“É o nosso impulso mais verdadeiro. O elã dos nossos impulsos… o elã da fala, o elã do diálogo, o elã do olhar, o elã da arte. É o meu olhar sobre tudo que está à minha volta, agora. Sobre o meu amor político, os atravessamentos do amor, no mundo em que eu me encontro hoje. São as intempéries de existir num mundo tão caótico, tão violentamente veloz, e que a gente não consegue acompanhar”, discorre Almério, sobre o disco, em entrevista à Continente.
Nesse exato momento é produzido por Juliano Holanda e traz um grande time de artistas convidados. O álbum tem as participações especiais de Maria Bethânia, Zélia Duncan, Mariana Aydar, Juliana Linhares, Chico Chico, Zé Manoel (ao piano) e do próprio Juliano, dividindo os vocais com Almério na última faixa do disco.
MULHERES À SUA VOLTA
“Quando você se entende artista, é um caminho sem volta”, entrega Almério. E o caminho do menino que nasceu em Altinho, cresceu e se iniciou na arte em Caruaru, no Agreste de Pernambuco, detentor de uma voz tamanha, foi construído a partir de muitos desses impulsos de vida e da sensível e natural intuição que o guiou, apesar dos inevitáveis percalços. “Foram essas intempéries que fizeram de mim quem eu sou hoje. Então, tenho muito respeito por tudo que passei.”
E em respeito (e, também, por amor) a essa trajetória, Almério trouxe muitas mulheres como compositoras para o disco. Nesse exato momento tem composições de Zélia Duncan, Ceumar, Isabela Moraes, Joanna Terra, Ezter Liu e Ana Paula Marinho. “Não foi uma escolha. Foi natural. Desde pequeno, eu sempre tive amigas mulheres e sempre me interessei mais pelo universo das mulheres. Esse mundo feminino, esse sagrado feminino sempre me acompanhou. E eu sempre tive essas mulheres me abençoando, me cuidando, me acarinhando e me fazendo evoluir, tanto quanto ser humano como artista. Elas foram esse rio fértil onde eu me banhei por toda a minha vida”, conta. Outras canções do disco são de autoria de Almério, sozinho ou em parceria, Juliano Holanda, Marcello Rangel e Damião Araújo.
Nesse exato momento foi gravado nos estúdios Carranca (Recife/PE) e Tambor (Rio de Janeiro/RJ) e contou com uma banda formada por Juliano Holanda (guitarra e arranjos), Rapha (bateria), Lucas dos Prazeres (percussão), Rogê Victor (baixo), Nilsinho Amarante (trombone e arranjos de metais), Emanoel Barros (trompete), Gilberto Pontes (sax tenor), Spok (sax barítono) e João Camarero (violão). A Almério também coube, além das composições e voz, a concepção dos arranjos das músicas do disco.
O DISCO, FAIXA A FAIXA
Este é o álbum mais potente de Almério. De sonoridade grandiloquente em boa parte de sua duração, Nesse exato momento começa forte, com Laroyê, a saudação a Exu, o orixá que abre caminhos, o mensageiro, o “multiplicador da palavra breve”. “Exu é o senhor do agora. E essa música é uma ode sobre os agoras. Exu é o condutor do disco”, conta Almério. “Primeiro, tem que cantar pra ele, para minha poesia chegar nos corações das pessoas.”
Na sequência, outra porrada - sonora e literária: Uma inédita, de Juliano Holanda, é a “canção épica” do disco, como classifica Almério. Ela enumera uma série de potências - à nossa volta ou dentro de nós - que podem concorrer para fazer irromper uma nova canção. “É filosofia pura. É a minha filosofia de vida, ‘como uma pele que se regenera’”, cita um trecho da canção. “Fala sobre as intempéries, sobre esse turbilhão que o artista passa para que a sua música continue viva”, explica Almério.
A faixa-título do disco é de autoria de Juliano Holanda e Zélia Duncan. Nesse exato momento traduz o espírito do disco, versando sobre as urgências da vida. Na gravação, Almério terça vozes com Chico Chico, em uma sintonia certeira. “Tenho uma fixação pela voz dele. Chico Chico é um intérprete que eu admiro demais, também pelo jeito espontâneo que ele tem. Precisava dessa voz para impulsionar o disco, ter essa força dele cantando comigo.”
Algumas das canções tratam de relações afetivas, dos caminhos e descaminhos nas relações, dos pensamentos que voam em busca de alguém, das saudades, das ternuras, dos tesões. Entra nessa seara Tóxico, assunto frequente em tempos de busca por leveza nas relações. “Fiz para uma relação que eu tive, mas também para as toxicidades que há dentro de mim. Fiz também para o meu espelho, e para as pessoas se atentarem a isso, para curar essa toxidade que há na gente.”
“Sabe aquele suspiro silencioso que você dá sozinho, quando lembra de alguém?”, pergunta Almério, ao falar de Suspiro, canção de Ana Paula Marinho, amiga de velhos carnavais do artista, e primeira pessoa a musicar um poema seu, quando ele tinha 13 anos de idade. “Ana Paula é meu sopro principal”, diz o amigo. Zélia Duncan é a convidada da canção.
Antes de você chegar, parceria de Almério e Ceumar, é música conhecida de quem já acompanha os shows do cantor. Entre o bolero e o brega, a música ressalta uma sonoridade mais latina, especialmente com o piano de Zé Manoel, convidado da faixa. “Ela tem um apelo sensual. Ela traz essa sensualidade, essa latinidade que corre nas nossas veias e que mora muito na minha poesia, nessa busca do boy perfeito”.
Em seguida, vem o “xote-rock” Beijo Beijo, composição de Almério e Juliano Holanda, que traz as participações de Mariana Aydar e Juliana Linhares. “Eu queria duas representantes muito fortes no forró. Não que elas sejam cantoras de forró, mas defendem o forró muito bem. Elas são detentoras de um poder quando cantam forró”, exalta Almério, que adorou o resultado. “Rolou um trisal das nossas vozes, um trançado de línguas, de sopros sensuais. Foi muito gostoso gravar com elas.”
Em parceria com Marcello Rangel, Me conheço foi a última a entrar no disco. Baseada em texto escrito por Almério em um post nas redes sociais, a canção traz a lida, muitas vezes árdua, da vida de artista. “Ela tem essa coisa de cuidar do ser humano. Ela celebra nosso vício, nosso cansaço, nosso prazer de dever cumprido. Tem muito a ver com a lida do artista e, consequentemente, com a lida humana.”
Quero você é uma preciosidade no disco, que contou com a participação grandiosa de Maria Bethânia. A canção é uma parceria com Isabela Moraes e foi um dos singles do disco. As imagens de um Almério chorando, emocionado, ao ouvir a gravação de Bethânia, foram para as redes sociais e despertaram no público um irmanamento genuíno, como se cada um de nós também estivesse ali, vivendo aquela emoção. “Bethânia é um divisor de águas. Ela me abençoou como artista e compensou todas as minhas lutas. Me senti renovado, como se tivesse renascido. Ela arrebentou a represa da minha arte e fez escoar muitos sentimentos. Eu me sinto realmente começando depois dela e não me sinto mais assim tão só”, se derrete (repleto de razão) Almério.
Boy Magia é inspirada em fatos reais. Fala do encontro fugaz e intenso entre dois homens que se amam - por uma única vez - na noite recifense. “É uma ode a esses encontros fugazes que a gente não dá nada, mas que transformam, que marcam, mesmo que só tenha durado uma noite. É uma ode ao beijo LGBTQIA+”, diz Almério. Malabares é parceria de Almério com Joanna Terra e Ezter Liu. “É uma canção muito cinematográfica. Uma declaração de amor exposta. É o exagero do amor. É o amor no estado hiperbólico”, explica Almério sobre a canção, que gradualmente, vai se tornando um frevo.
15 Segundos é a faixa que encerra Nesse exato momento. É de Almério, Juliano Holanda e do caruaruense Damião Araújo. “Fala dessa inversão de valores, de se viver mais no mundo virtual do que no real”, explica. “A humanidade tá meio maluca, porque isso acaba atrapalhando muitos as relações… esses 15 segundos de esquecimento, em que a gente bota toda a vida da gente num story, como se aquilo fosse alimento substancial, mas é algo que passa rapidinho e, quando a gente vê, só traz mais tristeza.” A faixa conta com o produtor do disco, Juliano Holanda, dividindo os vocais com Almério. “Juliano é o oráculo, o fortalecimento da minha poesia, a voz dele é muito próxima de mim. Não seria quem sou hoje sem ele. O disco não termina em 15 segundos, o disco reinicia!”
SHOW
Almério prepara o lançamento de Nesse exato momento para o dia 2 de maio. Será a estreia nacional da turnê, com show no Teatro do Parque, no Recife. Além das canções do disco, ele promete cantar sucessos de trabalhos anteriores, em novas versões, e trazer algumas novidades, como Depois que eu cantei com Bethânia, que ele fez arrebatado pela emoção de gravar com a Abelha Rainha.
LEONARDO VILA NOVA, músico, jornalista cultural e repórter da Folha de Pernambuco.