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"A ópera é acessível a todos"

Mercado operístico pernambucano resiste e se reinventa no século XXI, recebendo montagens e realizando o Festival de Ópera de Pernambuco, que impulsiona a cadeia produtiva do estado e a criação de novas obras

TEXTO Débora Nascimento

30 de Dezembro de 2025

"A compadecida", de José Siqueira, baseada no texto de Ariano Suassuna, foi resgatada pelo Fope

Foto Diego Cruz/Divulgação

A ópera em Pernambuco vive um momento paradoxal: ao mesmo tempo em que ainda enfrenta desafios estruturais para se firmar como mercado, também testemunha uma efervescência, para além da vinda de montagens consagradas, como La Bohème, Carmen, Pagliacci, La serva padrona, As bodas de Fígaro e Cavalleria rusticana. Impulsionada por artistas, professores e gestores culturais obstinados, a cena operística pernambucana desafia as limitações impostas pela geografia, burocracia e pelo investimento restrito dos setores público e privado.

Um dos nomes centrais para a retomada da ópera no estado é Wendell Kettle, regente, compositor e professor do Departamento de Música da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Idealizador do Festival de Ópera de Pernambuco (Fope), criado em 2019, ele encara o duplo papel de artista e produtor. Com formação acadêmica que envolve a Unesp, UFRJ e o Conservatório Rimsky-Korsakov de São Petersburgo, ele realiza um evento que vem devolvendo à plateia pernambucana o interesse e o fascínio pela ópera.

Sob sua coordenação, o Fope tornou-se o principal vetor da produção operística local. Por meio do festival, Pernambuco tem assistido à reestreia de títulos esquecidos como Leonor (1883), de Euclides Fonseca (1853-1929), primeiro compositor de ópera do estado, cuja montagem com cenografia e figurinos somente ocorreu em 28 de março de 2019, no Teatro Santa Isabel, no I Fope. Também do autor, foram encenadas Il Maledetto (1902-03) e A princesa do Catete (1883). Nestes os casos, a realização dos espetáculos abrangeu o trabalho de restauração e editoração de partituras.

O festival também promoveu, em agosto de 2022, o resgate de A compadecida, de José Siqueira, totalmente baseada no texto de Ariano Suassuna, que havia estreado no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, em 11 de maio de 1961. Para o realizador do Fope, criar e montar espetáculos inspirados em obras e autores conhecidos é uma forma de popularizar a ópera – ainda considerada pelo senso comum como uma arte elitista, o que contraria o pensamento de compositores como o maestro norte-americano Leonard Bernstein, para quem “a ópera é e sempre foi uma arte popular, por excelência”. 

Mas a que se deve essa ideia de que é algo elitista? “Como somos um país, digamos, colonizado, temos muita influência europeia. Quando as companhias começaram a chegar aqui ao Brasil, vieram as companhias francesas, italianas, alemãs... No Theatro Municipal do Rio de Janeiro, o diretor de óperas Henri Doublier começou a trazer as óperas francesas, porque as italianas já eram preponderantes. Ao longo da história da ópera, o italiano era o idioma, digamos, oficial. Depois, começaram os movimentos nacionalistas e a ópera foi sendo cantada no vernáculo de cada país. Isso chegou tardiamente ao Brasil. E como a gente tem a herança da colonização, os teatros têm aquele desejo de serem cópias do teatro europeu. Essa coisa do estrangeirismo e do idioma, com o passar da história, colocou a ópera em um outro tipo de acesso, com mais pessoas letradas, de poder aquisitivo maior, que poderiam comprar os ingressos para ir aos teatros”, explica Kettle.

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