Entrevista

“Acho importante os homens falarem sobre isso"

Diretor de 'Custódia', em cartaz no Brasil, Xavier Legrand conversou com a Continente sobre a construção do filme que trata de guarda de filho e violência doméstica sob a perspectiva masculina

TEXTO MARIANE MORISAWA, DE ZURIQUE

10 de Julho de 2018

O cineasta Xavier Legrand, de 39 anos

O cineasta Xavier Legrand, de 39 anos

Foto Reprodução

Ator de filmes como Amantes constantes (2005), de Philippe Garrel, Xavier Legrand está tendo uma estreia e tanto no circuito de longas-metragens com Custódia, em cartaz no Brasil. Além de ter ganho o prêmio Luigi De Laurentiis (para primeiros filmes), o cineasta francês saiu com o Leão de Prata de direção no último Festival de Veneza por conta de sua história em torno de uma briga familiar.

Custódia trata da batalha do ex-casal Miriam (Léa Drucker) e Antoine (Denis Ménochet) pela guarda do filho Julien (Thomas Gioria). Miriam acusa o ex de ser violento, mas a juíza acaba concedendo a guarda compartilhada. Julien, por sua vez, se divide entre os dois, à medida que os fatos vão sendo revelados aos poucos, numa estrutura dramática cheia de suspense e elementos de terror.

É um filme sufocante sobre uma relação doentia, o divórcio e a violência doméstica, baseado num curta do diretor, Avant que de tout perdre (2013), indicado ao Oscar na categoria. Legrand conversou com a Continente durante o Festival de Zurique, de onde saiu com uma menção honrosa.


Cena judicial do longa Custódia. Foto: Reprodução

CONTINENTE O filme é uma expansão do seu curta-metragem. Mas por que se interessou por este tema originalmente?
XAVIER LEGRAND Porque é um tema muito atual na sociedade, é algo que acontece todos os dias na França e em outros países. E é um assunto com o qual estou preocupado enquanto cidadão, acho importante os homens falarem sobre isso, não apenas as mulheres.

CONTINENTE Quais os desafios de expandir os temas de um curta num longa?
XAVIER LEGRAND É uma maneira diferente de contar a história. A base do meu projeto original era fazer uma trilogia de curtas. O meu curta é sobre uma mulher que foge do seu marido. Basicamente é isso. E aí percebi que, em vez de fazer outros dois curtas, que seguiriam a mulher depois disso e a questão da custódia dos filhos, decidi fazer um longa, porque era uma forma melhor de contar essas duas histórias.

CONTINENTE O filme, claro, é um drama, mas tem muitos elementos de suspense e de terror. Por que decidiu estruturá-lo assim?
XAVIER LEGRAND Fiz uma preparação muito longa e acabei achando que era a melhor maneira de fazer, porque começa com um julgamento, no começo do filme, e daí contamos a história. Para mim, era a melhor forma. Exatamente por essa razão comecei nesta sala de tribunal, um ambiente apertado e estéril, um lugar neutro, terminando numa banheira, que é um elemento clássico do terror.



CONTINENTE Antoine é apresentado aos poucos. Em princípio, não dá para saber direito quem está contando a verdade, por exemplo. Pode falar sobre essa construção?
XAVIER LEGRAND Homens assim sofrem de uma patologia e não começam praticando violência física de cara, normalmente. Eles começam mentindo, talvez até mentindo para si mesmos, enganando, tentando manipular. Se não conseguem o que querem, acabam apelando para a violência física. Por isso, fiz do espectador o juiz do filme. Ele consegue convencer a juíza a lhe dar custódia compartilhada do filho, então o vemos com o menino toda semana ou a cada duas semanas. Seguimos cada passo até sua explosão em violência. Na verdade, descobrimos que o homem só quer ter custódia do filho para poder ter acesso à sua ex-mulher novamente.

CONTINENTE E normalmente todas essas coisas acontecem escondidas da sociedade.
XAVIER LEGRAND Exatamente. As portas fechadas são importantes no filme, como você deve ter percebido.

CONTINENTE Como foi o trabalho com o menino Thomas Gioria, já que é um assunto delicado?
XAVIER LEGRAND Foi um processo longo. Foi difícil, mas é preciso ter paciência. Tive de escolher o menino certo, talentoso e que entendia o que precisava ser feito. Contamos a ele toda a história do personagem, escrevemos algumas partes juntos. E transformamos as situações – o choro, o cansaço, o medo – em algo mais lúdico, que parecesse brincadeira. Isso funcionou muito bem. Eu interpretei o pai antes de o ator Denis Ménochet chegar, para Thomas se acostumar com as situações, e depois Thomas trabalhou com Denis também.


Thomas Gioria vive Julien, um menino dividido entre os pais. Foto: Reprodução

CONTINENTE Você mencionou sua preparação. Em que ela consistiu?
XAVIER LEGRAND Procurei realmente compreender o tema, que é bastante complexo. Conversei com as pessoas envolvidas no processo, os juízes, as mulheres vítimas de violência doméstica, também os homens encarcerados por terem cometido violência doméstica, e as crianças e quem cuida delas depois disso. Tentei conhecer todos os lados para realmente poder contar a história.

CONTINENTE Depois dessa pesquisa, acredita que o sistema é falho na defesa de mulheres e crianças atacadas por esses homens violentos?
XAVIER LEGRAND Certamente. É um grande problema na França e provavelmente em muitos outros países. Na França, temos abrigos específicos para mulheres que não podem voltar para casa e talvez devêssemos criar a mesma coisa para homens violentos, a fim de mantê-los longe das mulheres e crianças. Há muito o que fazer.

CONTINENTE Acredita que falar desses assuntos no cinema ajuda a criar consciência sobre o problema?
XAVIER LEGRAND Claro que é apenas um filme, e filmes não mudam o mundo, mas espero que vejam e fiquem tocados. E que talvez inspire que alguém a fazer alguma coisa para ajudar. Ou que, pelo menos, mude a maneira de pensar de algumas pessoas.

MARIANE MORISAWA, apaixonada por cinema. Vive a duas quadras do Chinese Theater em Hollywood e cobre festivais.

Publicidade

veja também

“O que eu ouvia é que isso não era uma profissão” [parte 2]

“O que eu ouvia é que isso não era uma profissão” [parte 1]

“Arte demanda um completo sacrifício”