Caminhando e conversando
Leia os primeiros capítulos da novela ‘Dois andantes e um satélite', lançada pela Cepe Editora
03 de Agosto de 2020
Rua do Bom Jesus, Recife
Foto Divulgação
[conteúdo na íntegra | ed. 236 | agosto de 2020]
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Maus antecedentes
0.
Vou ler o que escrevi: a Lua vem do mar como o vento e os peixes, os barcos robustos e os mistérios decantados, os portugueses e os holandeses — sem contar os africanos, que foram atravessados na marra, acorrentados em navios negreiros. Tudo o que vinha do mar era novidade revirando em luz ou sombra, alimento ou chuva, ocupação ou instrumento para depois. Toda essa gente, com sua herança ultramarina, ainda avança como mudança de tempo, se mescla terra adentro desde muito antes, oscila em notáveis movimentos sazonais, indo e vindo entre repentes e óperas de amor e morte, para se perder e se encontrar entre esperança e crueldade, no feitio do gentio por essas roças remotas da mestiçagem; aqui se pena e se exubera, e se leva adiante a desventura desse povo todo, revoluindo entre nativos, senhores e escravos, consoante os ciclos econômicos desse “sabe Deus como” de nossa história, migrando em travessias viciadas — desde meio milênio atrás... Entender esse resumo, a essa altura da jornada, é um tanto complicado, a coisa mais confusa entre nós; mas é meio caminho andado.
Andantes em órbita
1.
É estranho interpretar a coisa assim, como quem ouviu o galo cantar, mas não sabe onde... Essa sua análise é impressionista, uma leitura ao mesmo tempo culta e caótica dos desacertos e descaminhos nacionais, em que você aponta para um passado mal passado, numa visão histórica meio imaginária, é certo, esboçando uma ópera nacional, talvez.
“Um passado mal passado”... Interessante.
E passa um atestado de militante apocalíptico, pois parece inconformado com as causas e consequências dessa história... Como se, entre o que aconteceu e o que deveria ter acontecido, o país merecesse outro destino, ou mesmo um antidestino — ou então alguma evolução espontânea, alguma coisa mais a ver com nossa crença de esquerda esperançosa, que pontuava cada pensamento com um “nada será como antes” ou um “tudo vai mudar”... A gente inflava o fole da esperança, o mais que podia; pena que o barco virou, e a história pegou outro caminho.
A gente se animava muito com a velha vontade de mudar o mundo, sonhava com uma reforma profunda na sociedade, arquitetada em projetos de participação popular, temperada por um sentimento de solidariedade, e esse foi nosso mal... Mas nessa época de agora, em que se armam pandemônios em todo o planeta, creio que nem importa mais o lugar onde o galo canta — importa é o efeito de seu canto como resistência, de quem levanta uma voz capaz de contestar esse sistema insano que vem vingando, reinando em todos os terreiros.
Você vai viajando mesmo, embarcado no vapor do impressionismo, motivado a interpretar o transe em poesia, pincelando nesses tons de claro e escuro, sugerindo sonhos entre os escombros... Talvez se expressasse melhor em desenhos, gravuras ou pinturas; ainda dá tempo de desistir da reincidência — você é livre para rever seu destino.
Nesses termos, e ainda mais além desses termos, a sorte está lançada. Tenho a maior convicção dessa cartada prevista para breve, até o final dessa retomada. Pensei muito nisso, tomei a decisão com clareza; a questão pragmática tem que entrar com tudo em nossa estratégia. E nesse sentido, nossa primeira tarefa seria recompor a ópera desde a base, adequando seu texto a esse contexto, a essa realidade — tão adversa por um lado, tão controversa por outro.
Pronto, de acordo, isso nem se discute. Uma nova estratégia implica numa nova ópera, pois “mudam-se os tempos, mudam-se as vontades” — ainda que o Brasil continue sendo um negócio, e Camões continue sendo novidade.
Vale lembrar como termina esse soneto camoniano — “que não se muda já como soia”... Pois além das coisas estarem mudando, pode acontecer de tomarmos um tranco inesperado no caminho, entornando o rumo de tudo. Portanto, estejamos prontos a encarar um curto-circuito, uma possível desordem no sistema, rasgando esse tecido já meio roto — e isso pode acontecer a qualquer momento, pode acontecer agora...
Ou nunca... Eis o que me faz cismar sozinha à noite, desbaseada em ondas de amargura, vagando nos espaços da cidade, sem encontrar saída. Vou andando e matutando se temos mesmo uma condição objetiva, aqui e agora, para que essa desordem no sistema aconteça; vou tentando me lembrar dos movimentos sociais, dos tantos eventos que entraram para a história da valentia deste estado — com suas heroicas barricadas e trincheiras, revoltas e convulsões... Mas já não encontro uma referência mais direta que nos oriente na retomada da causa num mundo todo amorfo, em que “liberdade” é mais um estilo de escolha de produto, é mais um conceito de consumo do que uma atitude política.
Bom, para resolver essa equação, o mais importante seria verificar o que ainda atiça a tensão entre as classes, para ver a quantas anda a antiga arenga social... Imerso nessa calma aparente, entre quem domina e quem é dominado, ou entre “quem é Cavalcanti e quem é cavalgado”, um mal-estar permanente continua envolvendo as castas da sociedade, em silêncio... De modo que isso é premente: reavivar essa rebeldia reprimida, para poder tocar o projeto adiante.
Certo, mas isso tem tudo para ser um esforço extenuante, porque depois de esgotadas as utopias, esse negócio de mobilizar militantes e simpatizantes tem sido desanimador; nesses tempos estranhos, os tiros de uma ópera popular podem acabar saindo pela culatra, afugentando as pessoas da causa, comprometendo o nosso empenho... Então é preciso pensar bem nisso; parece que o mundo está contra quem é do contra, e daí nenhuma mudança avança, nem desperta interesse algum.
E ninguém aponta uma saída — o que só faz aumentar a insegurança... Porém, cá entre nós, a gente tem mais é que pensar no outro lado da coisa; preste atenção, esta pode ser a ocasião mais interessante de toda a nossa vida; para quem é pela desordem, de repente, será o momento mágico, o tempo em que tudo pode acontecer.
Bom, a esperança está tão viva quanto a gente... Só espero que não rolem os velhos rachas metodológicos, tão característicos entre as tendências de esquerda.
(É para pensar.)
Seja como for, essa mudança só começa com a retomada de um espaço, com a demarcação do território a ser ocupado pela nova resistência. Nesse sentido, creio que a gente recomeça nossa tarefa aqui mesmo, neste trecho ainda não gentrificado entre o Mercado da Boa Vista e a Praça Maciel Pinheiro. Vamos ganhando esse caminho desde já, numa espécie de percurso prévio, enquanto repensamos o desenho da ópera inteira.
Claro, estamos de acordo; esta parte da cidade ainda serve como baluarte, porque a maioria dessas pessoas não se enquadra bem no esquema; na verdade, elas conspiram contra o sistema — em que pese seu aparente desdém. De modo que é um bom ambiente para a gente arrumar o andamento da narrativa, enquanto procura um conceito concreto para nossa nova ópera.
Então estamos combinados: nossa primeira missão é esboçar outro esquema de mudança, juntando os cacos do passado num organismo vivo, compondo uma estratégia que ressuscite a esperança — com a benção do doutor Frankenstein, quem sabe...
E que os céus nos mandem os raios dessa bem aventurança.
E que o povo não promova nosso linchamento no final da andança.
Ou nas palavras de um combatente desaparecido, um camarada lá de Catende, “haveremos de dizermos que venceremos enquanto pudermos”.
Bem lembrado... Os combatentes tombados serão sempre os mais importantes.
2.
Este pedaço da cidade interessa muito, porque representa bem uma história em transição; é um espaço que incorpora a paisagem mutante, da mudança entre a capital portuária de capitania açucareira, que havia antes, a essa metrópole complexa que veio depois; é uma zona meio esquecida entre sonhos incontáveis, uma doente crônica em seus projetos visionários, um repositório da mais variada cultura entre barroco e neoclássico, belle époque e modernidade; é um aglomerado todo mestiço, misturado entre os estragos da civilização luso-tropical, numa antiguidade arruinada em coisas construídas ou desaparecidas, destruídas ou reinventadas ao longo dos tempos... Enfim, em sua estranha resistência, em séculos de espera inconformada pelo futuro, a Boa Vista é a porção do Recife que mais tem história de perdição para se contar, acho...
Se é!... Eu mesma conheço umas quantas histórias mal contadas, uma coleção de casos cabeludos, quase todos desse reduto.
Então a gente tem mais é que interpretar as pessoas e as coisas que aparecem aí pelo caminho, como faria um naturalista na leitura do espaço selvagem, e aprender a se orientar com uma apurada bússola abstrata — um instrumento sensível, que combine conhecimento e intuição, até que a gente possa encontrar o caminho que leve da realidade à promissão... Em resumo, a estrada geral da utopia.
Esse instrumento pode ser superimportante, sobretudo para se encontrar o bom senso, atenuando nossa tendência geral ao excesso de abstração. Saber usar essa bússola abstrata, em nosso caso, implica em saber escolher cada palavra, calibrar todo período, balanceando parágrafos e capítulos — tudo para um equilíbrio da comunicação, em que a gente não desande entre tantas espécies de signos... Pois o deslumbre com as paisagens mais semânticas, as cavalgadas entre as metáforas e metonímias soltas no ar, o mergulho nas agitadas corredeiras sintáticas — tudo isso nos sujeita a um arrasto por símbolos erráticos, que podem acabar ralando com a gente.
De acordo, isso é mais do que certo; numa época insossa como essa, nossa ópera tem mesmo que encarar caminhos acidentados, que requerem atenção redobrada; e a transmissão das ideias dessa travessia, com toda segurança, é essencial à comunicação — lubrificando os canais entre o céu da boca e os campos da vontade popular...
(Uma metáfora voadora; o cabra vai se inspirando...)
Outro item crucial seria ocupar esse vão enorme, esse espaço ocioso entre a ideia de ordem e o desejo de desordem; para isso, é preciso saber esperar o tempo suficiente, maturando o pensamento entre o “quem sabe faz a hora” e o “não espera acontecer”; só assim a gente demarca a divisa entre o improvável e o impossível.
Pois é bem possível, ainda que pouco provável. Mas meu senso de oportunidade ainda não captou sinais favoráveis; tem um silêncio de rádio no ar, e nada consta em nosso radar operante.
(Mau sinal.)
E você decerto se recorda de como era antes: era como se tudo no mundo fosse espontâneo, como se todos estivessem a toda hora vibrando... A sensação de estar numa batalha que vale uma vida, o brilho no olhar de cada pessoa, como se todos fossem parte do mesmo sonho, com seus navios de papel, submarinos de poesia e aeronaves imaginárias, prontos para atacar as bases regulares retrogradantes — e revolucionar o mundo... Naquela época, ideologia era quase tudo.
Ou tudo, mesmo.
Porque era tudo ou nada.
Pois então, pode parecer que o momento ainda não tenha chegado, ou que ainda demora mais do que se imagina, ou até mesmo que já esteja chegando... Importa agora manter a sintonia fina desse senso de oportunidade, tendo sempre uma coisa em mente: quando menos se espera, a situação pode virar de ponta-cabeça... Compreende?
(...)
Portanto, a próxima chance pode estar quicando aí, no meio do caminho, e pode ser tudo o que a gente precisa; de repente, vem como um abalo sísmico no sistema, o estopim do estardalhaço estourando a revolução... Já pensou?
(Só ouvindo. No máximo.)
Pense nisso; esse axioma resume toda a questão, preste atenção: quando a realidade recolhe o realismo, e a metafísica instala a esperança, a oportunidade pode aparecer assim, num instante... Pois quando uma ideia encontra seu tempo, a ocasião acontece a bordo do inesperado; não tem como dar errado, porque vem como uma imposição radical; e no momento mais casual, decerto se instaura uma nova realidade.
Estou pensando, meu caro... E até acredito que essa sua sequência providencial possa mesmo acontecer, caso a gente consiga avançar com engenho e arte, e coisa e tal; por outro lado, desde o fim das utopias, minha intuição está ancorada num porto perdido, em algum ponto remoto da costa nordestina, indecisa em seguir adiante nesse mau tempo enjoado, entre a neblina e a descrença.
Nessa época de crise, a metáfora é essa mesma — o desterro. E parece que a gente precisa tomar coragem para encarar os erros, para rever certos conceitos e aceitar a incerteza, uma vez que toda certeza pode dar em nada, um tiro no vazio do mundo.
Sim, sobretudo se essa certeza não conta com o risco — ou seja, se não admite a incerteza dentro dela, acomodada dentro da ideia, encoberta pelo desejo ou pela ilusão.
Perfeito, estamos de acordo. Por enquanto, só dá mesmo para acreditar numa coisa, com alguma certeza: num ambiente tão incerto, a gente só retoma as rédeas do destino puxando as cordas da metafísica, para transcender o império absoluto do realismo, superando a ditadura da realidade — que domina a vontade de todo mundo!
Bem, é uma tese superousada... Dá a entender que você aposta numa nova versão da ópera, encorpada numa pegada meio sobrenatural, talvez; ou seja, vai jogando com a razão entre coisas abstratas, como esperança e destino... E tudo isso corre mesmo um alto risco de dar em nada.
Certo, mas é como disse: se a gente esperar o momento certo, dessa vez não tem como dar errado. Creio mesmo que nossa conversa tem mais é que resvalar nessas coisas sutis, o tempo inteiro, tecendo sua escritura clara no ar, como uma novela desenrolada nos vácuos de oralidade, tramando além do improviso — até fermentar a mensagem que encerre verdades provisórias, plenas de realismo e cabimento nesse mundo arrevesado. Nesse vazio, nesse vacilo de pensar entre incertezas, eis que aparece a questão central: alavancar um conceito condutor potente, capaz de propelir nosso leitmotiv numa poderosa reversão da realidade... Na verdade, nosso mantra de encantamento haverá de ser repetido em alto e bom som na barafunda urbana, até convencer cada aliado potencial — até que cada um rompa com a miséria em seu papel social inercial, originado lá no começo da história, no início dessa sucessão de mal-entendidos, com esse peso que carregamos em nossas costas como vexame ou deboche, há mais de 500 anos.
(Eita!)
(Tá esquentando...)
Espera; deixa ver se embarquei na sua canoa; a gente lança nossa esperança entre nuvens de estranhamento e ares de expectativa, para se estruturar num método arriscado — meio cármico, meio intuitivo — contando com uma convicção elementar: a ruptura há de acontecer por conta desse acúmulo histórico, dessa pressão secular sobre nossas cabeças imperfeitas... É isso
Quase isso... Só sei mesmo, com alguma segurança, que a gente precisa se apaixonar por essa ideia de desmontar com essa porra desse passado, desmantelando todo o entulho cármico acumulado, apurando tudo aquilo que mereça o empenho, toda esperança que ainda viceja em nossa vontade, em compasso com a maior obsessão em mudar esse mundo — na confiança de que nada mais pode dar errado, porque tudo já está perdido.
Ou quase tudo... Pois enquanto a gente anda e confabula, ondas as mais diferentes se formam e se movem, revolvendo sonhos e consequências em torno da gente; e antes de levar um caldo e afundar de novo, o melhor é pegar um bom embalo e navegar — até, quem sabe, dobrar o Cabo da Boa Esperança, como se dizia antes... Creio nisso, mesmo tendo todos os motivos para acreditar em quase nada.
3.
(Dá mesmo o que pensar: caminhar como quem transcreve uma paisagem abstrata, onde o mundo concreto já não faz muito sentido; é preciso arranjar um método razoável para conjugar o incerto, emitindo sinais intermitentes, desconfiando desses assomos da memória... Nosso passeio serve como matéria-prima nessa compositura narrativa, na aproximação de uma verdade mais possível, assim como serve para perceber ideias em transição, capturadas entre tanto pensamento nessa rede do tempo, para que a gente possa compor uma ópera bem apalavrada em seus contornos contemporâneos, bem estruturada em orações e conceitos — muito além do caminho já conhecido, do cenário da crença antiga, descrito em tintas de uma delicada intenção mutante... Aí, sim, o remoinho do tempo revira com o raciocínio, desnorteia com a escritura toda; e então só resta reinventar o arsenal ideológico, e partir para o combate.)
Estou ponderando sobre essa coisa da transa metafísica e suas possibilidades; mas isso não nos libera dessa responsa: é fundamental separar abstrato e concreto, antes de seguir embalando nesse improviso. Compreende?
Claro como o dia.
E outra coisa: seria providencial introduzir nosso perfil nessa escritura, agora mesmo, para clarear a gente como personagens aquém e além desse “sentimento do mundo”, além dessa coisa toda subjetiva em torno de nós. Concorda?
Decerto, creio que é o caso, vamos nessa. Começo me apresentando em recorte meio tosco, para que me entendam do meu jeito: João Marcos do Amarante, coração cruzado de boa fé, caucasiano de ascendência lusitana, oriundo da banda meridional brasileira, já avançando na meia-idade; sou quase um dissidente desse mundo tão doentio, de tão competitivo, e mais encalacrado e introspectivo do que deveria; muito me agrada caminhar por vazios existenciais, quase sempre me sentindo um armador de ideias e palavras que se costuram e se emendam, orações em tapeçarias que se bordam e desbordam conforme o mote do pensamento, sobretudo nos passeios em que componho e aperfeiçoo esse método particular de conhecimento — um método acidental, onde a combinação do casual com o existencial acontece por uma alquimia simples, bem simples mesmo... Em suma, minha maior meta seria o alcance de um estado pleno de inocência cognitiva, de uma espécie de sabedoria espontânea; nesse sentido, vivo tentando recompor meu mundo por meio de esboços subjetivos, usando de um vago repertório simbólico, expresso em pensamentos que bem parecem irracionais. Avesso ao sistemático e ao metódico, embora sempre tente elaborar o discurso em termos teóricos, me oriento mais pelos sinais de minhas próprias antenas, esperando captar uns relances reveladores, estados alterados, repentes que permanecem... Além disso, muito me agrada arriscar uns improvisos intuitivos e contar uns casos variados, ainda mais quando versam sobre as tais desventuras da nossa história, seus enredos entrecortados, cheios de revoltas e rebeliões populares — que quase sempre dão em nada.
Hum... Ainda que costure uns recortes mais racionais em seu bordado, tentando imagear a coisa de um jeito mais cartesiano, esse seu retrato até que passa bem o recado: você é esse personagem singular, um sujeito dado a sutilezas, num mundo que vem moendo coisas sensíveis das mais sagradas, como alteridade e empatia.
Pois então, creio que é o suficiente para uma geral da minha parte; mas vejamos agora como se configura o seu retrato, o feitio de seu perfil na abertura desse libreto da ópera — se me habilita a traçar um desenho verbal e publicar a matéria.
Está habilitado. Vai.
Quem mais se ocupa em recolher os pedaços da verdade esquartejada por meus pendores imaginários é dona Antônia da Mata, artista de teatro que deambula em minha companhia nesses passeios esparsos, com a espontaneidade que antecede as evoluções mais casuais. Como musa eventual e coreógrafa do improviso, nessa sua graça tão bem conservada desde outros carnavais, essa moça vai andando por aí em atividade intensa; vai criando metáforas de ocasião entre seus solos corporais, enquanto improvisa e age como intérprete performática, em qualquer onda, em qualquer armação... Além do mais, sabe especular sobre ideias e sinais de origem mais suspeita, observando pessoas e mais pessoas que cruzam áreas urbanas antigas e degradadas, como é o caso dessa banda central da Cidade do Recife.
Sim. Continua.
Antônia da Mata persegue seu destino como guerreira resiliente, quase sempre tomada pela vontade de restaurar algum cenário arruinado, e manifesta seus dons por performances públicas as mais abusadas, coisa que acaba provocando a reação dos transeuntes mais desavisados, que se revoltam com sua imagem marcante, ao mesmo tempo intimista e intimidadora... Não obstante, a bela Antônia pode ser considerada uma agente encantadora das refazendas potenciais, por sua capacidade de mesmerizar o público num transe supostamente espontâneo, transversando sua percepção com prosa e poesia de outras épocas, noutros tempos e espaços, mas só quando fosse o caso — ou só quando fosse o caos... De origem mais sertaneja, brejeira e bem sacudida, mestiça em suas curvas corporais caprichosas, com tons tropicais impressos em sua derme amorenada, coroada por uma cabeleira longa e volumosa, escura e encaracolada para atestar a cepa africana, vai molejando com essas madeixas marcantes em seu andar bem batido e decidido, porque sabe se impor e se orientar como nenhuma outra mulher na paisagem multitudinária; então costuma zanzar à vontade por essa cidade, num cambaleio que oscila em seu comportamento ambíguo, tentando economizar sua exuberância — que se mostra mesmo assim, vazando entre a suavidade natural e uma estupidez de caso pensado, sempre muito bem ensaiada, para que não se atrevam a lhe incomodar pelo que lhes incomoda, só por sua presença parecer tão modesta e tão acintosa ao mesmo tempo, como de fato é...
Adiante. Mais.
Esbelta em formas sinuosas, quase sempre cobertas por vestido comprido em fazenda estampada e colorida, essa moça gostava de varar a noite embalada em algum desfile desvairado, rodando seu charme entre nuvens de lança-perfume nas farras mais ácidas e delíricas, atrás e através de alguma madrugada. Seu método de ação costumava variar bastante, alternando o gesto invocado e o toque lúdico com a palavra mais doce, mantendo certa elegância na prosódia toda sua, mesmo quando acabava derivando em momentos de desleixo na expressão corporal, com sobras sensuais deliberadas — conforme seu estado de nervos, conforme o teor de lubricidade em suas interferências íntimas, e tal... O mistério de Antônia é que sua pessoa se oculta numa espécie de recato quebrado, como quando se relaxa ou se contorce num surto de sedução assim, “sem querer”, entre uns bocejos e sonolências ocasionais, só para demarcar seu astral em amor próprio, dando a entender uma autossuficiência, entre outros caprichos e requintes que compõem a trama de sua densa personalidade. De mais a mais, ainda que às vezes se deixasse cair em tentação carnal e obscena, se tanto, não era de costume perder a compostura — nem querendo. Muito ao contrário; mantinha uma atitude altiva e arretada de Iansã, muito dona de si e o tempo todo com a cabeça focada na ação, e o coração batendo por quem bem merecesse, alternando seu farto poder de atração com o mais terno sentido de alteridade e compaixão... Coisa de fêmea assim, poderosa e perturbadora, desde o começo de sua afirmação como guerreira, desde que se entende por mulher, por gente.
Eita!... Isso soa bem como esboço de minha persona na ópera, ainda que num tom meio suspeito, pelo resvalo lisonjeiro e as reverências demais — com essa sua dose meio galante de “elogio da loucura”, em retórica derramada... Mas cai bem para animar esse começo de conversa, atenuando aquela distância entre intenção e gesto, na medida em que apresenta uns passos e pegadas recorrentes em meu traquejo — ainda mais com esses toques em torno do que rolava na animação elétrica das ruas, além dos detalhes que ilustram o pano de fundo dos fatos, a militância situando a coisa toda no contexto, compondo a imagem mais pelo estilo.
Só para dar um arremate, tem mais uma ou duas coisas que me ocorrem: como outras Antônias dessa geração, você encarnava uma estética contracultural com toda uma intensidade, sobretudo quando contaminava o ambiente em ensaios de amor livre, fazendo investiduras de sedução na forma de alguma dança primitiva, em que as Antônias mais estouvadas recriavam suas emoções irrequietas, rebolando à vontade dentro dos parangolés... Lembro bem daquela maloca ambulante, articulada em cordas, varas de bambu e papel de arroz, com umas velhas sinetas balançando num fio de arame, mais a bandeira libertária da trupe dependurada no alto dos andores — e vocês lá embaixo, arrebentando... Encenavam esquetes extremos, se desnudavam ao som suave de uma sanfona, mais uma ardida rabeca e uns troncudos tambores acompanhando a ação nuns quase lamentos, na maior metáfora sonora de um sertão em decadência — só para cutucar uns brincantes tardios, ou para zoar com os bons cidadãos que voltavam em paz do serviço... Sua trupe provocava os passantes por aí, e provocava com vara curta, então sempre acabava rolando algum tumulto, alguma discussão desinteligente culminando em conflitos e ofensas — e a confusão só terminava com a chegada de uma viatura policial, lembra?
E como... Mesmo com esses arrodeios todos, sua costura clareia umas tantas coisas da época, e puxa uma memória que remonta ao Sertão; na verdade, esse retrato falado pode ajudar a arredondar uns prelúdios da ópera, pois era assim que minha turma costumava compor umas encenações bem ajeitadas — era esse o espírito bagaceiro original. Nossa armação vingava por dentro do ventre livre das noites sertanejas, muito antes de dar cria nesse submundo tortuoso da capital; então nosso cotidiano no teatro escancarava essa origem “impura”, decerto acendendo um enorme preconceito nos recifenses mais cocorocas... E ainda que esse pessoal nos intolerasse, parece que rolava uma vontade forte de espiar nossas performances, um tipo de atração um tanto estranha mesmo, sobretudo por parte das mocinhas mais recatadas. Então uma quase multidão se animava, acabava aparecendo para ver a gente; pois esse público tanto se afetava quanto se afeiçoava com a transa toda, como se nosso teatro ativasse seu inconsciente, cutucando, talvez, uns desejos dormidos entre armaduras e espinhos, entre outras coisas mais incômodas e viscerais, decerto latentes, isoladas no recesso de sua mente mal resolvida — coisa tão comum e recorrente, como um resfriado crônico.
Claro, vocês remexiam em coisas bem guardadas na cabeça daquela galera, coisas mais secretas, que quase sempre aparecem encobertas com uma etiqueta bem suspeita na superfície. E ainda terminavam por instar os circunstantes a um estado emocional cruento, liberando uns monstros que os caras mal reconheciam, até por viverem represados nos círculos da própria hipocrisia; acabavam trazendo à tona umas pulsões primitivas, entre outras paradas que agora acontecem mais à vontade, sobretudo durante o Carnaval... Mas naquele tempo não havia essa liberdade toda, então era necessário dar aquelas estocadas na onça, espetar o recalque coletivo, teatralizando a coisa para detonar com a caretice daquela pequena burguesia colonizada, com seus tiques e manias reativas ante tanta coisa mal resolvida, causando uns maus momentos de descontrole programado — aquela mímica mal articulada em palavras peludas, apertadas entre os dentes, rangendo muito... Lembra
Demais... As rebordosas deblaterantes, em seus surtos de revesgueios gestuais e palavrórios soltos... Um espetáculo catártico, permeado de histeria; uma coisa quase patológica.
Uma lembrança incômoda mesmo; merece um trago de cachaça em nossa recarga etílica, no intervalo de reflexão.
Sim, bora beber! Bora recordar os erros que a gente bem sabe que não cometeu.
Bora brindar a isso, com força e com vontade.
Capa do livro
4.
Pois então, essas recordações me arrebatam e me provocam tanto, tanto, que é irresistível fazer mais observações sobre vocês. Tentando segurar os excessos, confesso que curtia muito assistir à passagem de sua trupe, ostentando aquelas armaduras articuladas em papelão e plástico reciclado, inventando performances de parar o trânsito, raptando a atenção dos espectadores que paravam e estancavam o corso, inclusive os que contestavam seus valores e esteios, numas nuances cênicas bem menos sutis. Ou quando vocês mexiam com as causas mais nobres e sentimentais dos transeuntes, quebrando o rebolado desses caras na maior moral, a desmascarar sua postura repressiva, sua perene hipocrisia — pois essa casta ainda dá suporte à devastação das reservas naturais e dos quilombos ancestrais, levando à extinção de áreas imensas nos biomas brasileiros, por meio de suas reais e produtivas feitorias, tão predatórias quanto perversas, tão perversas quanto destrutivas, pensadas apenas em termos de interesse, de rentabilidade.
Eita!... Agora tocou o facão no mal de raiz dessa classe dominante nacional... Mas, numa boa, nossa ideologia não costumava tocar tão fundo; a gente ficava mais na forma, na superfície, com a ópera focada em função de performances fortuitas, encenando coisas docemente irresponsáveis, por pura provocação.
Entretanto, era bom pontuar esses desvios, o que me faz lembrar outra coisa: para muitos dos camaradas, fossem trotskistas ou stalinistas, seus esquetes atrevidos escorregavam no raso de uma rebeldia anarquista... Então os militantes mais cuecões acusavam sua postura ou sua atitude como uma espécie de desvio da norma, como se fosse alguma manifestação politicamente inconsequente, mera provocação que poderia comprometer o caráter revolucionário da coisa, minando com a eficácia da estratégia, atenuando o efeito de nossa práxis etcétera, etcétera... Era assim, não?
Nonsense, seu Amarante, era assim não... Aquela provocação toda tinha seu valor e sua razão de ser, ainda que mais não seja, por tocar numa questão elementar: se a gente suspendesse a rebeldia, em pouco tempo nossa galera acabava por se enquadrar, por se conformar numa condição de passividade — estabelecida desde o comecinho da chamada civilização brasileira... Por isso mesmo é que qualquer conformismo, entre nós, era combatido, cerceado, o escambau.
Claro, pois poderia comprometer a causa e a coisa toda, como acontece com quem cede ao sistema e se entrega ao consumismo, ou como quem se cerca de conforto e termina atado ao comodismo. O veneno da sociedade de consumo é assim, contamina tudo, transborda as pessoas, se derrama pelo sofá e pelo tapete — vai tomando conta da casa, como se houvesse algum entorpecente no ar, impregnando todo o ambiente... Com o demônio plugado na internet ou ligado na televisão, acesa no meio da poeira suspensa, revirando suas ideias vagarosas nas telas das tardes ociosas, enquanto sons e imagens entram pelos cantos vazios, se escondem nos casarios e nos quartinhos como coisa intoxicante, volteando os cortiços e casarões em torno, a praga que grassa sorrateira... Assim o mundo desmoronava, se devoravam as semanas e seus melhores momentos, a embaçar qualquer percepção mais consequente de mudança — tomando conta das possibilidades, com as vontades derramadas, o tempo escorrendo, vazando como água em torneira que deixaram aberta.
Era mesmo; ainda dá para ouvir os ecos de uma antiga melodia, vibrando desde os dias da desilusão... E talvez seja assim nesses dias, quando as massas alienadas se recolhem num presente perpétuo, entre seus prazeres estridentes; e as hordas de viciados vagam dia e noite nessas ruas, conforme seu cardume e seu estilo, curtindo o lado mais sombrio do mundo, em conexões remotas... O lado obscuro dessa fantasia de consumo roda e repete uma história, como num conto de fadas reverso, desenraizado de nossa cultura, colonizado até a tampa.
Com outra pegada, para encenar suas pantomimas, aquele seu bando de panteras provoquentas também podia assumir uma atitude mais estudada, mais comedida — muito além dos ataques selvagens de surpresa, dos choques casuais pelas calçadas, dos confrontos diretos com os caras, na base da bugrada versus burguesada, como se dizia...
Acontece que a intensidade de cada ação era uma coisa meio incontrolável; nossa ideia da ópera até então não se apoiava em pilares cartesianos, nem a pau; era tudo na base dum batidão intuitivo, mesmo... Então nossa arruaça rolava mais pelo princípio do prazer, pelo tesão de dançar pelos vãos e sobras dessa cidade carcomida, ainda que sinuosa e sacolejante, por conta dessa tensão constante entre seus polos extremos — o pendor racional provinciano e a pegada popular mais tribal desse caldeirão momesco... Então as matrizes da mesma fonte criativa ativavam essa cidade festiva com energia bruta, sobretudo em seus circuitos depauperados, os guetos e favelas incrustrados na crosta urbana, formada duma mescla entre muitos gentios, ameríndios e africanos, lusitanos e flamengos refogados nesse alguidar fervente, em que castiços e postiços mestiçam há tantos séculos, submissos a uma das máquinas mais rústicas de exploração dos trópicos, consumindo e consumando todos os recursos naturais e artificiais, possíveis e disponíveis — em nome do rei e por causa do lucro.
(Eita! Lá vem o Brasil, descendo a ladeira...)
Por isso a farra carnavalesca faz o maior sucesso no Brasil, e mais ainda nessa cidade do Recife, que assim se identifica e, portanto, favorece os impulsos mais visionários; e, nesse sentido, a cidade costumava aceitar de bom grado nossas troças mais extravagantes, em suas folias mais feéricas; e a gente interpretava uns esquetes assanhados a cada parada, operando menos por palavras de ordem e mais por expressão corporal, mandando mesuras meio safadas para a galera em volta... Nossas mensagens saíam como se fossem lanças, espetos pontudos sacados contra o público, como se a gente enfiasse cada palavra cantada ouvido adentro de quem passasse, para que o recado cutucasse com mais intensidade o “consciente incoletivo” da moçada... Foram nossos últimos ataques de assalto com aquela ópera anterior; e acabaram ficando como fundamento dessa força estranha e fatal — que, de repente, não mais que de repente, a gente ainda ressuscita.
Dona Antônia, ruminando coisas extemporâneas nos meandros da memória, enquanto a gente adentra esse circuito da Boa Vista, outra vez... O bom mesmo seria se nossas trupes ainda estivessem atuando por aí, infestando esses espaços com ações improváveis, na esperança de movimentar tanques e trens, navios e aviões de um levante impossível — ou apenas abordando e convertendo os andantes mais distraídos, nesse nosso teatro imediato de operações... Quem sabe a gente ainda organiza um inventário das intervenções, para então customizar a ópera em esquetes mais efetivos e menos retóricos, se é que me entende — com cenografias e performances muito mais afeitas a essa era de passividade e indiferença, desmontando as defesas da conservadoria em suas amarras invisíveis, de modo que até o dromedário mais retrógrado, atuando de paletó e gravata para enganar o povo, encare nossa aurora alternativa como uma redenção possível.
Sei não... Às vezes penso que esse nosso pendor operístico, adulterado pelo lirismo e eivado de vaidade, é mais um caso para psicanalistas; é tanto entusiasmo entre inocências extintas, tanto ideário deslocado da realidade, tanto narcisismo tropicalista travestido de ideologia...
Mas isso não se considera agora, nem se cogita em nossa pauta, de jeito maneira; é preciso entender que o caminho continua sendo o mesmo, camarada; o caminho continua sendo a resistência, ainda que isso mais pareça um desaforo nesse ambiente sufocante, nessas cidades cinzentas e conlurbadas em suas sobras engorduradas, naufragadas entre tanta leniência interesseira, gerando encrencas de toda natureza... Está mais do que na hora de expurgar o pragmatismo para fora da história, de esquartejar seu corpo inteiro, de cortar seu pescoço e arrancar sua cabeça, pendurando suas partes nos postes das estradas — sem perder a ternura, jamais...
(Sei... Se bravata desse resultado, a gente já teria virado o mundo ao avesso.)
Na mais mortal calmaria ou na mais assombrosa ventania, ainda vale a lembrança de que “navegar é preciso, viver não é preciso” — nosso lema para encarar essa distância, essa disparidade entre a precisão dos instrumentos e a imprecisão da vida, em pleno desvario da imprecisa travessia.
Tudo bem, camarada circunavegante, é um bom embalo num belo lema, sobretudo para quem continua “gauche na vida”, como a gente; pois para quem se entrega a uma causa revolucionária, certo ou errado não vogam, nem valem muita coisa — assim como o pecado e o perdão, quando acontecem nas paragens exóticas do lado de baixo do equador... Só preocupa essa obsessão em desossar com toda forma de pragmatismo, como se isso bastasse para mudar o mundo... É bom lembrar que, durante a travessia, a gente corre o risco de derivar da espera para o acaso, do acaso para o ocaso, do ocaso para o pecado, do pecado para a virtude, da virtude para a glória — tudo na maior brevidade, e não necessariamente nessa ordem.
Ótimo, isso é um moto-contínuo, algo muito útil para entender que essa travessia é como uma montanha-russa, em que é preciso coragem para enfrentar a jornada — sem medo do entrevero, sem se acomodar quando for o momento de atravessar os arrecifes, nem amarelar se o casco do barco raspar nos parcéis ao cruzar as ondas, correndo o risco de emborcar.
Acontece que o medo aparece e permanece à espreita, isso não tem muito jeito, não... O remédio é repetir os mesmos mantras rebeldes daqueles tempos — e um de meus preferidos veio de um velho guerrilheiro vietcongue: “Nossa saga só tem uma receita: não amolecer em Saigon”.
Confirmado; agora só resta resistir, tampando o ouvido ao canto das sereias, escapando das emboscadas cabotinas, nos valendo da memória dos melhores antepassados, na invocação ardorosa dos combatentes tombados, os camaradas que enfrentaram a tortura dos aparatos de Estado, como heróis do tamanho de sua causa... Decerto ainda andam como entes da esperança por aí, só esperando um avanço cá na terra; talvez estejam antevendo alguma mudança, como o assomo num sonho que se sonha acordado — pois, mesmo que tudo pareça nublado, o Sol está sempre brilhando em algum lugar.
Guiados pela história, pela esperança e pelas estrelas, vamos navegar além das entrelinhas; como antigos marinheiros lusitanos, remadores indígenas ou africanos de todos os tempos, nossos instrumentos ainda serão os olhos, os braços e os remos... Que os santos, caboclos e orixás nos deem a coragem e a intuição necessárias para mais uma travessia — seja ela concreta ou abstrata.
(Contudo, todavia, porém...)
Entendi, bora molhar a palavra.
JOSÉ ALFREDO SANTOS ABRÃO (1958) é paulistano. Em poesia, publicou Pegadas de palavras (1991), Dias com nuvens (1999) e Três poemas esparsos em tercetos imperfeitos (2019). Em prosa, publicou a novela Outro norte profundo (2012), Cronomáticas e outros contos (Cepe Editora, 2016) e Sete relatos enredados na cidade do Recife (2019).