Entrevista

Além do apenas histórico e geográfico

O antropólogo Luiz Nilton Corrêa, doutor pela Universidade de Salamanca, toma posse na presidência do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, fundado em 7 de setembro de 1896

TEXTO Mario Helio

21 de Outubro de 2025

O antropólogo Luiz Nilton Corrêa

O antropólogo Luiz Nilton Corrêa

Foto Divulgação

Entre as instituições culturais centenárias do Brasil, os institutos históricos se destacam não apenas pela longevidade. Pelas publicações e o trabalho em prol da história, geografia, arqueologia e antropologia. O de Santa Catarina, por exemplo, às vésperas de completar 130 anos, publica sua revista desde 1902 e é um dos órgãos de cultura mais atuantes daquele estado. No próximo dia 29 deste mês, toma posse um novo presidente eleito, o jovem antropólogo Luiz Nilton Corrêa, doutor pela Universidade de Salamanca, e mestre pela Universidade dos Açores. Até muito recentemente, ele presidiu o Conselho Estadual de Cultura de Santa Catarina.

Além das atividades como gestor cultural – inclusive na área de museologia e patrimônio –, da organização de eventos acadêmicos, pesquisa e docência, ele vem publicando obras de história e antropologia. Um dos seus livros mais singulares é Cultura: Em 250 conceitos e definições (há duas edições: uma em português, outra em inglês. Essa e outras obras suas estão disponíveis na Amazon).

Nesta entrevista à Continente, Luiz Nilton Corrêa comenta os seus livros, questões relacionadas a museus, patrimônio e festas populares. E fala sobre o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, que foi fundado em 7 de setembro de 1896, e tem por objetivos “pesquisar, investigar, interpretar e divulgar fatos históricos, geográficos, etnográficos, arqueológicos, genealógicos e das demais ciências afins à História e à Geografia, relacionados com o Estado de Santa Catarina”.

CONTINENTE O que significa para você fazer parte do IHGSC e, a partir do próximo dia 29 de outubro, presidi-lo?
LUIZ NILTON CORRÊA
O Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina é uma instituição centenária que fez parte da formação histórica, geográfica, política e cultural de Santa Catarina. Desde a formação das fronteiras, no âmbito das disputas entre Santa Catarina e Paraná, que deram origem à região do Contestado, até a revisão da data de fundação de Florianópolis, que, antes de 2015, considerava-se como 1726, e a partir de então, passou a considerar-se oficialmente 1673. A instituição participou de inúmeras ações dentro e fora do estado, chegando ao âmbito internacional na organização de eventos culturais e acadêmicos que marcaram sua trajetória. Teve como seu primeiro presidente Hercílio Luz (1860-1924), que governou (presidiu) Santa Catarina por três mandatos.

Assumir a presidência do IHGSC, ao lado de um grupo de pesquisadores e intelectuais, como os jornalistas Moacir Pereira ou Marli Cristina Scomazzon, pesquisadores como Marcelo Veira, Sergio Luiz Ferreira, ou ainda nomes como o de Rafael Nogueira e tantos outros que compõem a nova diretoria da instituição, é uma honra e uma responsabilidade sem igual. Cadeira já antes ocupada por grandes vultos da historiografia catarinense, além do já citado Hercílio Luz, também José Boiteux, um dos fundadores do Instituto, passando por Walter Piazza e Carlos Humberto Corrêa.

Nos últimos dez anos, estive sempre ao lado do Professor Zeferino, presidente que termina seu mandato, após várias reconduções, e consequentemente, me deu um grande aprendizado e me fez vislumbrar muitos projetos que poderiam e serão executados neste futuro mandato. Juntos implantamos o Programa de Estágio de Pós-Doutorado IHGSC, que rendeu muitos artigos e pesquisa, promovemos congressos internacionais, foram firmadas diversas parcerias entre instituições nacionais e internacionais, e tantos outros feitos.

Os projetos para o novo mandato são muitos, desde o estabelecimento de parcerias com instituições congêneres, a nível nacional e internacional, até a reformulação dos periódicos do Instituto, a consolidação do museu do Instituto, homenagens e efemérides, encontros e congressos internacionais, até a criação de formações e cursos no escopo da instituição. As possibilidades são muitas, o desafio é imenso, mas a força do Instituto e parceria entre seus membros nos fazem vislumbrar grandes perspectivas.

CONTINENTE Por que você tomou a iniciativa de tentar reunir num mesmo volume todas as definições de cultura existentes?
LUIZ NILTON CORRÊA Como antropólogo, meu objeto de estudo é a Cultura. No entanto, em todas as minhas aulas e pesquisas, os conceitos e as definições de cultura me pareceram sempre muito imprecisas e voláteis. Desde os trabalhos mais básicos sobre o termo, até os mais elaborados, não havia uma definição que pudesse ser mencionada em um único parágrafo. Apesar de existirem várias e comuns, a definição de cultura de Tylor, produzida há mais de 150 anos, continua sendo a mais citada. Mas o objetivo inicial era escrever algo básico, simples, para que estudantes de diversas áreas pudessem abrir um pequeno livro e encontrar, nas primeiras páginas, algumas definições úteis, sem a necessidade de ler longos textos para interpretar e, sim, por si mesmos conseguirem entender o que é cultura. Ao menos foi assim que comecei.

CONTINENTE Algo lhe surpreendeu na sua pesquisa? Alguma definição, em particular, que lhe tenha chamado a atenção e que valha a pena destacar ou comentar mais largamente?
LUIZ NILTON CORRÊA Há curiosidades que fui descobrindo ao longo do levantamento. Uma delas é o fato de que, atualmente, não há tanto interesse por este conceito ou definição por parte dos antropólogos. A maioria das definições mais recentes estão em obras de economia ou marketing. Surpreendi-me com o culturalismo norte-americano, como a busca e os estudos das definições de cultura ganharam um papel fundamental nas primeiras décadas do século XX, sobretudo nos Estados Unidos da América. É uma definição ocidental, surgida no tripé América, Alemanha e Inglaterra. Depois, uma outra curiosidade tem a ver com o famoso artigo Superorgânico de Kroeber, por exemplo, onde nitidamente ele fala de civilização como sinônimo de cultura, mencionando este último termo apenas seis vezes, enquanto o primeiro é mencionado 51 vezes.

CONTINENTE Além do seu trabalho como pesquisador e professor, você também se dedicado à promoção de eventos acadêmicos e culturais.
LUIZ NILTON CORRÊA Desde muito jovem, eu tive iniciativa na promoção e organização de eventos, e como não sou de áreas administrativas, tudo era sempre muito natural e orgânico. Os problemas nem eram imaginados, surgiam e eram resolvidos. Mas, com o tempo, passei a aprender melhor a organizar projetos, ao ponto de produzir um pequeno livro sobre projetos de pesquisa. Há uma semelhança muito grande entre organizar um evento com público considerável e projetar um trabalho de pesquisa. E foi em Salamanca onde isto se encontrou, desde 2008, quando ajudei na organização dos Congressos Internacionais de Antropologia Ibero-americana. Depois, coordenei vários outros eventos científicos, sejam eles voltados a comemorações históricas, como o Congresso Internacional dos 250 Anos da Presença Açoriana em Santa Catarina, ou dos 400 anos da presença açoriana no Maranhão. Mas são os congressos de antropologia que mais me atraem. Os últimos têm tido grande sucesso. Mais recentemente: XXVII Congresso Internacional de Antropologia Ibero-americana, a se realizar em Leiria (2023), o II Congresso Internacional de Judaísmo e Interculturalidade em Penamacor (também em 2023) e o XXVIII Congresso de Antropologia de 2024 em Salto Veloso, no interior do estado de Santa Catarina.

CONTINENTE O seu trabalho de doutoramento versa sobre uma festa popular que se realiza em várias partes do Brasil. O que isso ensina sobre a unidade cultural do país, a importância da cultura ibérica, as particularidades regionais e a falsa dicotomia norte-sul?
LUIZ NILTON CORRÊA Faz poucos anos fui convidado pelo professor Angel Aguirre, de Barcelona, para produzir um verbete para seu Dicionário Temático de Antropologia Cultural. O Verbete “Comunidade Cultural” é um exemplo claro de como as manifestações culturais agem sobre a identidade das comunidades. Primeiramente, é importante diferenciar comunidade de sociedade, e feito isto, podemos dizer que um indivíduo pode fazer parte da sociedade americana ou canadense, mas pertencer à comunidade judaica ou açoriana. Meu tema de doutorado fala um pouco sobre estas questões, utilizando as Festas do Divino Espírito Santo como cenário, e demostrando de forma clara como uma manifestação religiosa, que tem vindo a se transformar em marco identitário, produz coesão e identidade de grupo sobre descendentes e naturais do Arquipélago dos Açores, sejam eles residentes nos Açores, Brasil, Bermudas, Estados Unidos ou Canadá. Todos se identificam com sua terra natal com base na reprodução da festa em louvor à santíssima Trindade.

CONTINENTE Você também tem atuado como gestor público, especialmente no âmbito de instituições voltadas para a história e o patrimônio. Quais os maiores desafios?
LUIZ NILTON CORRÊA Depois de mais de uma década a viver em Portugal e Espanha, onde fiz minha formação, ao regressar ao Brasil, ingressei no Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, e foi partindo daí que passei a participar no setor público, primeiramente no Conselho Estadual de Cultura, em Santa Catarina, depois, como gerente da Fundação Catarinense de Cultura, e tive a oportunidade de presidir comissões que publicaram diferentes editais de fomento à cultura. Nesses editais foi possível entender o difícil e importante papel dos agentes culturais na sociedade civil. Foi um período de grande aprendizado, sobretudo no contexto da Covid-19, onde era emergente a necessidade de editais culturais produzidos em socorro do setor cultural e seus agentes.

CONTINENTE Os museus e a museologia lhe interessam como campo de pesquisa e de gestão. Qual o futuro dos museus num país como o Brasil?
LUIZ NILTON CORRÊA Uma parte modesta de minha formação está relacionada a museus. Um bacharelado no Brasil e uma especialização em Portugal, mas meu interesse pela museologia surge com força no contexto dos museus de empresas, sobretudo os de empresas privadas. Embora não seja um tipo próprio de museu reconhecido pela museologia no Brasil, em países como Itália ou Estados Unidos é claramente diferenciado dos outros tipos de museus, sobretudo por seus objetivos econômicos, à medida que servem, principalmente, como um contato entre a empresa privada e a sociedade. É interessante como em Espanha, por exemplo, encontramos dezenas de obras sobre museologia, que não se limitam a enumerar museus nem os descrever, mas desenvolver e aprofundar diferentes temas e áreas da museologia, algo que no Brasil ainda está por surgir. Mas é nítido os esforços com a imensa quantidade de museólogos surgindo a cada ano, e inevitavelmente, tanto a museologia quanto os museus no Brasil terão um futuro próspero e pujante.

MARIO HELIO, editor das revistas Continente e Pernambuco

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