Adeus à musa Brigitte Bardot, que o Recife vaiou
Uma das mais maiores divas da cultura pop francesa, a atriz,cantora e ativista morreu aos 91 anos, neste domingo, em Saint-Tropez, na Riviera Francesa
TEXTO José Teles
28 de Dezembro de 2025
Brigitte Bardot em cena do filme "E Deus criou a mulher", de Roger Vadin, que a revelou para o mundo
Foto Divulgação
A atriz cantora e ativista pelos direitos dos animais Brigitte Bardot, cuja morte em Saint-Tropez, na Riviera Francesa, aos 91 anos, foi anunciada neste domingo (28), foi a estrela do cinema que o brasileiro mais idolatrou. Quando veio passar férias no Rio de Janeiro, na Praia de Búzio (então distrito de Cabo Frio), com o namorado Bob Zagury (marroquino-brasileiro), chegou a pedir um inusitado habeas corpus, para se ver livre do assédio da imprensa, nos dias em que esteve hospedada no apartamento da irmã do namorado, na Avenida Atlântica, em Copacabana. Ela encontrou o país em ebulição, caminhando para o golpe de 1964, mas seu prestígio era tão grande, que a imprensa colocou a política em segundo plano no noticiário. Policiais da tropa de choque da PM carioca permaneceram de plantão na entrada do edifício, enquanto a atriz permaneceu por lá.
Nascida em 1934, em Paris, Brigitte Bardot foi a atriz certa, na hora certa. Em 1962, o cinema francês retomava sua posição de linha de frente do cinema mundial, com o movimento que ganhou o nome de Nouvelle Vague (grosso modo, bossa nova), que rompeu com a narrativa dos filmes da época, e criou o cinema de autor, com diretores como Claude Chabrol, Claude Lelouch, Roger Vadim, François Truffaut e Jean-Luc Goddard, e atores que também fugiam a padrões de beleza, caso de Jean Paul Belmondo.

Brigitte Anne-Marie Bardot foi descoberta aos 15 anos, como bailarina, mas logo estaria nas telas. Aos 18 anos, casou com Roger Vadim. Foi a primeira grande estrela pop do cinema. Não tinha nada de diva. Protagonizou filmes comerciais e “difíceis”. Seu sucesso inaugural nas telas aconteceu com o E Deus criou a mulher (1956),de Roger Vadim. Daí em diante conquistou a França, depois o mundo. Tornou-se um símbolo sexual, de beleza extremamente fotogênica, tanto quanto polêmica. Em 1967, namorou o não menos polêmico cantor e compositor Serge Gainsburg. Ele compôs para a ela a controversa Je t’aime (moi non plus), que chegou a ser condenada pela Igreja Católica, e proibida, em 1969, no Brasil (na gravação de Gainsbourg e Jane Birkin, sua nova musa e mulher ). BB (como era popularmente chamada) gravou Je t’aime, com Serge Gainsbourg, mas optou por não lançá-la. Acredita-se que por causa do marido, o ricaço Gunter Sachs (sua versão só chegou às lojas em1986). A música consta de gemidos e sussurros emulando um coito carnal (espalhou-se que realmente acontecido no estúdio, que ficou na penumbra durante a sessão).
Ao longo dos anos 1960 e início dos 1970, Brigitte Bardot foi vista em filmes memoráveis e outros nem tanto. Interrompeu a carreira aos 39 anos. Viveu seus muitos anos semirreclusa, porém envelheceu muito mal. A mulher transgressora e revolucionária tornou-se reacionária, expressando abertamente suas ideias, entre as quais estava o preconceito contra a população árabe francesa.
MÚSICA
De voz pequena e sensual, Brigitte Bardot foi cantora popular na França, mas não tanto em outros países fora da Europa. Era apaixonada pela bossa nova. No Brasil, conheceu os principais autores: Tom Jobim Vinicius de Moraes, Carlos Lyra, Roberto Menescal. De suas versões de sucessos da bossa nova a mais conhecida foi Maria Ninguém, de Carlos Lyra, gravada, em 1964, em Paris, na qual foi acompanhada por uma orquestra e Baden Powell ao violão (ele morava na França).
Se ela adorava a música brasileira, a recíproca era verdadeira para os compositores daqui. BB inspirou pelo menos duas dezenas de músicas, feitas por nomes como Haroldo Lobo, Juca Chaves, Zeca Baleiro, Tom Zé, Luiz Wanderley, ou Miguel Gustavo. Este último, autor da marchinha Brigitte Bardot, que, depois da vinda de BB, ao Brasil, estourou na Europa e foi regravada em vários idiomas, inclusive o polonês. Brigitte entrou involuntariamente do tropicalismo. Está na letra de Alegria alegria, de Caetano Veloso (que também cita a atriz italiana Claudia Cardinale): “Em caras de presidentes/ Em grandes beijos de amor// Em dentes, pernas, bandeiras/ Bomba e Brigitte Bardot”.
Por pouco, não figura no álbum Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets (1972). A faixa Balada do louco (Rita Lee/Arnaldo Baptista) originalmente seria Balada da louca. A letra que está no do disco traz os versos “Se eles são bonitos/sou Alain Delon”. /Se eles são famosos/sou Napoleão”. Na versão feminina: “Se elas são bonitas/ sou Brigitte Bardot / Se elas são famosas, sou Luz del Fuegô”, com o acento no “o” pra rimar.
NO RECIFE
Até início dos anos 1970, o Recife era uma espécie de entreposto visitado por celebridades que vinham ao Brasil com destino ao Sudeste. A autonomia dos vôos era a capital pernambucana, onde parava para reabastecer. Os jornais mantinham repórteres de plantão no aeroporto. As companhias aéreas informavam a lista de passageiros. Na lista da Varig, do seu vôo Paris-Rio, que chegaria em 7 de janeiro de 1964, constava o nome de Brigitte Bardot. O avião pousaria no aeroporto dos Guararapes para reabastecer. Boa parte dos famosos desciam e passeava pelo saguão para esticar as pernas. Como aconteceu com a atriz Gina Lollobrígida, quase tão famosa quanto Brigitte.
Muitos fãs e curiosos dirigiram-se ao aeroporto à noite, com a intenção de ver a atriz mais famosa do mundo em carne e osso. O avião aterrissou, sob uma ovação, assovios e palmas. Ficaram esperando BB descer, mas nada. O tempo passando, e cadê BB? O jornalista Alex Alencar, do Jornal do Commercio, titular da coluna social mais lida de Pernambuco, conseguiu emprestado um uniforme de comissário da Varig, com o qual teve acesso ao avião. Ele contou que Brigitte estava dormindo, descabelada, e se surpreendeu por ela ser muito baixinha. Não se atreveu a acordá-la.
Enquanto isso no saguão, o pessoal começava a se inquietar. Passaram a bradar o nome da diva francesa. Em vão. Decepcionados viram o avião taxiar, posicionar-se na pista para levantar vôo. Quando o Constellation subiu, ouviu-se pelo saguão uma tremenda vaia, além de palavrões, dirigidas a BB.