na verdade, em uma sequência violenta, mas que pode não assustar o público calejado com o gênero.

A violência, porém, cumpre seu papel na mensagem passada pelo filme. À Continente, Guto Parente afirmou que a arte é o local onde essa expressão pode estar presente: "É onde o cinema consegue se afirmar. Na realidade, as coisas acontecem de uma forma diferente. Aqui, questiona-se a violência como ferramenta. Uma coisa é o terror no cinema e outra coisa é o terror da realidade".

O terror reproduzido e potencializado no canibalismo em O clube dos canibais talvez não atinja a classe média diretamente, visto que ela se encontra nos papéis dos patrões. Porém, às classes mais baixas, o terror não se resume ao sangue, mas também se encontra no desemprego e, posteriormente, na submissão a trabalhos como o retratado no longa, no qual o empregado se submete a agressões verbais e outros abusos.

No longa, caricatura da sociedade, mostra-se que o canibalismo não é somente da carne, mas da apropriação e subjugação da vida alheia. A mansão de Otávio e Gilda engole personagens como Jonas: "Por mais que o terror do cinema evoque o terror da realidade, a proposta é diferente de quando somos obrigados a viver o terror", reflete o diretor.

As semelhanças entre Clube dos canibais Get out existem, mas não foram propositais. Questionado sobre uma possível fonte de inspiração no longa de Jordan Peele, Guto Parente explica: “Seria, sim, se eu não tivesse gravado antes. Mas penso sobre o quanto seria interessante uma sessão conjunta de O clube dos canibais e Get out. Trata-se de algo muito potente do cinema de gênero, que é oferecer diversão, num lugar que envolve uma camada de entretenimento, trazendo questões a serem discutidas, o que é muito bom”.


Guto Parente, diretor de O clube dos canibais. Foto: Filipe Acácio / Divulgação

Desde 2018, o longa foi exibido em salas de cinema de todo o planeta, fazendo parte de festivais como o BFI LondonInternational Film Festival Rotterdam e o Scream Singapore. A violência elevada à máxima potência em O clube dos canibais carregou consigo discussões sobre a situação sociopolítica do Brasil no ano de uma eleição histórica.

"Passamos 2018 viajando com ele, e foi um ano de muita turbulência política. Havia o medo do governo Bolsonaro assumir, e, com a eleição, houve o baque. Por onde circulei, deu pra sentir que o mundo estava em choque com o que estava acontecendo no Brasil. É curioso que ainda existe uma imagem construída de uma certa conciliação social, do Brasil como um país que não é racista, com o mito da miscigenação. Mas, através da arte que está saindo do país, o público internacional está começando a entender o quanto é podre nossa construção enquanto sociedade”, opina Guto Parente.

VICTOR AUGUSTO é estudante de jornalismo da Universidade Católica de Pernambuco e estagiário da Revista Continente

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