Custódia trata da batalha do ex-casal Miriam (Léa Drucker) e Antoine (Denis Ménochet) pela guarda do filho Julien (Thomas Gioria). Miriam acusa o ex de ser violento, mas a juíza acaba concedendo a guarda compartilhada. Julien, por sua vez, se divide entre os dois, à medida que os fatos vão sendo revelados aos poucos, numa estrutura dramática cheia de suspense e elementos de terror.
É um filme sufocante sobre uma relação doentia, o divórcio e a violência doméstica, baseado num curta do diretor, Avant que de tout perdre (2013), indicado ao Oscar na categoria. Legrand conversou com a Continente durante o Festival de Zurique, de onde saiu com uma menção honrosa.
Cena judicial do longa Custódia. Foto: Reprodução
CONTINENTEO filme é uma expansão do seu curta-metragem. Mas por que se interessou por este tema originalmente? XAVIER LEGRAND Porque é um tema muito atual na sociedade, é algo que acontece todos os dias na França e em outros países. E é um assunto com o qual estou preocupado enquanto cidadão, acho importante os homens falarem sobre isso, não apenas as mulheres.
CONTINENTEQuais os desafios de expandir os temas de um curta num longa? XAVIER LEGRAND É uma maneira diferente de contar a história. A base do meu projeto original era fazer uma trilogia de curtas. O meu curta é sobre uma mulher que foge do seu marido. Basicamente é isso. E aí percebi que, em vez de fazer outros dois curtas, que seguiriam a mulher depois disso e a questão da custódia dos filhos, decidi fazer um longa, porque era uma forma melhor de contar essas duas histórias.
CONTINENTEO filme, claro, é um drama, mas tem muitos elementos de suspense e de terror. Por que decidiu estruturá-lo assim? XAVIER LEGRAND Fiz uma preparação muito longa e acabei achando que era a melhor maneira de fazer, porque começa com um julgamento, no começo do filme, e daí contamos a história. Para mim, era a melhor forma. Exatamente por essa razão comecei nesta sala de tribunal, um ambiente apertado e estéril, um lugar neutro, terminando numa banheira, que é um elemento clássico do terror.
CONTINENTE Antoine é apresentado aos poucos. Em princípio, não dá para saber direito quem está contando a verdade, por exemplo. Pode falar sobre essa construção? XAVIER LEGRAND Homens assim sofrem de uma patologia e não começam praticando violência física de cara, normalmente. Eles começam mentindo, talvez até mentindo para si mesmos, enganando, tentando manipular. Se não conseguem o que querem, acabam apelando para a violência física. Por isso, fiz do espectador o juiz do filme. Ele consegue convencer a juíza a lhe dar custódia compartilhada do filho, então o vemos com o menino toda semana ou a cada duas semanas. Seguimos cada passo até sua explosão em violência. Na verdade, descobrimos que o homem só quer ter custódia do filho para poder ter acesso à sua ex-mulher novamente.
CONTINENTE E normalmente todas essas coisas acontecem escondidas da sociedade. XAVIER LEGRAND Exatamente. As portas fechadas são importantes no filme, como você deve ter percebido.
CONTINENTE Como foi o trabalho com o menino Thomas Gioria, já que é um assunto delicado? XAVIER LEGRAND Foi um processo longo. Foi difícil, mas é preciso ter paciência. Tive de escolher o menino certo, talentoso e que entendia o que precisava ser feito. Contamos a ele toda a história do personagem, escrevemos algumas partes juntos. E transformamos as situações – o choro, o cansaço, o medo – em algo mais lúdico, que parecesse brincadeira. Isso funcionou muito bem. Eu interpretei o pai antes de o ator Denis Ménochet chegar, para Thomas se acostumar com as situações, e depois Thomas trabalhou com Denis também.
Thomas Gioria vive Julien, um menino dividido entre os pais. Foto: Reprodução
CONTINENTE Você mencionou sua preparação. Em que ela consistiu? XAVIER LEGRAND Procurei realmente compreender o tema, que é bastante complexo. Conversei com as pessoas envolvidas no processo, os juízes, as mulheres vítimas de violência doméstica, também os homens encarcerados por terem cometido violência doméstica, e as crianças e quem cuida delas depois disso. Tentei conhecer todos os lados para realmente poder contar a história.
CONTINENTE Depois dessa pesquisa, acredita que o sistema é falho na defesa de mulheres e crianças atacadas por esses homens violentos? XAVIER LEGRAND Certamente. É um grande problema na França e provavelmente em muitos outros países. Na França, temos abrigos específicos para mulheres que não podem voltar para casa e talvez devêssemos criar a mesma coisa para homens violentos, a fim de mantê-los longe das mulheres e crianças. Há muito o que fazer.
CONTINENTE Acredita que falar desses assuntos no cinema ajuda a criar consciência sobre o problema? XAVIER LEGRAND Claro que é apenas um filme, e filmes não mudam o mundo, mas espero que vejam e fiquem tocados. E que talvez inspire que alguém a fazer alguma coisa para ajudar. Ou que, pelo menos, mude a maneira de pensar de algumas pessoas.
MARIANE MORISAWA, apaixonada por cinema. Vive a duas quadras do Chinese Theater em Hollywood e cobre festivais.