Entrevista

“Àiyé é a Terra que abriga as diferenças”

A artista Larissa Conforto, que produziu gigantes da música e hoje se dedica à carreira solo como compositora e instrumentista, fala sobre seu nome artístico e o que tem gerado a partir dele

TEXTO Thaís Schio

14 de Abril de 2020

A artista Larissa Conforto, ou Àyié

A artista Larissa Conforto, ou Àyié

Foto Rodrigo Tinoco/Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]

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Pouco antes de lançar o primeiro disco de sua carreira solo, a instrumentista e produtora carioca Larissa Conforto foi surpreendida por um mundo atônito e – parcialmente – preocupado em estabelecer medidas para a contenção do novo coronavírus. Em isolamento social, assim como outros milhares de artistas, Larissa, ou Àiyé, como se autointitulou na nova empreitada musical, teve a agenda de shows e turnês internacionais canceladas, mas sem alterar o lançamento digital de Gratitrevas (Balaclava Records), disponível, desde o último dia 20 de março, nas mais diversas plataformas de streaming. Por coincidência ou destino, o novo EP tece uma atmosfera intimista “para falar sobre cura, encontrar a luz e a gratidão em um momento de trevas, sombras e dificuldades”, através de uma ousada experimentação sonora que mistura tambores com sintetizadores.

Movida pelo ímpeto de se encontrar nas raízes de sua ancestralidade, divididas entre a Floresta Amazônica e Portugal, lugares onde suas avós nasceram, e pela necessidade de exercitar sua espiritualidade, firmada em um terreiro de umbanda, Àiyé renasce sozinha após o fim da Ventre, banda da qual foi baterista durante seis anos, em conjunto com Gabriel Ventura (guitarra/voz) e Hugo Noguchi (baixo). Em Gratitrevas, a compositora e instrumentista se coloca em pé, à frente de sua potência criativa e imprime sua voz para as urgências de um corpo político, feminista, que se sente, acredita e se coloca em constante movimento. Evidenciando, além da sua paixão e extensa pesquisa pela percussão latino-americana, a sua expertise como produtora artística, de quem já trabalhou com Gilberto Gil, Chico Buarque, Maria Bethânia, Moraes Moreira, entre tantos outros nomes.

Multimídia, as experimentações de Àiyé também pretendem comunicar suas denúncias através do audiovisual, assim como fez no videoclipe de O mito e a caverna, responsável por criar uma narrativa de imersão através de uma sequência de imagens e notícias da atualidade. A faixa, um spoken word composto em conjunto com Vitor Brauer (da banda Lupe de Lupe), foi resultado de uma turnê de quase três meses dentro de um Corsa 96, durante o período pré-eleitoral de 2018, momento também marcado pelas imagens do incêndio que destruiu o Museu Nacional do Brasil. Enquanto que nas outras faixas, as influências estéticas e sonoras perpassam pelo universo de David Lynch, Fiona Apple, Radiohead, Björk e se misturam com Cartola, Alcione, Clara Nunes, Alessandra Leão e tantas outras referências.

Em entrevista à Continente, feita poucos dias antes do lançamento do seu disco, Larissa Conforto, que está passando a quarentena em São Paulo, mas, há pouco mais de um ano, fixou residência em Lisboa, contou sobre os processos de formação de Gratitrevas, sobre o significado de Àiyé, sua trajetória artística e profissional e sobre como o transitar entre Rio de Janeiro, São Paulo, Lisboa e Paris para composição, gravação e produção das músicas ecoam positivamente no disco, apesar das dificuldades, especialmente as de comunicação com Diego Poloni, coprodutor do EP. Conversamos também sobre artivismo, ancestralidade e como a música salvou sua vida.



CONTINENTE Em O mito e a caverna, você fala sobre fogo, como o dos incêndios na Amazônia, e dessa ausência do poder público. Fiquei me perguntando: como tem sido essa quarentena para você? Quais suas impressões?
LARISSA CONFORTO/ÀIYÉ Pois é, O mito e a caverna é um manifesto antifascista que faz um paralelo da Alegoria da caverna, de Platão, com a construção desse “mito” que começa a cair com a iminência dessa pandemia. Estamos no meio de uma crise global e o nosso presidente, “o grande mito”, simplesmente ignora tudo isso, tendo uma relação genocida com o que está acontecendo no mundo. A quarentena foi um baque muito grande para mim. Eu vim para São Paulo para cumprir agenda, fazer um monte de entrevistas, que foram canceladas, um monte de sessions... Tinha três shows marcados aqui e depois iria pegar um voo para fazer uma turnê no Japão, sabe? (risos) Eu vim de mala e cuia. Depois disso, ia voltar direto para Portugal e já tava organizando uma turnê europeia, passando por Berlim, Londres, Portugal e Espanha. De repente, tudo foi cancelado e umas histórias pavorosas dos meus amigos na Itália e em Portugal começaram a aparecer, fechando fronteiras. Nunca vi um vírus fechar o Louvre, fechar a Disney e esse cara segue negando tudo. Estou de favor na casa de amigos, em São Paulo, com mais cinco pessoas, vendo filmes, fazendo música e muito focada no lançamento do disco. Estou aprendendo a tocar as músicas na guitarra, para poder fazer live sessions e consumindo muito conteúdo que está sendo produzido. Mas acho importante ressaltar que agora é preciso estar em casa e ter consciência de que, mesmo não estando em grupo de risco, podemos contaminar ou ter, sim, complicações. Essa consciência é muito importante. E a gente que tem o privilégio de poder ficar em casa, precisa usar isso em favor da sociedade. Eu ainda estou entendendo o que está acontecendo. Na minha cabeça, a primeira coisa que vem é uma reflexão da gente enquanto espécie mesmo. Em um momento de ascensão do fascismo no mundo, em que a Europa está altamente preconceituosa, com muita xenofobia, misoginia, muitos preconceitos étnicos e territoriais, vem um vírus que não discrimina credo, cor, nem feições ou territorialidade… O que a gente pode aprender com isso? Será que não é o momento forçado para toda a humanidade dar um salto quântico em relação às velhas ideias, aos velhos conceitos? Será que não está na hora de a gente abrir a cabeça? Também tem essas notícias de que os animais começaram a tomar conta das ruas. Tipo os javalis na Itália, os patos e as águas de Veneza que começaram a ficar claras e limpas... Talvez a gente seja parasita do mundo, né? Então a gente precisa pensar em uma outra forma de estar e viver no mundo.

CONTINENTE Como a música surgiu na sua vida? Para onde ela já te levou?
LARISSA CONFORTO/ÀIYÉ Eu comecei a tocar com 13 anos de idade. Não tenho família de músicos nem nada disso, minha mãe é professora de surdos, ela é socióloga, e meu pai é cientista político e advogado trabalhista. Não tive um incentivo em casa ou algo assim, mas a música me salvou quando eu era criança, porque passei por uma situação de abuso e foi nas aulinhas de bateria que voltei a ter vontade de viver. Foi muito importante para mim e, desde então, venho de uma carreira de instrumentista, sempre fui baterista e toquei com várias bandas. Eu tocava na Ventre, que acabou com um show no (festival) Lollapalooza, em 2018 . Rodamos bastante, fomos muito a Pernambuco, tocamos no Festival No Ar Coquetel Molotov e foi muito massa. Tenho uma relação muito legal e forte com o Recife, inclusive foi no Recife que dei meu primeiro workshop de bateria só para mulheres. Eu comecei a fazer isso porque percebi que não tinham mulheres na bateria, né? Lá em 2014, quando a gente estava lançando disco da Ventre, era muito solitário ser mulher na música e a relação que eu tinha com a vida profissional de musicista era muito difícil, eu tinha sempre que me provar. Os roadies (técnicos de palco), que teoricamente estavam ali para me ajudar, eram meus inimigos, sabe? Eles estavam me atacando, sempre tinha que ficar negociando, me provando, aquela coisa... Então comecei a fazer um trabalho de base junto às meninas da PWR Records, que, nessa época, estava nascendo e, na verdade, eu acompanhei o começo. A gente ficou um mês na casa da Hannah Carvalho e fazendo uma turnê no Nordeste, dali saíram várias coisas. Passei a dar aulas de forma voluntária para mulheres, eram aulas de ritmo, compasso, bateria. Dei aula no meu estúdio (tinha um estúdio junto com a Ventre em Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro). Eram aulas gratuitas – ou a preço de custo – para pessoas que viviam em comunidades, ou que não podiam pagar. Depois, me tornei voluntária no Girls Rock Camp, um projeto que ensina música para meninas e mulheres. A partir daí, fui me envolvendo em vários coletivos de mulheres na música e, hoje em dia, sou ativista em outros grupos de ativismo climático, enfim. Mas acho que a música me levou muito para esse lugar do exercício da política, porque acho que ser artista é uma dádiva, claro, mas uma responsabilidade muito grande. A gente tem um poder e uma potência revolucionária, sabe? Estamos falando e tem gente ouvindo e é muito importante estarmos conectadas com as urgências do planeta.



CONTINENTE E como musicista, para onde você foi?
LARISSA CONFORTO/ÀIYÉ Já toquei com vários artistas: Tiê, Thiago Pethit e hoje toco com Paulinho Moska, um compositor que admiro muito e é um grande mestre para mim. Engraçado, minha mãe era fã dele quando eu era criança. Eu nunca trabalhei com outra coisa que não fosse música. Sou formada em produção fonográfica e fiz especialização em mercado da música, trabalhei em duas gravadoras no Rio de Janeiro. Primeiro, a Biscoito Fino, que é bem MPB, então trabalhei com Gilberto Gil, Chico Buarque, Maria Bethânia, Moraes Moreira, Edu Lobo, Rita Lee e um monte de nomes gigantescos, uma experiência forte e linda para mim. Depois, fui trabalhar na DeckDisc, outra lógica, trabalhei com a Pitty, lancei o Naldo, sabe a música Amor de chocolate? É engraçado. Trabalhei com o Alceu Valença, que me chamava de Mallu Magalhães (risos). Foi muito maravilhosa essa época de produtora artística, trabalhando em gravadora, todo dia no estúdio, aprendendo com um monte de gente importante nessa cadeia da música. Mas me desiludi muito com o mercado, fiquei muito triste quando entendi algumas regras e como funciona e, cada vez mais, fui me colocando como uma artista, instrumentista. Nunca parei de tocar bateria, mas uma hora larguei o emprego fixo para lançar o disco da Ventre. Minha mira sempre foi ser uma artista independente que estivesse conectada com uma nova forma de fazer as coisas girarem, sabe? Um mercado não monopolizado, horizontal, com espaço para todos. E como se cria espaço para todos? Como que se circula? Sempre fui da teoria das pequenas cadeias, micropolítica... Foi por aí que a música me levou.

CONTINENTE Por que Àiyé?
LARISSA CONFORTO/ÀIYÉ Àiyé quer dizer “terra” em iorubá, mas não é “terra” como a gente costuma pensar, ou seja, não é o elemento terra e nem o território, embora também englobe tudo isso. Àiyé é o mundo físico, contraponto de Orun, que é o mundo espiritual. Àiyé é a Terra que abriga as diferenças, é onde habitam os corpos encarnados e múltiplos, formando a grande unidade que é o mundo espiritual. Àiyé é essa materialização do mundo espiritual e aqui na Terra tudo acontece em espelho com ele. É muito sobre o lugar da diversidade dentro da unidade, também sobre como é preciso respeitar as diferenças. Tem muito a ver com o meu encontro com a umbanda, com minha busca espiritual de cura interna e com a busca pela minha ancestralidade, pelas raízes, pelos ritmos e rituais ancestrais latino-americanos, e como eles estão relacionados com a nossa vida de agora. Tem muito a ver com um processo de autoconhecimento, com o fato de ser uma futura ancestral, ou seja, alguém que vai deixar o mundo para as próximas gerações, entendendo que as gerações passadas lutaram muito para que a gente pudesse ter os direitos e confortos de agora. Porque, se hoje, como mulher, posso votar, andar na rua e correr atrás dos meus sonhos, é porque minhas ancestrais lutaram muito por isso, por esses direitos que hoje são básicos – e ainda faltam muitos. Então, nosso dever é lutar muito para que as próximas gerações tenham e nos agradeçam enquanto ancestrais.

CONTINENTE Como foi o processo de surgimento de Àiyé?
LARISSA CONFORTO/ÀIYÉ Esse processo todo surgiu da vontade de falar das minhas urgências, das minhas pesquisas. Sempre fui baterista, percussionista, fazia back vocal, mas nunca compositora. Depois de muito apoiar diversos compositores e estar sempre no papel de produtora e musicista, percebi que tinham ideias que precisava colocar para fora. Queria muito misturar esses ritmos latino-americanos que venho estudando há mais de 10 anos. Tenho interesse porque acho que o toque do tambor traz histórias que a gente esqueceu, histórias que estão sendo apagadas por esse governo e por esse sistema que só exclui, discrimina e criminaliza as pessoas. Então, a umbanda trouxe isso também: esse lugar de resgate revolucionário das nossas entidades e as entidades são o retrato das classes marginalizadas pela sociedade. O Preto-velho é o ex-escravo, o Caboclo é um indígena, a Pomba Gira são prostitutas, mulheres que saíam de casa para trabalhar, os Ciganos são andarilhos, pessoas que vivem nas ruas e em movimento. É muito bonita essa reconstrução social da umbanda, uma religião brasileira com raízes africanas, indígenas e cristãs fundada em Niterói (RJ). Por isso, quis trazer esse nome em iorubá. Eu firmei esse disco no meu terreiro, ele foi todo conversado com os meus guias. Mas, além disso, é pra falar sobre cura, encontrar a luz e a gratidão em um momento de trevas, sombras e dificuldades, sabe? É mesmo sobre resiliência e é o primeiro passo também.


Larissa Conforto, ou Àyié. Foto: Rodrigo Tinoco

CONTINENTE Você experimentou suas composições ao vivo, em performances que passaram por Lisboa, Nova York, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, entre outras. De que maneira o transitar por esses lugares afeta sua produção musical?
LARISSA CONFORTO/ÀIYÉ Pois é, foi muito importante para mim. O disco foi composto entre Rio de Janeiro, São Paulo, Lisboa e Paris. Eu fiz shows com as tracks abertas, ou seja, com as gravações abertas e, ao vivo, ia mexendo nas coisas antes de terminar o disco. Esse processo influenciou muito, principalmente levando em consideração que comecei a compor no ano passado, ou seja, a primeira faixa é minha primeira composição da vida. Então, fui testando os arranjos, a produção deles e a forma como eles se comunicavam no palco com públicos muitos variados e diferentes. Acho que da experiência em Lisboa, tirei um enfrentamento grande com minhas raízes portuguesas e essa ideia da colonização, xenofobia, mas também muita esperança. Há um machismo velado que não é discutido e, quando eu chego lá e apresento meu show falando sobre isso, as pessoas se identificam muito. Percebo uma urgência maior de falar sobre isso em Portugal do que, por exemplo, aqui no Brasil, onde eu já estava falando sobre isso há cinco anos, sabe? Ter ido para Nova York me fez crescer como artista e mudar muito, porque também fiz versões das minhas músicas em inglês. Nos 15 dias que fiquei por lá, conheci uns artistas locais que, por coincidência, foram no bar, no dia da minha apresentação, e gostaram tanto que me convidaram, sem me conhecer, para participar de um festival anarquista. Fiz uma performance dentro de uma igreja, na Washington Square Park, uma baita praça, com uma super história. Essas são vivências que estão ecoando em mim até hoje, com certeza, e ecoam no disco. Acho também que o disco não está cristalizado, a gente tira uma foto de um momento para poder chamar de disco, mas o show do disco sempre muda. Estou sempre refazendo, improvisando, mudando as bases. Eu sempre vou colhendo as impressões e experiências das pessoas para me melhorar, é um processo e nada disso está pronto. Nunca tinha experienciado cantar, é a primeira vez que fico em pé num show, é tudo muito novo e a ideia é mudar tudo o tempo todo.

CONTINENTE Semente foi a primeira música que você fez na vida. Apesar de ser a mais antiga das composições, é uma música que fala mais sobre permanências do que mudanças. Quando você observa o passado, quer dizer, a passagem pela Ventre e outras tantas histórias que te atravessaram, o que você sente que mais mudou e o que você sente que permaneceu?
LARISSA CONFORTO/ÀIYÉ Semente é sobre permanecer, realmente. Terra traz essa ideia de semear e brotar. Esse elemento é bem forte pra mim e para Àiyé. Eu sou bem taurina, bem terrena, embora esteja sempre na estrada, na mudança, no movimento. Engraçado, eu sempre fui matriarca, até mesmo na época da Ventre. Tinha minha casa, recebia muita gente, tinha estúdio, recebia muita gente no estúdio, sempre fui essa mãe de Touro que recebe e gosta de cozinhar para todos. Também sempre fui muito cheia das certezas, com uma noção de justiça muito forte, muito combativa e raivosa (o que é positivo e legítimo), mas a Larissa de hoje é mais fluida, se adapta mais. Hoje, eu não tenho uma casa, as minhas coisas estão em Lisboa, mas minha casa foi alugada e estou vivendo em uma mochila há alguns meses. Transitando entre várias casas e aprendendo a lidar com o outro. A Larissa que recebia, servia e cuidava agora é cuidada, aprende a receber e a habitar outros espaços, além de viver mais só. Claro, sempre fui muito rodeada de gente, tenho muitos amigos, mas minha vida é sozinha, estou na estrada sozinha, pego avião sozinha, ninguém me espera no aeroporto, volto para casa sem ninguém sabendo a hora que vou chegar e sair. Aprendi a viver sem um ponto fixo, a fluir pelas estradas, mas como tenho um Exu Tranca-rua que me ajuda muito com esses caminhos e um Erê filho de Oxalá, a gente consegue se entender. Também aprendi a mudar minhas certezas de lugar e dialogar, mais do que combater. Acho que isso também vem com a maturidade, com os erros, a gente aprende errando. As coisas que a gente acerta, nem lembra.

CONTINENTE Terreiro é uma das faixas mais potentes do álbum. Fiquei curiosa para saber se houve um momento na sua vida que você encontrou a umbanda ou se foi um processo mais natural.
LARISSA CONFORTO/ÀIYÉ Eu amo essa música (risos). Só fui descobrir a umbanda quando me mudei para São Paulo, em 2017. Demorou um tempo para me firmar no terreiro, mas engraçado, porque quem me levou para a umbanda foi um ritual de ayahuasca, que abriu os meus caminhos para a espiritualidade. Eu já compreendia isso dentro do âmbito mental, ou seja, que pensa com palavras e linguagem, mas há outra camada de compreensão energética. É aquela coisa de entrar em um lugar e perceber a densidade das energias. Nunca tive isso, sempre fui muito cabeça, nunca fui batizada, nem tive referência de religião em casa – meus pais são ateus e tive uma família comunista. Sempre gostei muito de filosofia, psicanálise, Jung, astrologia... Minha avó, quando morreu, me deixou 47 tarôs de lugares muito diferentes e esse misticismo foi entrando na minha vida até um ponto em que a ayahuasca, dentro de um ritual Tukano, abriu os meus chacras, como se um corpo novo começasse a habitar meu corpo físico. Cheguei no terreiro sem entender nada, fiz muitas aulas para saber o que era, qual era a história, porque aquela era minha maneira de ter acesso de uma forma respeitosa até conseguir praticar. É óbvio que a espiritualidade é muito poderosa e pode ser usada por gente de má índole, cujo objetivo é enriquecer, mas existe um lado muito lindo de resgate e, para mim, foi a coisa mais revolucionária que aconteceu na minha vida. A grande revolução é posta pelo mundo da espiritualidade, feita para a gente se unir e se reconhecer. Estamos vivendo em uma crise identitária muito grande e, quando você entra em contato com a umbanda, existe a oportunidade de acessar um conhecimento poderoso, forte, transformador, é amor purinho.

THAÍS SCHIO é jornalista em formação pela Universidade Católica de Pernambuco.

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