Entrevista

“Bush era um erudito comparado com o que temos no Salão Oval agora”

Conhecido por filmes icônicos dos anos 1980 e 90, o cineasta Rob Reiner é voz ativa, no cinema e na militância política, contra o homem a ocupar a cadeira de presidente dos EUA

TEXTO MARIANE MORISAWA, DE ZURIQUE

11 de Setembro de 2018

Seu filme

Seu filme "Shock and awe" acompanha os jornalistas que refutaram a versão oficial da guerra ao Iraque

FOTO Reprodução

ZURIQUE - Rob Reiner está preocupado. O ator e diretor é conhecido por alguns dos filmes mais icônicos dos anos 1980 e 1990, como Conta comigo (1986), Harry e Sally – Feitos um para o outro (1989), Louca obsessão (1990) e Questão de honra (1992), mas nos últimos tempos seu foco tem sido a política e a situação de seu país. Seus últimos dois longas refletem bem isso. Em LBJ, de 2016, ele retrata o presidente Lyndon B. Johnson (interpretado por Woody Harrelson), que assumiu o cargo depois do assassinato de John F. Kennedy. Em Shock and awe, de 2017, ele fala dos jornalistas da companhia Knight Ridder, que trataram com ceticismo as afirmações do governo de George W. Bush de que o Iraque possuía armas de destruição de massa, que serviram como pretexto para a invasão do país – hoje se sabe que nunca houve provas de que elas existiram. Além disso, Reiner formou o Comitê para Investigar a Rússia, para buscar informações sobre a interferência do governo do país nas eleições americanas de 2016. Ele conversou com a Continente em Zurique.

CONTINENTE Por que quis fazer este filme?
ROB REINER Eu, como muita gente no mundo todo, fiquei mortificado com a ideia de que os Estados Unidos estavam prestes a entrar numa guerra que, achávamos – e todos nós tínhamos razão –, seria um dos maiores desastres da política internacional na história. Vi a Guerra do Vietnã, inclusive tinha idade para ser convocado, mas nunca pensei que viveria para ver o país ir novamente a uma guerra totalmente baseado em mentiras. Vi naquela época e vi novamente. Minha mulher Michelle e eu ficamos apopléticos. É como se víssemos nosso filho atravessando a rua e um carro estivesse vindo – você sabe o que vai acontecer e não há nada que possa fazer. Aconteceu exatamente o que achávamos que ia acontecer. Muitos filmes foram feitos sobre a Guerra do Iraque, mas acho que a verdadeira história foi o modo como entramos nela. Só quando descobri o documentário de Bill Moyers (Buying the war) sobre esses quatro jornalistas que acertaram que vi que o filme era isso.

CONTINENTE Acha que houve um bloqueio mental? Dick Cheney, Paul Wolfowitz são pessoas inteligentes.
ROB REINER Essa é uma boa pergunta, porque eu questionei os jornalistas. Wolfowitz não é burro, Richard Perle também não, nem William Kristol. Como eles acharam que invadir o Iraque e remover o punho de ferro de Saddam Hussein não ia começar uma guerra sectária com histórico de 1.400 anos? Todo o mundo que já leu algo sobre aquela região sabe disso. Eu costumava brincar, dizendo: “Nenhum deles viu Lawrence da Arábia?”. São facções, não países. Os países foram formados ao final da Primeira Guerra Mundial pelos franceses e britânicos, que determinaram esses países arbitrariamente. E eles não enxergaram isso. Minha ideia era que os Estados Unidos eram a última superpotência depois da derrocada da União Soviética, e havia um esforço concentrado para tentar decidir que direção os Estados Unidos deveriam tomar e como deveria usar esse poder e havia um bando de neoconservadores que acreditavam que, se outra democracia fosse estabelecida na região, como Israel, as democracias proliferariam, e Israel ficaria protegido. Teoricamente, se você acreditar que uma área como o Iraque pode aceitar ser uma democracia de modelo ocidental, então, sim, poderia acontecer. Mas como alguém podia pensar que isso ocorreria, que os sunitas, que estavam no comando do chamado mundo árabe naquela região, eram a minoria? Na Arábia Saudita, eles são a maioria, mas não ali, onde eles são apenas 20%. Daí os xiitas, que são 60% da população, vieram e tomaram conta. Expulsamos os sunitas ao eliminar a milícia, a Guarda Republicana. E para onde eles foram? Formar o ISIS.

CONTINENTE Para que isso não acontecesse, seria preciso ter um presidente bem-informado. Agora há um novo presidente.
ROB REINER Que chocantemente consegue ser ainda mais mal-informado que o George W. Bush. Bush era um erudito comparado com o que temos no Salão Oval agora. Temos um completo imbecil lá agora, que não tem a mínima ideia de como o mundo funciona, de como o governo funciona, e só está interessado em si próprio.

CONTINENTE Você acha que o patriotismo depois do 11 de Setembro explica um pouco o que aconteceu? E o que pensa de quem hoje acha que o W. Bush foi um bom presidente?
ROB REINER Acho que George W. Bush é um homem decente e gente boa. É um homem gentil e agradável. Diria que, se tivesse de ir a um jantar, preferiria George W. Bush em vez de Donald Trump, que é um lunático, um doente mental. Mas, em termos de políticas, o que W. Bush fez foi bem mais destrutivo, porque Trump é tão inepto que não consegue fazer nada. Há muita coisa ruim acontecendo, mas nada no nível do que fizemos no Iraque.

CONTINENTE Você declarou que seu projeto político atual é a interferência de Vladimir Putin nas eleições americanas. Mas você também disse que ele tentou interferir na Alemanha e na Catalunha.
ROB REINER Ele tentou.

CONTINENTE Mas de que forma?
ROB REINER Não sabemos direito ainda. Porque com a guerra cibernética e as redes sociais, é complicado. Precisamos tentar entender qual o objetivo de Putin: desestabilizar democracias, desestabilizar a Europa, romper a OTAN, desfazer a União Europeia. Com a Catalunha pode ser diferente. Mas qualquer separatismo desestabiliza a força que temos quando estamos juntos. O isolacionismo é construir um muro – literalmente, no caso do Trump. Mas não dá para fugir do fato de que estamos todos conectados. É uma comunidade global. A Catalunha querer se separar é bom? Como vai funcionar? Eles vão negociar seus próprios acordos comerciais? Não sei o que vai acontecer lá, mas sei que o objetivo de Putin é a desestabilização.

CONTINENTE No passado, você pensou em se candidatar ao governo da Califórnia. Ainda teria interesse?
ROB REINER Não. Porque eu estou envolvido com a política, estou fazendo política. Mas o que Michelle e eu fazemos no Comitê para Investigar a Rússia é política. Nós lutamos pela derrubada da Proposta 8 na Califórnia, que abriu caminho para o casamento igualitário nos Estados Unidos. Fizemos muitas coisas. Ser eleito é uma boa maneira de fazer as coisas, mas também tem limites. Procuro por coisas nas quais posso ter um efeito.

CONTINENTE O filme fala sobre honestidade e coragem. É bom ser corajoso em Hollywood?
ROB REINER É bom, mas também prejudicial. Quando fiz Meu Querido Presidente, muitos dos meus fãs desapareceram. E há muita gente agora que não está feliz com a maneira como penso. Mas eu não posso evitar. Faço o que tenho de fazer, o que acho que é certo. Só que toda vez que se faz algo político, você aliena pessoas.

CONTINENTE Mas você também pode conquistar pessoas?
ROB REINER Você pode. E, quem sabe, consegue também provocar mudança.

CONTINENTE Quanta mudança um filme pode provocar?
ROB REINER Não muita. Só podemos ser parte do diálogo.

CONTINENTE A polarização está maior do que nunca nos Estados Unidos. E isso se reflete na mídia também, com parte da mídia atacando e outra defendendo o presidente. Há uma nova dimensão dos “fatos alternativos” ou das “fake news”. Qual o significado disso no fim?
ROB REINER No fim, significa que fica cada vez mais difícil para uma imprensa independente e livre divulgar a verdade. E a única maneira de preservar a democracia é ter um público bem-informado. E só teremos um público bem-informado se tivermos uma mídia independente e algum mecanismo com que possamos exterminar as “fake news”. Sempre houve uma parcela lunática. O problema é que agora ela está na tendência dominante, com Alex Jones e outros.

CONTINENTE O filme fala muito de como a mídia tradicional, incluindo os jornais The New York Times e The Washington Post, compraram a versão do governo sobre a Guerra do Iraque. Acha que hoje em dia a mídia tradicional está mais atenta?
ROB REINER Vamos ver o que acontece. No momento, os veículos estão cobrindo os escândalos que estão acontecendo. Vamos ver como fica quando eles tiverem de arriscar seu acesso. É aí que complica. Sabemos o que acontece em Estados autoritários: jornalistas que arriscam seus pescoços são mortos. Não queremos chegar ao ponto em que jornalistas temam por suas vidas se disserem a verdade. O jornalismo tradicional está sob ataque, e isso dá medo.

CONTINENTE Você tem algum favorito entre seus filmes?
ROB REINER O filme que tem mais significado para mim é Conta comigo.


MARIANE MORISAWA é uma jornalista apaixonada por cinema. Vive a duas quadras do Chinese Theater em Hollywood e cobre festivais.

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