Morre o lendário Quincy Jones
Produtor musical norte-americano, responsável por "Thriller", de Michael Jackson, e indicado 79 vezes ao Grammy, faleceu, no domingo (3), em Los Angeles, de causa ainda desconhecida
04 de Novembro de 2024
Quincy Jones, em estúdio, em 1980
Foto UCLA
“Esta noite, com corações cheios, mas partidos, devemos compartilhar a notícia do falecimento de nosso pai e irmão Quincy Jones”, informou, em um comunicado, a família do produtor musical, instrumentista e compositor norte-americano, que faleceu, no domingo (3), em sua casa em Bel Air, Los Angeles, cercado por familiares. “E embora esta seja uma perda inacreditável para nossa família, celebramos a grande vida que ele viveu e sabemos que nunca haverá outro como ele.”
A última frase do comunicado não poderia estar mais correta. Nunca houve e provavelmente nunca haverá alguém como Quincy Jones. Dizer que ele foi o produtor musical responsável pelos principais álbuns da carreira solo de Michael Jackson, Off the Wall (1979), Thriller (1982) e Bad (1987), sendo o segundo o disco mais vendido da história, já bastaria. No entanto, a sua trajetória foi muito maior que esses feitos. O impacto de seu trabalho alcançou a cultura contemporânea, em muitas áreas, como a música, o cinema e a TV, sem esquecer que muitas de suas ideias e iniciativas visaram o empoderamento dos negros.
Nascido em Chicago (Illinois), em 14 de março de 1933, Quincy Delight Jones Jr aprender trompete ainda criança. Quando tinha 10 anos, sua família se mudou para Bremerton, Washington, onde ele conheceu Ray Charles. Juntos, os amigos passaram a tocar em casamentos e em clubes de jazz. Em 1951, aos 18 anos, Jones conseguiu uma bolsa de estudos para a Schillinger House (hoje a Berklee College of Music), em Boston.
No entanto, abandonou os estudos após receber uma oferta para viajar a trabalho com o bandleader Lionel Hampton. Nesse período, já demonstrava o talento para arranjar canções. Em Nova York, recebeu pedidos para criar arranjos nos discos de artistas como Sarah Vaughan, Count Basie, Duke Ellington, Gene Krupa e Ray Charles. Nos anos 1960, foi arranjador de Miles Davis, Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Peggy Lee e Dinah Washington.
Em 1956, passou a atuar como trompetista e diretor musical da Dizzy Gillespie Band, em uma turnê pelo Oriente Médio e América do Sul. Foi quando conheceu o Brasil - em 1962, lançaria o disco Big Band Bossa Nova, com várias músicas da "The newest latin america rhythm", com versões de sucessos como Desafinado, Chega de Saudade, Manhã de Carnaval, entre outros. No retorno, ganhou um contrato da ABC Paramount Records e iniciou sua carreira de gravações como líder de sua própria banda. Em 1957, Jones se mudou para Paris, França, onde há muitos aficionados por jazz. Estudou composição musical e teoria com Nadia Boulanger e Olivier Messiaen. Foi diretor musical na Barclay Disques, o distribuidor francês da Mercury Records. Durante os anos 1950, viajou pela Europa com orquestras de jazz, formou sua própria big band e organizou uma turnê pela América do Norte e Europa. Com o desastre financeiro desta, Irving Green, chefe da Mercury Records, o trouxe de volta aos Estados Unidos e ofereceu uma vaga como diretor musical da divisão da companhia em Nova York.
Em 1964, Quincy Jones se tornou o primeiro afro-americano a ocupar o cargo de vice-presidente de uma grande gravadora. Naquele ano, compôs, a convite do diretor Sidney Lumet, para O Homem do Prego (The Pawnbroker, 1964), a primeira de suas 33 trilhas sonoras - o novo trabalho o fez rescindir o contrato com a Mercury Records e se mudar para Los Angeles.
Algumas de suas trilhas foram feitas para filmes como, A sangue frio (1967), No calor da noite (1967) e A cor púrpura (1985), do qual era produtor executivo. Para o elenco do filme dirigido por Steven Spielberg, Quincy Jones fez algumas sugestões, como indicar Tina Turner para integrar o elenco. “Inicialmente, tive a ideia de escalá-la como Shug Avery em A cor púrpura, mas depois que Steven e eu descrevemos o papel para ela, ela nos disse que tinha vivido isso e nunca seria submetida a tal violência no futuro. Ela então fez Mad Max”, e eu a respeitei ainda mais desde então”, escreveu, quando foi noticiada a morte da cantora, em maio de 2023. O produtor convidou Oprah Winfrey para interpretar Sofia. O papel projetou o nome da atriz e apresentadora.
Quincy Jones também compôs para televisão, incluindo os shows Ironside, Sanford and Son e The Cosby Show, assim como a música-tema de The New Bill Cosby Show chamada Chump Change, que mais tarde foi usada como tema do show de jogos de Mark Goodson-Bill Todman chamado Now You See It. Na TV, ainda foi produtor da série Um Maluco no Pedaço, que lançou Will Smith ao estrelato.
Nos anos 1980, além de ter produzido o álbum mais vendido da história da música, Thriller, Jones também produziu o single mais vendido de 1985, We Are the World. Na histórica noite de 28 de janeiro daquele ano, foi feita a gravação. Na entrada do estúdio, uma frase e aviso de Quincy Jones demonstrava um pouco de sua personalidade: “Deixe o seu ego na porta”. A ideia do produtor para a iniciativa solidária do ator e ativista Harry Belafonte era uma gravação socializada, com todos os grandes artistas da música pop juntos, sem estrelismos.
Fã da música brasileira, chegou a convidar Ivan Lins para colocar uma música sua no disco Thriller. Com uma porcentagem pequena, o brasileiro não aceitou. Não sabia que o disco se tornaria o mais vendido de todos os tempos, com estimativa entre 70 milhões e 120 milhões de cópias vendidas. Jones ainda ganhou um Grammy por uma versão da música Velas, de Ivan Lins. Em 1982, o álbum The Dude, do produtor musical, contava com a canção de Ivan Lins e Vitor Martins. A produção rendeu seis indicações e quatro prêmios Grammy. Fã da cantora Simone, o artista convidou a brasileira para participar de duas edições do tradicional Montreux Jazz Festival. "Simone é demais, eu simplesmente a adoro. Ela vai fundo, penetra na alma", declarou Jones em uma entrevista em 1994. Em 2006, desfilou na Sapucaí no alto de um carro alegórico, em defesa do enredo Brasil, marca a tua cara e mostra para o mundo, da Portela.
Em seu Instagram, Milton Nascimento lamentou a morte do artista. "Hoje amanheci com a triste notícia da partida do meu grande e amado amigo, Quincy Jones. Quincy foi um grande admirador e disseminador da música brasileira pelo mundo, e produziu muitos dos discos mais emblemáticos e importantes da história da indústria musical. Há um tempo, ele me ligou por videochamada, e matamos um pouco da saudade, que, agora, será eterna. Descanse em paz, querido irmão."
Em seu Instagram, Carlinhos Brown também homenageou o produtor: "Ontem nos deixou uma sumidade, Quincy Jones. Em nosso encontro na Bahia, eu o considerei um professor da Pracatum, e ele chorando - emocionado - dizia que não, pois o movimento musical dele não tinha feito nem a metade por nós. Em seguida, eu disse, 'O senhor está enganado. Tudo que você promoveu com Michael Jackson, Paulinho da Costa e grandes homens iluminados, nos trouxe a aula do interesse.' Somos tudo isso por causa deste gênio também. Peguei uma guitarra que James Brown assinou para mim e o apresentei. Quincy, tomado pela emoção e convicto, desmarcou todo o seu compromisso e passou todo o dia junto conosco no estúdio, na escola e – emocionado, por fim - dormiu no bairro do Candeal. Isso é inesquecível. Isso é uma história”.
“A música era a única que eu podia controlar", disse Jones, em sua autobiografia. “Era o único mundo que me oferecia liberdade. Eu não tinha que procurar por respostas. As respostas não estavam além do sino da minha trombeta e minhas partituras riscadas a lápis. A música me fez completo, forte, popular, autoconfiante e legal”, afirmou o artista que criou 53 discos e foi indicado 79 vezes ao Grammy, vencendo 28 delas.
Assista, abaixo, trailer do documentário Quincy (2000), dirigido por Rashida Jones e Alan Hicks: