Outro clássico da banda que ganhou uma regravação foi Areia, composição de Sérgio e de Waltinho e hit da banda nos anos 1970, contou com a participação de Fagner. De acordo com Sérgio, a conhecida dramaticidade que carrega a voz do cantor cearense foi o que chamou atenção da banda na hora de pensar a regravação. “Apesar de sermos da mesma geração, sempre fui um grande fã de Fagner por sua interpretação única e pela forma como ele consegue se comunicar com seu público de uma forma tão intensa”, afirma Sérgio. Já em Rosa roubada, a voz suave e harmoniosa de Sérgio traz a temática dos encontros e despedidas, acompanhando a chegada do “trem que vem da serra”. A voz suave e harmoniosa de Sérgio canta: “Já se ouve o badalar do sino / Na estação, homem, mulher, menino / A perguntar quem vem lá / De longe pra esse destino” enquanto o arranjo desenha sonoramente essa viagem para os ouvintes.
Mesmo para quem está ouvindo o disco pelo streaming, é possível perceber a virada do Lado A para o Lado B com as versões excepcionais dos clássicos Lamento sertanejo e Carcará. A primeira começa com voz e violão, mas vai evoluindo aos poucos para um xote com toda a banda. O destaque fica para a segunda parte, onde o ritmo acelera e os sopros e cordas que marcam a trajetória da banda vão dançando e marcando o contraste entre a força e a delicadeza, tão característico da sonoridade da banda. A ideia de mandar a divisão entre lados, característica do vinil, foi pensada dentro da proposta geral do disco, de promover diálogos entre diferentes gerações. E se o Lado A termina com uma jam instrumental em cima do clássico do Dominguinhos e Gilberto Gil, a segunda parte do álbum começa, logo de cara, com uma das maiores canções da música brasileira, imortalizada na voz de Maria Bethânia.
A dificuldade de conseguir uma intérprete à altura para Carcará foi, de acordo com a banda, um enorme desafio. Mas o encontro da cantora potiguar Juliana Linhares com o arranjo de Zé Freire finalmente deu vazão a essa versão, que já estava há muito tempo no radar do grupo. Impactados com a potência de seu primeiro disco, Nordeste ficção (2021), o convite foi feito e tanto Juliana quanto a banda entregam uma versão potente que justifica a regravação de um clássico. A partir daí, o disco segue com uma revisita aos maiores sucessos da banda – nas palavras de Sérgio, “o nosso verdadeiro Lado A” – que inicia com o hit Flor D’água e encerra como um carnaval, no frevo Pelas ruas do Recife.
Para percorrer esse trajeto, a banda escolheu manter os arranjos quase idênticos aos originais, mas com uma surpresa ou outra no meio do caminho. Esperança, que, durante a pandemia, foi a música mais ouvida do grupo nas redes digitais, reaparece com a voz do Padre Fábio de Melo, que se une a de Sérgio para recriar o significado original da canção. Se antes a letra remetia ao duro momento que o Nordeste vivia nos anos 1970, com a seca e a ditadura militar, ela também foi ressignificada para dar vazão aos sentimentos que afloraram nos tempos da Covid-19. O contato foi realizado através do produtor musical, José Milton, que também trabalha com o padre. Para fechar o disco, Marcos Valle, que é um dos compositores de Pelas ruas do Recife. Novamente respeitando o arranjo original – nesse caso de Zezinho Franco – a regravação da canção também rememora a história da banda que foi responsável por dar origem ao primeiro polo carnavalesco no Bairro de Boa Viagem que, até então, era separado da folia recifense.
Desde o início, Entre a flor e a cruz foi pensado para ser uma celebração dos 50 anos da banda. A decisão de montar um repertório que apresentasse ao público a trajetória do grupo, desde as influências que ajudaram a criar a banda até os caminhos futuros que continuam a inspirá-los, se mostrou bastante acertada. Além de celebrar o legado de um dos mais importantes grupos da história da canção em Pernambuco, no Nordeste e no Brasil e apresentar a banda para aqueles que ainda não conhecem, os fãs da Banda de Pau e Corda têm a oportunidade de conferir um grupo que está mais afiado do que nunca e pronto para o futuro.
ANTONIO LIRA, músico, pesquisador e mestre em Comunicação pela UFPE.