O maior vendedor da Feira de Caruaru
Na pisada do forró de Onildo Almeida
TEXTO José Teles
01 de Abril de 2024
FOTO Divulgação
O caruaruense Onildo Almeida, 96 anos em 2024, decano dos compositores da MPB, é um dos mais prolíficos fornecedores de clássicos da música junina, e um dos principais do forró. No entanto, o marco inicial de sua obra, em disco, deu-se no Carnaval. Em 1954, Gilberto Fernandes, na época um dos cantores mais populares do estado, gravou Linda espanhola, um pasodoble de Onildo, lançado pelo selo Harpa, do também compositor Genival Macedo (autor do clássico Micróbio do frevo). Linda espanhola foi a campeã do Carnaval de 1955 em Pernambuco. O próprio Onildo Almeida poderia tê-la cantado, pois integrava um quarteto vocal, Os Vocalistas Tropicais, com Luiz Queiroga, Inácio Bezerra e Paulo Soares: “Era um tempo em que existiam muitos conjuntos vocais, Quatro Ases e Um Coringa, Namorados da Lua, a gente escutava o que eles faziam lá e passava pra cá”, conta Onildo, que passou a ser assediado por intérpretes lhe pedindo músicas.
Na casa ampla e confortável em que mora com a mulher em Caruaru, duas salas de estar são usadas como museu pessoal do compositor. Estão lá muitas fotos, instrumentos musicais, livros, discos, comendas, letras manuscritas em molduras. Uma delas, ele faz questão de mostrar e contar sua história. Quando o iê-iê-iê passou a predominar no rádio e na TV, Luiz Gonzaga passou a ser pouco requisitado no Sudeste e deu prioridade ao Nordeste, onde seu reinado perdurava.
Partindo do Recife, ele colocava os instrumentos em cima da Rural e rumava para o interior com os músicos (numa dessas viagens, com Anastácia e Dominguinhos). Era seu próprio empresário. Chegava numa cidade, alugava o cinema para fazer o show ou um circo que por acaso estivesse por lá, e fazia suas apresentações, sempre de casa cheia.
Em 1967, no auge do iê-iê-iê, Gonzagão, com 55 anos, um ancião para os padrões de então, decidiu encerrar a carreira. Fez uma visita a Onildo Almeida para lhe pedir uma música para se despedir dos fãs. “Me lembro como se fosse hoje. Eu disse que aquilo não era nem pra se pensar. Ele não poderia parar, porque era um patrimônio do povo brasileiro. Mas não quis conversa. ‘Quando eu voltar, eu quero minha música’, insistiu”. Onildo não pensou em atender o pedido de Luiz Gonzaga, mas contou o episódio numa conversa com Luiz Queiroga. Pai de Lula, de Nena, de Lucky e de Tostão, todos da música, Luiz Queiroga foi redator de textos de humor, compositor, radialista (faleceu precocemente, aos 48 anos, em 1978).
Onildo Almeida viajou pro Rio e lá se encontrou com uma turma de pernambucanos. Foram a um restaurante. Em dado momento, Luiz Queiroga estendeu um papel para Onildo Almeida onde estavam escrito os versos: “O meu cabelo já começa prateando/ mas a sanfona ainda não desafinou/ a minha voz, você arrepare eu cantando/ é a mesma desde quando meu reinado começou”. Olhou em torno e disse que agora eles veriam um cabra bom de letra: “Aí eu peguei o papel, era de uma embalagem da Mesbla, e completei”, relembra Onildo. O pessoal já com vários uísques e cervejas na cabeça fez a maior algazarra. Luiz Jacinto (do personagem Coroné Ludugero) agarrou Onildo e o levantou, tanto ímpeto que ele bateu com a cabeça numa luminária que se espatifou. A letra dessa música, A hora do adeus, está emoldurada na parede do “museu” de Onildo.
Eis que reaparece Luiz Gonzaga, já perguntando se a música estava pronta: “Eu disse que sim, e levei Gonzaga até a rádio. Toquei o acetato e ele escutou calado até o fim. Quando terminou, os olhos estavam cheios de água. Ele gravou, e a música não aconteceu. Nunca entendi o motivo”. A parceria Onildo e Luiz Queiroga renderia um bom dinheiro, quando um trecho foi cantado por Caetano Veloso no álbum Transa, de 1972.
DO COMÉRCIO À MÚSICA
Nascido em 12 de agosto de 1928, filho de Flora Camila de Almeida, de prendas domésticas, e de José Francisco de Almeida, comerciante, Onildo Almeida cresceu em meio a muita música. O pai tocava violino, bandolim e violão. “Em Caruaru, tinha um conjunto formado por pessoas importantes da sociedade. Meu pai, alto comerciante, era uma dessas, e tocava no conjunto. Ele trabalhava muito durante a semana, mas no domingo era sagrado: música o dia inteiro. Tinha uma radiola enorme, a gente passava o dia ouvindo música, acompanhando o gosto dele. Minhas três irmãs estudaram piano”, recorda.
Francisco Pessoa de Queiroz, ou F. Pessoa de Queiroz, um dos “capitalistas” (como então se dizia) mais poderosos do Nordeste, inaugurou, em 1948, a Rádio Jornal do Commercio. Quando decidiu fundar uma emissora no Recife, ele não poupou despesas. As instalações foram calcadas nas da BBC de Londres, da qual adquiriu os transmissores potentíssimos, usados durante a Segunda Guerra Mundial para disseminar propaganda aliada mundo afora. Vem deles o slogan da rádio dos Pessoa de Queiroz, injusto motivo de gozação no país, “Pernambuco falando para o mundo”. Nos primeiros anos da década de 1950, ele instalou, no agreste pernambucano, emissoras em Garanhuns, Caruaru, Pesqueira e Limoeiro. A Rádio Difusora de Caruaru foi fundada em 6 de setembro de 1951. Onildo Almeida teve a primeira carteira profissional assinada da emissora: “Dentro de pouco tempo, passei a ter nove funções na rádio. Fazia tudo. Comprei os horários para dois programas de auditório, revendia a publicidade. Fiz um vesperal na quinta-feira, falavam que não ia dar público em dia de semana, mas lotava. O do domingo era apresentado pelo meu irmão, Zé Almeida”, rememora.
“Quando deixei a Difusora, abri uma loja de discos, a Cantinho da Música, vendia também artigos para presente, alguma coisa de eletrodomésticos. De discos, era a única que Caruaru possuía na época”. Aos poucos, Onildo foi tomando gosto pela música, tanto como compositor quanto como intérprete: “Aconteceu tudo meio de improviso. Eu não era cantor definido. Tapava buraco, substituindo cantor que faltava. E assim a gente vai se envolvendo, e aprendendo. Me tornei cantor, compositor, dono de rádio”. Em setembro de 1961, a notinha no Diario de Pernambuco divulga o negócio: “O conhecido compositor Onildo Almeida, e seu mano, José Almeida, assumiram o comando da Rádio da Cultura do Nordeste, onde pretendem imprimir um ritmo de trabalho sério para torná-la uma força na vida radiofônica do interior do Nordeste”. Começava para valer o desvio de percurso, que se daria definitivamente em 1956.
A FEIRA
– Senhora, quanto custa este capão?
– O menor é três mil réis pra vomincê
– Não baixa mais? Assim não quero mais não
– Entonce também deixo de vendê
– Meu sinhô, qual o preço do feijão?
– Cada litro custa só deztão
– Vige, que horrô! E o preço da farinha?
– Também né grande coisa, sinhá Doninha.
O trecho acima é de um poema, de versos livres, de J. Alcides Ferreira, publicado na revista recifense Rua Nova, em 1926, dois anos antes de Onildo Almeida nascer. O título é o mesmo da mais famosa de suas composições, A Feira de Caruaru, aberto com os versos: “Dia de sol, calor e poeira/ de toda parte/ chega gente à feira”. Dos poucos que rimam no poema. Outras cidades poderiam ter feira maior, mas nenhuma com o carisma da Feira de Caruaru.
Assim como Garota de Ipanema disseminou o então pacato bairro carioca mundo afora, o baião A Feira de Caruaru levou o nome da cidade para o Brasil e a muitos países, e tornou sua feira livre um ponto turístico. Onildo Almeida ia à feira desde criança, acompanhando a mãe ou o pai, o que continuou pela vida adulta. Contam que, durante a pandemia, no período mais rígido do isolamento social, ele dava uma fugida, e ia até a feira para desparecer.
Ele foi anotando os itens que via nas tendas e que poderia incluir na letra de uma música. Enquanto trabalhava na Rádio Difusora, foi escrevinhando. Num domingo, produzia o programa Expresso da Alegria. Já havia criado a música, a introdução, e continuava dando uns retoques na longa letra, com todos os versos terminando em u. Nisso, um rapaz contratado para apresentar o programa, Amélio Cabral (que adotou o nome de Rui Cabral, marcando época no rádio e na TV da capital), perguntou a Onildo o que ele fazia. Ele respondeu que mexia numa música nova. Cabral pediu que ele cantasse um pouco e disse a Onildo: “Você vai mostrar essa música no programa”. O autor da música disse que não cantaria, porque não estava concluída. “Quando o programa estava perto do fim, Cabral anuncia meu nome ao auditório. Fui até os músicos do conjunto de Zé Gomes, que depois virou maestro no Recife. Mostrei a introdução, ele tirou na sanfona, e aí eu disse que se virassem para me acompanhar”. Foi assim que um dos mais importantes clássicos da música nordestina estreou no “éter”.
Onildo foi ao Recife oferecer A Feira de Caruaru aos cantores da cidade. Então com três emissoras – Rádio Clube de Pernambuco, Rádio Tamandaré e Rádio Jornal do Commercio –, a capital era farta em cantores, cantoras, conjuntos vocais, mas ninguém topou gravar aquele baião. O citado Genival Macedo foi, até a década de 1960, um dos nomes mais atuantes da música pernambucana. Representante da Copacabana Discos, ele abriu seu próprio selo, o Harpa, um dos primeiros independentes do país. Foi também compositor inspirado, e com faro aguçado para o sucesso. Onildo revela que queria entregar a música a Jackson do Pandeiro, que já estava morando no Rio de Janeiro. “Passamos uma semana no Recife atrás de um cantor, e nada. Fui encontrar Genival Macedo numa loja em que ele era diretor, na Rua Nova. Contei a situação, toquei a música pra ele, que me perguntou: ‘Neste disco quem está cantando?’. Era eu mesmo, gravei num acetato com músicos de Caruaru, na Rádio Difusora. Ele falou: ‘Por que você não me disse?’. Eu falei: ‘Você tá perguntando isso agora’. Ele falou: ‘É você quem vai gravar’. Eu retruquei que não cantava baião, que meu gênero era música romântica. Ele disse que, como estava, daria pra vender. Gravei na Rozenblit, com um conjunto daqui de Caruaru, e uns músicos do Recife. Um estouro. Vendeu tudo. Em 15 dias, foram três mil e poucas cópias. No fim do ano, vendemos nove mil e tantos discos”, conta Onildo.
A Feira de Caruaru determinaria a carreira de Onildo Almeida como compositor. Apesar do sucesso de Linda espanhola, ele ainda compunha por diletantismo. Cantava suas músicas em festas, concorria aos concursos em Caruaru ou no Recife. Em 1956, por exemplo, disputou o concurso de música carnavalesca de Caruaru, e ficou em terceiro lugar, com Zé da Tuba. Porém, aos poucos ia extrapolando os limites de Caruaru. Em janeiro de 1957, uma foto dele foi estampada no jornal carioca Correio da Manhã, na coluna Discoteca, assinada por um dos mais importantes críticos musicais de então, Claribalte Passos, também compositor de obra considerável. Talvez o destaque que deu a um compositor e cantor ainda pouco conhecido até mesmo no seu estado tenha sido pelo fato de que Passos era também caruaruense.
Caruaru era uma das cidades obrigatórias no roteiro de shows de Lua, quando ele empreendia uma excursão por Pernambuco. Naquela de 1957, foi diferente. Festejava-se o centenário mais badalado de uma cidade nordestina. Que município do interior do Nordeste completou cem anos e recebeu uma caravana formada por escritores renomados? Entre outros, Jorge Amado, Lygia Fagundes Telles, os caruaruenses Austregésilo de Athayde, Álvaro Lins e Limeira Tejo, arregimentados pelos irmãos Condé, Elísio, João e José, também nascidos em Caruaru, e muito bem relacionados nos meios literários do Sudeste. José Condé quase convenceu o arredio Carlos Drummond de Andrade a ir a Caruaru. O poeta impôs como condição não dar entrevistas, nem participar de palestras ou mesas-redondas. Como seria quase impossível evitá-las, desistiu.
Mas foi Luiz Gonzaga quem abriu as comemorações do centenário, na madrugada de 1º de janeiro, no palco da tradicional Festa do Comércio. Voltaria a se apresentar nos dias 2 e 3 de janeiro. Seu Luiz foi participar de um programa na Rádio Difusora. Zé Almeida tocou o baião do irmão para ele. Luiz Gonzaga pediu, de imediato, para conhecer o autor. Zé o levou até Onildo, que estava ali ao lado, trabalhando na técnica. Lua, com aquele jeito afobado dele, disse: “Como é que você tem um negócio desse e não me amostra?” Onildo respondeu que a música estava nas mãos dele. Gonzagão disse que após o programa conversariam. Pediu permissão para gravar A Feira de Caruaru e encomendou uma música para o centenário da cidade. Onildo compôs Capital do Agreste, que entrou como lado B do 78 rotações, do que seria o novo sucesso do Rei do Baião. Em Capital do Agreste ele tem como parceiro Nelson Barbalho, escritor memorialista de Caruaru. Nome sugerido a Onildo por Luiz Gonzaga, para dar uma força a Barbalho, que tinha livros prontos, mas inéditos.
Desde o início dos anos 1950, Luiz Gonzaga era o artista da música que mais vendia discos no Brasil. A Feira de Caruaru seria o maior sucesso de sua carreira naquela década. Vendeu 100 mil cópias, superando até Asa Branca. Fez mais para propagar o nome da cidade país afora do que qualquer campanha institucional: “Pessoas que visitam a Europa me telefonam e dizem que estão na França escutando a Feira de Caruaru”, jacta-se Onildo, sem falsa modéstia, e coberto de razão. Uma estátua dele já adorna a feira que se tornou famosa no mundo, com cerca de quatro dezenas de versões da música nos mais diversos países, inclusive no Japão. Num portal na entrada da feira lê-se: “Bem-vindos à Feira de Caruaru Onildo Almeida – Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro”.
TRADUZINDO
Passados quase 70 anos do lançamento, a grande maioria das pessoas não tem ideia do que sejam alguns produtos citados na letra de A Feira de Caruaru. Possivelmente foi o exotismo desses itens, junto à melodia engenhosa, que atraiu a atenção para a música. Com o passar do tempo muitos termos usados na letra precisam de “tradução”. É o caso de “cuei tatu”, na segunda estrofe, que se trata de “caititu”, peça do equipamento que rala a mandioca na casa de farinha. “Acuvitero”, é candeeiro. Onde não havia ou faltava luz elétrica, para os casais de namorados não ficarem no escuro, entre os dois colocava-se, estrategicamente, um candeeiro, o “alcoviteiro”; no popular: “acuvitero”. Já a “carça de arvorada”, refere-se a um brim muito resistente da marca Alvorada. Na quarta estrofe tem o “sorvete de raspa que faz jaú”. Era um sorvete servido nas mãos do comprador. E tinha que consumir rápido, pra não derreter.
Apesar de essa letra incluir “trens” pra encher vários balaios, caruaruenses passaram a abordar Onildo Almeida lembrando comidas ou objetos que ele deveria ter incluído em A Feira de Caruaru. Até que um dia o compositor escreveu A Feira de Caruaru nº 2, também um baião. Gravada por Marinês em 1965, a sequência da Feira de Caruaru não emplacou nas paradas: “Posso fazer mais dez, e só vão conhecer a primeira”, diz Onildo. Onildo Almeida gravou a Feira nº 2, na Rozenblit, também sem repercussão.
SÃO JOÃO
Onildo Almeida, quando criança, assistia encantado as festas das apanhadeiras de café na fazenda do pai, uma tarefa realizada por mulheres, que entoavam uma espécie de canto de trabalho. Colhiam o café cantando: “As marchinhas de roda que eu fiz, gravei com Marinês. Quase todas elas têm motivos que vêm da festa da apanha do café. Meu pai dava uma festa muito grande. Tinha umas cem apanhadeiras de café, o sitio era muito grande, era forró o dia todo, comida e bebida. Marinheiro, marinheiro, por exemplo, era uma cantiga popular que já existia. Elas faziam uma roda, cantavam o refrão, e tiravam versos improvisando. Eu escutava aquilo ali, e ia guardando, aprendi muita coisa. Tirei proveito disso. Depois, foram se esgotando, eu fui fabricando algumas também”, conta o compositor.
Nas cidades grandes, antes de Luiz Gonzaga, no São João, tocavam marchinhas juninas portuguesas, abrasileiradas por autores do Sudeste. No interior, dançavam o coco, a mazurca, os toques dos ternos de pífanos. Quando Luiz Gonzaga fez sucesso com a estilização de diversos ritmos nordestinos, o São João se modificou. Deixou de ser uma tradição religiosa para virar uma festa pop, não mais uma reverência aos três santos, João, Antônio e Pedro. Privilegiou-se São João. Da tradição lusitana, permaneceu a queima da fogueira.
MARINÊS
Mais importante nome feminino do forró, Marinês gravou mais músicas de Onildo Almeida do que Luiz Gonzaga, a quem o compositor é mais associado. Ela passou a ser a principal intérprete de Onildo devido a um desentendimento entre o compositor e o Rei do Baião. Depois do estrondoso sucesso de A Feira de Caruaru, quando Lua voltou a Caruaru, o compositor entregou-lhe uma fita com meia dúzia de canções: “Ele colocou numa pasta e não disse nada. Pouco tempo depois, vem novamente à cidade. Eu perguntei se Gonzaga gostou das músicas. E ele me diz: ‘Que músicas?’. Eu simplesmente fui embora, dizendo a mim mesmo que ele nunca mais gravaria nada meu”.
Algum tempo mais tarde passou a fornecedor de Marinês, que gravou 29 canções dele, a primeira delas em 1959. A partir de 1960, Marinês disputava com Luiz Gonzaga o mercado nordestino do forró, abastecida por um pernambucano, Onildo Almeida, e um paraibano, Antônio Barros. Em 1962, o LP Marinês, outra vez foi o disco de forró mais vendido no Nordeste, cravando pelo menos meia dúzia de clássicos. Siriri sirirá, Beija-flor e Toada da saudade foram as contribuições de Onildo Almeida ao disco. Não por acaso, foi nesse ano que Luiz Gonzaga se reaproximou de Onildo Almeida. Quase todas as composições que Luiz Gonzaga desdenhou foram sucesso com Marinês, Povo bravo, Carestia, Marinheiro, marinheiro, e as citadas Siriri sirirá e Beija-flor.
Assim de repente, Luiz Gonzaga foi até a Rádio Cultura. Viu Onildo Almeida e perguntou se tinha música pra ele. “Tenho nada”, respondeu o compositor. Seu Luiz contemporizou, brincou que Onildo estava se fazendo de difícil, e disse que soube que fizera um baião para o sanfoneiro Zé Tatu. “Fiz pra ele, não pra tu”, retorquiu Onildo. Gonzagão pediu para escutar. Onildo tocou o acetato. Seu Luiz perguntou se podia gravar. Recebeu um sim, e reataram a amizade. O próximo LP de Luiz Gonzaga Ô véio macho (1962), um dos melhores discos de sua vasta obra, volta a ter música de Onildo Almeida.
Ceder parceria era uma prática comum na música brasileira. Porém, das músicas que Luiz Gonzaga gravou de Onildo Almeida, em apenas duas eles são parceiros: É sem querer (1974) e Lá vai pitomba (1980), esta cujo título foi sugerido por Lua como mote para este forró que tem o futebol por tema. Queimando lenha, de Forró de cabo a rabo (1986), foi a última composição de Onildo Almeida gravada por Luiz Gonzaga.
O CRONISTA DO NORDESTE
Assim como quase todos os compositores em atividade nos anos 1950, Onildo Almeida foi arrebatado pelo baião. A música de Luiz Gonzaga bateu forte no Nordeste, onde estavam fincadas suas raízes. Quando ele estilizou e definiu o que passou a se chamar de música nordestina, compositores da região assimilaram sua invenção. Foi como se Gonzaga tivesse semeado para depois colher os frutos, através de compositores, uns maiores, outros menores, mas todos cantando a sua terra, identificados com a região. Em Pernambuco, descobriu autores que, provavelmente, não fosse ele, teriam morrido sem gravar. Dois bons exemplos foram o recatado Nelson Valença, que residia em Pesqueira, e José Marcolino, de Monteiro, nos confins da Paraíba.
Cada um desses trazia sua visão do Nordeste para a obra de Luiz Gonzaga e de outros intérpretes. Para Marinês, Onildo Almeida compôs uma música que deixa qualquer nordestino de água na boca: “Feijão de corda com carne de sol/ manteiga de garrafa e farinha quebradinha/ a gente come tanto chega se lambuza/ Come, come e não abusa na nossa terrinha”, versos iniciais do xaxado Carne de sol, lançada por ela em 1965. Porém, Onildo foi um dos maiores autores de canções direcionadas à mais popular festa do Nordeste, e, neste caso, ele estendia sua rede de intérpretes para os trios de forró, sobretudo o Trio Nordestino e os Três do Nordeste. Suas marchinhas juninas estavam sempre presentes no Pau de Sebo, série produzida por Abdias, marido de Marinês, para a CBS. O disco ditava os sucessos no São João. Na edição inaugural há três composições de Onildo Almeida, duas com Marinês, uma com o Coroné Ludugero.
Durante a conversa com o repórter, faz uma análise sobre o forró: “Forró? Que música é essa? É xote, xaxado, baião, arrasta-pé, e isso tudo virou música junina, é tudo forró. Este nome, forró, sintetizou todas as músicas da região em um só nome. Qualé a música do Nordeste, lá fora? É o forró. A música brasileira em muitos países é forró, nem é mais o samba, que ficou superado, ou pelo menos deveria. O Nordeste é muito grande, envolve nove estados, e a música desses estados é o forró. Entre outros compositores que fizeram forró, eu sou o único que estou vivo, fazendo a minha música”.
CARUARUENSE
Dos seus 96 anos, Onildo Almeida passou apenas dois fora de Caruaru e, mesmo assim, um afastamento circunstancial. O pai tinha mais do que o suficiente para sustentar os filhos, mas queria que estudassem: “Tive oportunidade de me formar, mas não me interessei. Meu pai fez pressão, e eu saí de casa. Fui morar no Recife, na casa de um tio”. Era Antônio Estanislau, sargento do exército e também músico, trompetista, que morou em Caruaru e convidou o sobrinho Onildo para cantar na Jazz Band Acadêmica, no Carnaval, no Clube Português. Se saiu bem no grupo, mas voltou para Caruaru, de onde só saiu a trabalho. Nos anos 1970, Onildo viajou bastante para o Rio e para São Paulo, acompanhando a banda de pífanos. Foi produtor dos primeiros discos do grupo da família Biano e participava das apresentações, sempre de casa cheia.
A caminho dos cem anos, Onildo Almeida ostenta vitalidade e memória invejáveis. Admira o forró do passado, mas admite as mudanças acontecidas no forró e no São João: “Tudo se transforma, tudo se moderniza, acho que está tudo bem. Se o arrasta-pé tivesse ficado apenas na zona rural, o forró não teria acontecido. A grande força para o forró veio através dos jovens, que cantam o forró deles, como eles vêm o forró. Para a nossa música, é importante que divulguem da maneira que for. Quem quiser saber como era o original que ouça os antigos”.
JOSÉ TELES, jornalista e escritor, autor de Soparia: de boteco a palco de todos os sons (Cepe Editora)
Conheça os pontos de venda aqui.