Na Continente de novembro de 2007, edição #83, publicamos uma resenha do jornalista André Dib sobre o livro Abreu e Lima – General de Bolívar, que foi relançado, à época, pela Cepe Editora. Abaixo, reproduzimos esse material.
Abreu e Lima em foco
Num momento em que o general Abreu e Lima é lembrado em acordos políticos, a Cepe Editora reedita o livro Abreu e Lima: General de Bolívar, de Vamireh Chacon
TEXTO André Dib
A reedição da biografia do general José Ignácio de Abreu e Lima chega num momento em que sua importância se recontextualiza diante do atual panorama político e econômico na América do Sul. O presidente Hugo Chávez, principal responsável por esse retorno, guarda bons motivos para reavivá-lo na memória coletiva: pouco conhecido em seu país natal, Abreu e Lima é o único brasileiro entre os oficiais que lutaram para a vitória de Simón Bolívar contra a dominação espanhola.
A partir dessa exaltação de antigas lutas libertárias é possível entender por que, para Chávez aprovar a parceria entre a Petróleos de Venezuela S/A (PDVSA) e a Petrobras na construção da nova refinaria em território brasileiro, foi decisiva a escolha do nome e local. Quando soube que Pernambuco, terra natal de Abreu e Lima, estava entre os candidatos aptos a receber o projeto, virou questão de honra que essa nova colaboração entre países se chame Refinaria Abreu e Lima.
De forma que Abreu e Lima, sua trajetória e suas ideias, ganharam novo fôlego com o gigantesco empreendimento que leva seu nome. Orçada em US$ 4 bilhões, esta será a quinta maior refinaria do país. Seu porte e importância histórica – foi esperada por quase meio século – emprestam ao herói da América espanhola um prestígio que ele nunca teve em vida. Desde o lançamento de sua pedra fundamental, em 2005, Abreu e Lima esteve novamente no discurso de estadistas, intelectuais, jornalistas e até de cineastas: o documentarista baiano Geraldo Sarno está em plena produção de um filme sobre o general.
“Abreu e Lima já é nome de cidade ao norte de Recife, onde se travou um dos combates da Rebelião Praieira, e, ao sul da capital pernambucana, surge empreendimento industrial de repercussão internacional evocando sua participação bolivariana”, escreve o historiador e cientista político Vamireh Chacon, na apresentação à nova edição de Abreu e Lima: General de Bolívar, um cuidadoso projeto da Companhia Editora de Pernambuco.
Chacon, há mais de 30 anos professor titular do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília, é um dos maiores estudiosos da História do Brasil, tendo 23 livros publicados, entre eles História das Idéias Socialistas no Brasil, Vida e Morte das Constituições Brasileiras e História dos Partidos Brasileiros. Além de Abreu e Lima, dedicou-se a traçar biografias de Gilberto Freyre e Joaquim Nabuco.
O livro, escrito em 1983, ocasião do bicentenário de nascimento de Bolívar, é o mais completo e abrangente estudo sobre o general. Esta terceira edição, bilíngue (português e espanhol), revista, ampliada e ilustrada, ganha um capítulo a mais. Ele trata do período em que Abreu e Lima foi condenado à prisão perpétua em Fernando de Noronha, em 1848, junto com os demais ideólogos da Praieira. Lá, escreveu o que provavelmente é o primeiro tratado científico sobre o local, cujo aspecto descreve como “lúgubre e triste”.
Nascido em berço nobre no Recife de 1794, José Ignácio de Abreu e Lima teve uma vida de glórias e infâmias. Pagou o alto preço por defender convicções contrárias às do poder vigente, como a da igualdade social e a liberdade de culto religioso. “Hoje, sou o primeiro a confessar que vamos muito mal (...) O Brasil seria hoje tão importante como os Estados Unidos, se não fôssemos descendentes dos portugueses”, diz em carta endereçada ao General Paez, companheiro de campanhas bolivarianas.
Em 1817, graduado capitão de artilharia pela Real Academia Militar, cumpria pena na Fortaleza de São Pedro, na Bahia, quando foi obrigado a assistir ao fuzilamento do pai, o Padre Roma, por ordem do Vice-Rei Conde dos Arcos. “Uma mão de ferro me arrancava o coração; meu pranto e minha dor comoviam a todos os que se achavam presentes; era mister separar-me então para dar alívio às minhas lágrimas, e me conduziam a outra prisão, donde voltava depois a poder das minhas súplicas, até que foi forçoso arrancarem-me de seus braços para sempre”, descreve Abreu e Lima, na carta a Paez.
A partir de 1819 se uniu a Bolívar como jornalista, escrevendo para o periódico Correo Del Orinoco, e como estrategista, assumindo a frente de batalhas decisivas para a libertação popular do jugo espanhol. “Sem embargo, servi em Colômbia com os mais distintos chefes, e apesar de muitas intrigas de que fui vítima, adquiri a reputação de um chefe valente, ilustrado e muito fiel – acompanhei a Gran Colômbia até a sepultura! Então eu não tinha pátria, e fiz de Colômbia a minha pátria”, escreve a Paez.
Após a morte de Bolívar, Abreu e Lima retornou ao Brasil nomeado general de brigada. Ele via em D. Pedro I um novo Simón Bolívar, e acreditava que o melhor sistema político seria a monarquia constitucionalista, em vez do império absolutista que tomava conta do país. Suas ideias, no entanto, foram mal recebidas. Primeiro, pelos cariocas, por quem foi tido como “um aventureiro de Roma, disfarçado de general Lima, um atrevido, e um vil falador, aventureiro na Columbia, foragido, em uma situação pouco favorável” e ameaçado pelas palavras de Evaristo da Veiga: “por toda a parte seríeis apedrejado como um assassino; e um par de balas vazando-vos essa cabeça, vos daria melhor juízo”. Ao que respondeu Abreu e Lima: “sou um dos muitos, sou membro desse todo que desprezais a cada instante, e a quem tendes chamado vil canalha mais de uma vez, depois de tê-lo enganado para encher a vossa bolsa”. Quando voltou a morar no Recife, em 1941, fundou junto ao Partido da Praia os jornais Diário Novo e A Barca de São Pedro, instrumentos de protesto contra os exagerados privilégios da elite pernambucana. A polarização entre “praieiros” e “gabirus” terminou na mais sangrenta rebelião do Estado, em que seu irmão Luís Roma foi um dos assassinados.
Seus últimos anos foram marcados pelo aprendizado da medicina homeopática, mas principalmente por brigas e desentendimentos com autoridades católicas, como o monsenhor Pinto de Campos. Em defesa do ecumenismo religioso, publicou bíblias protestantes traduzidas do inglês, difamadas por seu opositor de “falsificadas” e “venenosas”. Quando Abreu e Lima morreu, em 1869, o bispo Dom Cardoso Ayres proibiu que seu corpo fosse enterrado em solo brasileiro. Obteve abrigo no Cemitério dos Ingleses, hoje bairro do Santo Amaro. Uma cruz celta marca o local onde jaz esse eterno estrangeiro. Em 1948, o deputado Paulo Cavalcanti propôs a transferência dos restos mortais de Abreu e Lima para o Cemitério do Santo Amaro, sem sucesso.
Meses atrás, alguns conflitos diplomáticos colocaram em risco a participação da Venezuela na construção da Refinaria Abreu e Lima. Apesar do ônus político e econômico, fica a contribuição daquele país, como mais uma retribuição aos serviços prestados por esse brasileiro aos países vizinhos. Uma tentativa de corrigir uma injustiça histórica para com esse personagem que, mesmo depois de morto, continua lutando para ser aceito entre os seus.