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Morre o professor e músico Carlos Sandroni

Um dos maiores especialistas em etnomusicologia do país, musicista, escritor, compositor, pesquisador e professor carioca radicado no Recife há mais de duas décadas, faleceu nesta terça-feira (28), aos 67 anos, em decorrência de um câncer

28 de Outubro de 2025

Foto Divulgação

Um dos maiores pesquisadores da música brasileira, o musicista, escritor, compositor, etnomusicologista e professor Carlos Sandroni faleceu, nesta terça-feira (28), no Rio de Janeiro, em decorrência de um câncer.

De ascendência italiana por parte de pai, era filho do jornalista e escritor da Academia Brasileira de Letras Cícero Sandroni, falecido em junho deste ano, e da cantora Laura Austregésilo (filha de Austregésilo Augusto de Athayde), além de ser irmão da cantora Clara Sandroni. 

Carlos Sandroni era formado em Sociologia pela PUC-Rio (1981), mestre em Ciência Política pelo IUPERJ (1987) e doutor em Musicologia pela Universidade de Tours, França (1997). Atuou como professor-visitante na Universidade do Texas, em Austin, e na Universidade de Indiana em Bloomington (EUA), e como pesquisador-visitante no Centro de Pesquisas em Etnomusicologia e na EHESS (Paris, França).

Professor-titular de Etnomusicologia no Departamento de Música, no Centro de Artes e Comunicação (CAC) da UFPE, foi fundador do Núcleo de Etnomusicologia da UFPE (1999) e do mestrado no Programa de Pós-graduação em Música da UFPE (2016), além de ser um dos fundadores e presidente da Associação Brasileira de Etnomusicologia - ABET (2002).

Sandroni foi um dos coordenadores dos dossiês para registro do Samba de Roda do Recôncavo Baiano e das Matrizes Tradicionais do Forró. Fundou a Associação Respeita Januário (ARJ), entidade que, de 2011 a 2021, produziu relatórios que contribuiram para o reconhecimento, por parte do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), de bens culturais como o Cavalo-Marinho, a Ciranda, os Caboclinhos de Pernambuco e as Matrizes Tradicionais do Forró.

Sobre o processo de tornar o forró patrimônio cultural, o professor afirmou à Continente, em 2019: “Nossa intenção é não somente descrever, com olhares interdisciplinares de diversos profissionais – da antropologia, etnomusicologia, história, música, dança, letras etc. –, como atuam os grupos detentores do forró, mas também estar em constante diálogo com eles, que tornam esse patrimônio vivo e ativo. Por isso, a pesquisa também será fruto da troca com os próprios forrozeiros, mestres, dançarinos, atores e agentes culturais, a fim de compreender o saber fazer de cada um, seus processos de produção, circulação, consumo e suas demandas”. O dossiê do Reisado já foi finalizado e estão em andamento os inventários das bandas de pífanos do Nordeste e de Minas Gerais, os circos de tradição familiar do país e o Pastoril de Pernambuco.

Em 21 de agosto de 2025, o professor recebeu uma homenagem pública no evento “Salvaguarda do Patrimônio dos Detentores da Cultura Tradicional Nordestina”, no Auditório da Associação dos Docentes da Universidade Federal de Pernambuco (Adufepe), na Cidade Universitária. Estiveram presentes artistas, mestres da cultura popular – de folguedos como o cavalo-marinho, maracatus de baque solto e baque virado, bois – , professores universitários, pesquisadores, gestores e personalidades políticas. O objetivo foi reconhecer as conquistas no campo das políticas de patrimonialização da cultura popular a partir do esforço de Carlos Sandroni, que teve participação fundamental nesse processo.

"No Nordeste trabalhei sobre músicas que eram, até recentemente, distantes desse mundo do disco, da mídia. O ponto de contato, acredito, é que todas essas formas de expressão participam de uma grande conversa musical e lírica sobre nossa sociedade e nosso país. A chamada 'música popular' foi, pelo menos até o final do século XX, uma grande reelaboração criativa de formas que tinham uma base 'folclórica', como se dizia: o samba principalmente, mas também o choro, o coco, as marchas de ranchos e outras agremiações carnavalescas… Por outro lado, essas músicas “tradicionais” do Nordeste estão agora em pleno contato com todo tipo de mídia eletrônica: maracatus têm web-pages, coquistas gravam CDs e disputam espaço nos palcos e turnês. Nem sempre em boas condições, infelizmente… Mas o fato é que a música 'popular' e a 'tradicional' não são mundos separados como se pensa às vezes, são áreas em constante transformação mútua", afirmou em entrevista ao Blog do Instituto Moreira Salles, em 2014. 

Em 2001, o pesquisador lançou o livro Feitiço decente (Zahar), relançado em versão atualizada em 2013. Na publicação, explica como o samba amaxixado se tornou o samba que conhecemos, desenvolvido a partir do bairro do Estácio, no Rio. Esse livro é resultado de uma de suas pesquisas, assim como Mário contra Macunaíma - Cultura e política em Mário de Andrade, lançado em 2024 pelo Sesc e baseado em sua dissertação de mestrado de 1987, em Ciência Política, no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro.

Um dos mais destacados trabalhos de Sandroni foi a revisita ao acervo das Missões de Pesquisas Folclóricas de 1938, refazendo parte do trajeto de Mário de Andrade em PE e na PB, que possibilitou a preservação, devolução e transmissão de registros da tradição oral nordestina (2003) e dentre Zabumbeiros de Tacaratu e Reisados em Arcoverde e Pedra (2004).

Além disso, suas composições já foram gravadas por artistas como Milton Nascimento, Adriana Calcanhotto e Olivia Byington.

REPERCUSSÃO
"Vinte e quatro anos de trabalhos juntos: especialização, mestrado, doutorado, pesquisas, livros, artigos nacionais e internacionais, congressos por todo o Brasil, colega de pós-graduação, além de uma grande amizade. Tudo isso construímos juntos. Foi essa pessoa que hoje partiu. Posso dizer que há algo muito importante que fica: o maior legado é ter aprendido com Sandroni que se pode chegar a esse nível intelectual que ele alcançou sem perder a ternura! Isso sintetiza tudo".
Climério de Oliveira, cantor, compositor, violonista, pesquisador e professor pernambucano

"Sandroni foi um grande produtor. E, mesmo sem se considerar como um, produziu nossa primeira grande turnê para Europa com Comadre Fulozinha, Chao e Chinelo, Banda de Pife de Dois Irmãos, Ivanildo Vila Nova. Logo depois criou o departamento de Etnomusicologia. O encontrei pela última vez no dia da Música na UFPE do ano passado, numa roda de conversa com o professor Amaro, ja aposentado. Ele falava da nossa música com a mesma alegria de quase 30 anos atrás. Uma vida dedicada a pesquisa da música brasileira."
Isaar, cantora, percussionista e compositora

"Sandroni estava nu, lendo jornal na contracapa do álbum da sua irmã. Tinha 'Pão doce' no repertório. Só fui ouvir com Adriana Calcanhotto tempos depois. E tinha 'Capitão Filabóia', praticamente uma opereta. Uma canção que Fellini escreveria se pudesse. Carlos foi meu professor de História da Música na Universidade Federal em meados dos anos 1990. Eu já estava muito ligado no grupo Rumo, e Clara Sandroni tinha gravado 'Ladeira da memória'. Um dia pedi pra ele me ensinar aquele violão do Luiz Tatit. Aquele jeito de tocar acabou me abrindo uma caixa de possibilidades.
Achei outro disco de Clara, capa azul. Tinha 'Guardanapos de papel' lá e muitas outras de Carlos. Tinha ela e Milton Nascimento cantando 'Um índio'. Pouco depois, ouvi 'Guardanapos' na voz do mineiro. Valeu um Grammy. Dizia a Sandroni: 'Que incrível, hein? Melhor canção, premiada'. Ele, nem aí. Só ria.
Estava criando a Respeita Januário. Não tinham endereço pra registrar a sede. 'Põe o meu aí', falei. A correspondência chegava lá em casa e levávamos pra Carlos, no Poço. Achei massa quando ele gravou o disco dele. Fui ao lançamento.
Nos recentes tempos nos falávamos mais por mensagens. Mas com certa frequência. Um querido e atencioso amigo. Um intelectual do coração. Carlos Sandroni, um daqueles que viveu a vida fazendo a diferença. E na cadência da existência cumpre sua própria poesia/profecia:
'Olham para o céu, esses poetas, poetas, poetas, como se fossem lunetas lunáticas lançadas pelo espaço e o mundo inteiro fossem vendo pra depois voltar pro Rio de Janeiro'. Obrigado, Mestre!"
Juliano Holanda, cantor, compositor, produtor e poeta

"Fui com muita honra aluno de Carlos Sandroni na Pós-graduação em Etnomusicologia e no Mestrado em Música da UFPE. Excelente Professor, cantautor, escritor, foi e sempre será uma grande referência para minha geração, na estrada da Música e da Poesia. Beleza define a canção Guardanapos de papel (que tem poema do uruguaio Leo Masliah traduzido por Carlos Sandroni) na voz de Milton Nascimento ou na voz de Clara Sandroni. Carlos Sandroni sempre foi e será um farol para mim. A Etnomusicologia perde um grande pesquisador. E a UFPE, um de seus maiores Professores."
Publius, cantor, compositor e mestre em Música pela UFPE


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