Imagem, de 1994, escolhida para a capa do livro
Foto: Rui Mendes/Divulgação
Pedro Luna apresenta Fred Zeroquatro como um punk incomodado com o momento político e econômico em 1984, tanto no Brasil, quando o povo estava nas ruas pedindo Diretas Já!, quanto no Mundo, no auge da briga de cachorro grande entre EUA e URSS, conhecida como a Guerra Fria. Através de depoimentos do próprio vocalista como também de outras figuras ilustres que permeavam esse momento pré-Manguebeat, digamos assim, mostra-se Fred antenado a tudo que estava acontecendo. Da sua passagem pelo Colégio Militar, à escolha pelo curso de Jornalismo e seu envolvimento em produção de jornalzinhos da universidade e atuando como repórter de uma emissora de TV, tudo está bem explicado de maneira sucinta e direta. As conquistas e frustrações que se sucedem até a banda conseguir assinar contrato com o selo Banguela (do produtor Carlos Eduardo Miranda e dos Titãs) e a gravação do primeiro álbum, o agora clássico Samba Esquema Noise, que foi produzido pelo já citado Miranda e o baterista da banda paulista, Charles Gavin.
As dificuldades foram imensas, mas o sonho que parecia impossível, foi realizado. Os integrantes usaram instrumentos emprestados e contaram com um penca de convidados (até a atriz Malu Mader fez uma ponta na canção Musa da Ilha Grande). E assim o livro vai contando as entradas e saídas dos músicos, os bastidores das gravações dos álbuns seguintes e como Fred Zeroquatro se espalha para ganhar inspiração e fazer letras fortes e ácidas sobre seu universo particular e as aflições pelo mundo afora.
Outro ponto que chama a atenção no livro está nos desgastes na relação interna da banda que causaram as trocas de integrantes. Não há cerimônia e nem firulas para contá-los. Das situações mais suaves, como a saída do percussionista Otto, que por se sentir sem espaço, optou por pular fora e seguir carreira solo, às mais complexas, como a expulsão do baixista Fábio, após causar tretas desnecessárias com os integrantes da banda, e do tecladista Bactéria, após uma viagem lisérgica que causou uma tremenda confusão num show. Luna tabela bem essas histórias com os espaços conquistados por Zeroquatro e cia na mídia nacional. Afinal, naqueles primeiros anos árduos, as viagens para o Sudeste e as vastas matérias estampadas em jornais e revistas especializadas e apresentações em programa de TV, eram troféus diante da luta que era para divulgar o trabalho. Porém, o livro se arrasta e o torna cansativo na sua reta final, quando a Mundo Livre S/A já ganha solidez no mercado, se tornando nome certo em festivais alternativos pelo Brasil afora e com público cativo em capitais como Curitiba, Porto Alegre e Goiânia. Algumas citações de shows e fatos políticos poderiam ser extraídas por não revelarem curiosidades ou informações relevantes sobre a banda.
Luna é autor de outras biografias musicais, como a de Champignon (saudoso baixista da Charlie Brown Jr.) e da Planet Hemp. Quando estava produzindo o livro da banda carioca, surgiu o desejo de escrever sobre os pernambucanos. Foram dois anos de produção até a obra dos mangueboys ficar pronta. "A Mundo Livre S/A está entre as minhas dez bandas favoritas, não só pelo som, mas pelo conceito, atitude e originalidade. Quando estava fazendo a do Planet, achei incrível a brodagem que existe entre a hemp Family carioca e a banda pernambucana. Aliás, na música Hemp Family, D2 e BNegão citam nominalmente Mundo Livre, (Jorge) Cabeleira, Chico Science & Nação Zumbi", explica.
Assim, Luna procurou Zeroquatro para falar da ideia e ganhou o sinal verde. A obra, no entanto, não teve o perfil "chapa branca" - o que é um grande trunfo. Nenhum integrante da Mundo Livre teve acesso ao texto para consentimento. "Fiz 75 entrevistas. Ninguém que procurei se negou a falar. Apenas alguns não conseguiram encontrar tempo para conversar por conta de suas agendas por conta de trabalho, como foram os casos do baixista Dengue e do cineasta Kleber Mendonça Filho", conta.
Mundo Livre s/a 4.0 - Do punk ao mangue: 40 anos de lutas, conquistas e muito ativismo político e cultural já teve lançamento em São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro, Niterói e Salvador, mas ainda não tem previsão de quando será o lançamento na cidade berço da Mundo Livre, o que é lamentável.
MARCELO CAVALCANTE, jornalista.