Resenha

OK OK OK

Cantor, instrumentista e poeta, para muitos bruxo de timbres e versos, Gilberto Gil enfrenta a velhice e lança, sob produção do filho Bem, um disco de inéditas repleto de homenagens e afetividade

TEXTO Paula Mascarenhas

11 de Setembro de 2018

Aos 76 anos, baiano Gilberto Gil lança disco com produção do filho Bem

Aos 76 anos, baiano Gilberto Gil lança disco com produção do filho Bem

Foto Gerard Giaume/Divulgação

“Ok Ok Ok Ok Ok Ok / Já sei que querem a minha opinião / Um papo reto sobre o que eu pensei / Como interpreto a vil situação”. O tom solene de arranjos de guitarra se mistura aos versos que abrem o novo disco de Gilberto Gil, OK OK OK,  lançado em agosto pela Gegê Produções e com gravação da Biscoito Fino e Altafonte. As palavras do músico baiano dão logo o recado sobre essa sua nova fase: a de não ser obrigado a se pronunciar sobre tudo o que acontece por aí.

Símbolo musical de resistência à ditadura militar de 1964 e herdeiro da suposta função social do artista em agir como “herói”, Gilberto Gil agora faz o caminho inverso: em tempos de constante exposição e de exigência de posicionamento político, o tropicalista recusa esse papel de mito e canta agora sobre a sua íntima relação com mundo ao seu redor, no processo de encarar a fragilidade da velhice e, ao mesmo tempo, de apreciar a vivência com a família e amigos. Assim são as 15 faixas do seu novo disco, imersas em afetividade e com várias homenagens e participações especiais.




Embora recentemente estivesse com a saúde debilitada e há oito anos sem produzir um disco de inéditas - o último foi o Fé na festa (2010), coletânea de xotes e baiões - Gil nunca se afastou da vida musical, pelo contrário, estava em plena atividade, realizando diversas apresentações e parcerias. Em 2015, ele e Caetano Veloso saíram em turnê mundial para cantar os clássicos e celebrar os 50 anos de carreira da dupla com o show (e o disco) Caetano Veloso e Gilberto Gil - Dois amigos, um século de música.

Já em 2017, a comemoração dos 40 anos do álbum Refavela (1977), fruto da viagem de Gil à Nigéria, foi concretizada em várias apresentações pelo país e Europa, com a participação de artistas da moderna MPB e novas roupagens para as canções que marcaram a negritude de sua obra. Foi também no ano passado que o músico iniciou uma parceria com Nando Reis e Gal Costa no grupo Trinca de ases. O projeto não apenas rendeu uma turnê que está percorrendo o Brasil, como também um disco com 25 gravações, entre releituras e inéditas.

Então, meio aos shows e ao tratamento de problemas renais e cardíacos, Gil se dedicou às composições de OK OK OK, demonstrando, mais uma vez, a sua sensibilidade artística que atravessa rítmica e poeticamente a sua eclética trajetória musical. Nestas cinco décadas de carreira, ele produziu mais de 60 discos e neles sempre revelou a sua versatilidade, como as influências da Bossa Nova de João Gilberto, do samba de Dorival Caymmi, do forró de Luiz Gonzaga e do reggae de Bob Marley. Gil transitou pela era dos festivais dos anos 60-70, fez história e revolução com o movimento Tropicalista e já cantou sobre o amor, a morte, o meio-ambiente, os avanços tecnológicos e a africanidade. Apesar de mais intimista, esse novo álbum é produzido por Bem Gil, filho do cantor, e revela um pouco de cada face e fase do artista.


Com 15 faixas inéditas, OK OK OK é um disco intimista, mas celebrativo. Foto: Divulgação.

OK OK OK, a primeira canção que dá nome ao álbum, introduz as músicas que entoam homenagens de Gil ao seus: a dançante Na real é uma declaração à Flora Gil, esposa do poeta, e vem com arranjos de metais e guitarra para falar de amor. Duas amigas, a atriz Maria Ribeiro e a jornalista Andréia Sadi, foram presenteadas com a canção Lia e Deia. Roberta Sá, cantora que prepara um disco só com canções de Gil, canta com ele Afogamento, composta por Gil e pelo jornalista Jorge Bastos Moreno. Ainda no âmbito das homenagens, o músico virtuose Yamandu Costa também é prestigiado e traz seu “violão ligeiro” em um dos sambas do álbum, que leva o seu nome.

As intempéries das doenças enfrentadas nos últimos anos também resultaram em tributos. Quatro pedacinhos, em que Gil faz poesia com seu coração, órgão capaz de dar defeito ou doer de amor, é um samba lamento que referencia a médica Roberta Saretta. Já a faixa-bônus Kalil compara o cardiologista Roberto Kalil a um super-herói, cuja “arte é medicina para o bem”.

Outras faixas também são completas alusões à família Gil. Nelas, o cantor orgulha-se do convívio com a nova geração. Sol de Maria foi dedicada à primeira bisneta e é a música de trabalho do momento. Em parceria com Bem Gil, o sambinha suave Sereno, música em homenagem ao novo neto, ganha a presença vocal das crianças da família. Bossa nova e afoxé se misturam em Uma coisa bonitinha e Tarturuguê, canções que também celebram a convivência entre avô, netos e netas. Ambas tem a participação do pianista João Donato, com quem Gil já cultiva uma parceria de anos, como na famosa canção A paz (1987).




A última faixa do disco é a nova versão da canção Pela internet, a primeira música nacional lançada oficialmente ao vivo na internet, em 2008. Para comemorar 20 anos da composição, Pela internet 2 vira um dub forrozeado que brinca criticamente com os novos aplicativos e as intensas demandas tecnológicas: “Se é música o desejo a se considerar / É só clicar que a loja digital já tem / Anitta, Arnaldo Antunes, e não sei mais quem / Meu bem, o Itunes tem /De A a Z quem você possa imaginar”.

OK OK OK também já está disponível em todas as plataformas digitais de música. O disco é assumidamente o “primeiro trabalho da velhice” de Gilberto Gil, mas não entoado em clima de despedida, e sim como uma grande celebração dos encontros da vida.

PAULA MASCARENHAS é graduada em Letras pela UFBA, estudante de Jornalismo pela UFPE e estagiária da Continente.

 

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