Entrevista

"O que me atraiu na música foram os momentos de liberdade"

O músico e compositor carioca Antonio Neves fala sobre seu novo álbum e reflete sobre o lugar dos músicos hoje no Brasil

TEXTO Thaís Schio

25 de Março de 2021

Antonio que, além de bateria, também toca trombone

Antonio que, além de bateria, também toca trombone

FOTO Lucas Martins/Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]

“Tudo começou com uma noite de insônia depois de assistir o documentário do Quincy Jones”, era o que dizia o release de lançamento de A pegada agora é essa (2021), novo álbum do trombonista, baterista e compositor carioca Antonio Neves. Àquela altura da leitura, escutava, em paralelo, Forte Apache, quinta faixa do disco, com participação especial do bandolinista Hamilton de Holanda – que, até o momento desta publicação, reunia cerca de 26 mil reproduções no Spotify. Curiosa pela menção à lenda musical que é Quincy Jones, pausei a música e me empenhei na tarefa de assistir tal documentário, afinal de contas, havia sido esse o ponto de partida para Antonio Neves.

Ainda nos primeiros minutos do longa-metragem, dirigido por sua filha Rashida Jones, o mestre Quincy é questionado sobre sua trajetória artística, respondendo, sem rodeios: “saber sua origem ajuda você a chegar aonde quer”. Produtor musical, arranjador, multi-instrumentista e maestro, o norte-americano, que trabalhou ao lado de artistas como Michael Jackson e Frank Sinatra, sendo responsável por uma verdadeira revolução dentro da indústria fonográfica, dá não somente uma aula sobre história da música, mas sobre amizade, coletividade e compromisso com sua comunidade.

Entendi ali o que Antonio quis fazer em A pegada agora é essa (The Sway Now), um disco construído em conjunto com amigos e artistas de seu entorno, pessoas que admira musicalmente, como, por exemplo, Marcos Esguleba, percussionista que comanda a bateria da Unidos da Tijuca há 40 anos, o saxofonista Leo Gandelman, o flautista Edu Neves, as cantoras Alice Caymmi e Ana Frango Elétrico, também Maria Leda de Oliveira, “que o cuidou na sua primeira infância”. Figuras que, de maneira direta e indireta, contribuíram na construção de um “um espaço para invenções, expurgos, delírios, risadas, onde coubesse a massa de toda essa gente que se expande através da expressão”

Lançado em fevereiro deste ano pelo selo britânico Far Out Recordings, mesmo selo de gigantes da música brasileira, como Azymuth, Milton Nascimento, Marcos Valle, e também de apostas mais recentes dentro da cena instrumental, como o pianista pernambucano Amaro Freitas, o segundo disco de Antonio Neves é um trabalho “para frente”, maduro, atravessado pelo jazz, samba, funk carioca, toques do Candomblé  – entre outros ritmos.

Mistura comum para quem cresceu noite carioca adentro. Seja tocando jazz em festas improvisadas na rua (Nova Lapa) ou samba de gafieira na Lapa, bairro tradicional da boemia carioca, a trajetória de Antonio é marcada pela presença constante de musicistas, a exemplo de seu próprio pai, o maestro, flautista e saxofonista Eduardo Neves, que, por sua vez, acompanhou artistas como Hermeto Pascoal, Paulinho da Viola, Luiz Melodia e Maria Bethânia. 

Ainda assim, apesar da imersão dentro do universo de referências musicais de seu pai, Antonio buscou certa autonomia sonora e estética. Com 11 anos de idade, aprendeu a tocar bateria. Aos 21 anos, veio o trombone, juntamente com o bacharelado em música, que nunca chegou a terminar. “Todo mundo pensa que o trombone veio por causa do meu pai, saxofonista e flautista, mas foi por vontade própria. Eu peguei uma matéria dessas optativas, trombone iniciante, com o professor João Luiz Areias, da Orquestra Petrobras. Quando vi, já estava fazendo trabalho de trombone e mal sabia ler uma partitura (risos)”. 

Em entrevista à Continente, numa tarde de quarta-feira, o jovem carioca, que, há pouco, no final de 2020, completou 30 anos, conversou sobre suas produções autorais. Afinal, se A pegada agora é essa (2021), sucessor do disco de estreia PA7 (2017), é capaz de “confirmar o talento do artista” (apesar de nenhum artista precisar de confirmação), o mesmo trabalho confirma também sua carreira enquanto produtor musical e diretor artístico, já que é o próprio Antonio quem assina suas criações. Na conversa, também falamos sobre Quincy Jones, o mercado de música instrumental brasileira, a onda de beats lo-fi e Ana Frango Elétrico, de quem, curiosamente, foi arranjador.


Capa do álbum A pegada agora é essa. Foto: Divulgação

CONTINENTE Como a música surgiu na sua vida?
ANTONIO Para mim, foi algo bem natural, porque a música sempre esteve presente. Meu pai, Eduardo Neves, é músico. Um flautista que já tem uma carreira, tocou com diversos artistas, como Hermeto Pascoal, Zeca Pagodinho, Luiz Melodia, entre outros. Ele praticamente me botou para tocar bateria. Acho que fazia parte do sonho dele: ter um filho baterista; um filho músico. Acabei sendo direcionado e a família sempre apoiou, diferente de vários outros amigos que foram repreendidos pelos familiares. Tive sorte, nesse sentido, de vir de uma família de artistas (minha mãe também é artista plástica)... Meu pai abriu meus olhos e meus ouvidos para música, me fez amar isso, né?!

CONTINENTE Você se sentiu pressionado de alguma forma?
ANTONIO Cara, pior que não, porque sempre foi uma realidade: a música enquanto ofício. Não sofri nenhum tipo de pressão; nem na escola. Para mim, sempre fui músico de alguma forma, sempre soube que trilharia por esse caminho, não importa se tocando bateria ou trombone. Não tinha como fugir. A partir do momento que você percebe que ama muito fazer música, você não consegue nunca mais sair.

CONTINENTE Na sua opinião, se torna músico ou se nasce músico?
ANTONIO Eu acho que se nasce músico. Conhecendo meus amigos, acho que todos eles, até os que se descobriram mais tarde, nasceram músicos. Cada um tem o seu tempo, mas existe uma coisa espiritual, um chamado.

CONTINENTE Além da bateria e do trombone, tem algum outro instrumento que você tenha afeto?
ANTONIO Um afeto... gosto muito de trompete. Sempre fui fascinado por vários trompetistas como Lee Morgan, Miles Davis e Silvério Pontes, aqui do Rio [de Janeiro]. E aí, como é um instrumento da mesma família do trombone, peguei um emprestado com Aquiles, grande trompetista, e comecei a estudar. Tô até começando a fazer umas gravações. Ainda não posso dizer que sei tocar, mas é um instrumento que amo muito. Sempre tô vendo uns trompetistas que vêm de São Paulo, como Sidmar e Daniel D'Alcantara.

CONTINENTE Sobre sua formação estética sonora, o que te inspirou nesses 30 anos, não só na música?
ANTONIO Graças às influências do meu pai, que sempre estava escutando música instrumental, jazz, principalmente, eu acabava gostando muito dos trechos de músicas tocados de maneira mais solta, bem livre. Percebi que essa maneira de tocar era possível em vários estilos, não só no jazz. No Samba, por exemplo, reparei que todo mundo improvisa em conjunto, no cavaquinho, percussão, violão, era sempre uma grande festa. No rock também. Acho que é isso: gosto de propor uma ideia para os músicos, mas deixá-los livres para criar. Claro que as coisas feitas amarradinhas são muito bonitas, mas o que sempre me atraiu na música são os momentos de liberdade, de criação independente, dos instrumentistas.

CONTINENTE Do teu lançamento do PA7, de 2017, o que mais mudou em relação ao novo lançamento?
ANTONIO Primeiramente, a instrumentação, porque no PA7 era baixo elétrico e teclados. Já em A pegada agora é essa, quis um timbre de instrumento acústico, baixo acústico, piano acústico. Uma sonoridade mais antiga, digamos assim. Acredito que as músicas tem uma energia mais forte, uma forma mais “para frente” de ser tocada, com mais humor. Já o PA7 trazia melodias mais melancólicas, intimistas, vamos dizer. A pegada agora é essa é mais extravagante, mais livre de alguma forma.

CONTINENTE Você já havia produzido algum outro álbum em alguma outra banda?
ANTONIO É engraçado, porque como comecei na bateria, acabava fazendo mais trabalhos enquanto “sideman”, e não necessariamente produzindo. Cheguei a produzir um disco de um cara chamado Lukash Weblinski, um rock mais alternativo. Mas essa parte de produção só começou a partir do momento que comecei a estudar os harmônicos, estudar trombone, estudar mais os instrumentos, como violão e piano.

CONTINENTE Foi aí que você pensou em lançar o álbum?
ANTONIO Exatamente, isso em 2017, quando já tocava trombone há algum tempo. Aí lancei o primeiro disco, tinha até algumas composições velhas, porque sempre gostei de compor. Antes, até tinha pensado em gravar um disco, mas acho que não estava preparado, sabe? Para organizar tudo.

CONTINENTE Me fala sobre Forte Apache?
ANTONIO Forte Apache é uma música antiga. Nessa época, existia um movimento no Rio chamado Nova Lapa Jazz. Era um movimento de rua. A gente tocava e conseguia juntar, ao redor, cerca de duas mil pessoas toda semana, era muito legal. Aí tinha essa música, uma música que a banda toda gostava. Queria muito gravar, mas deixei para o segundo disco. Ela tem um ar meio árabe, meio hibérico, chamava muito o som de um alaúde, por isso cheguei no bandolim. Fui muito feliz em convidar o Hamilton, realmente me sinto muito honrado por ele ter topado e a música ficado como imaginava, sabe? Aquele som, aquela interpretação dele... Era uma música que estava na gaveta, comecei a fazer ela a partir de uma linha de baixo. Ela também me lembrava um canto indígena, por isso Forte Apache, inspirado num brinquedo da minha infância (até meio controverso, porque era um brinquedo com a problemática da guerra). Só que a música tem um pouco disso, energia frenética, não exatamente da guerra, mas uma tensão em alguns momentos.

CONTINENTE Como foi esse contato com Hamilton de Holanda?
ANTONIO Já cheguei a fazer alguns shows com ele, há algum tempo, substituindo o Xande Figueiredo, no projeto Baile do Almeidinha. Como ele me chamou nessa época, fiquei me sentindo super lisonjeado. Ficamos amigos. O Hamilton é gentil, super doce. Meu pai também toca com ele, por isso temos uma relação quase familiar. Ele topou de primeira, disse: “claro, vou lá sem problema. Qual o dia e a hora?”. Só alegria. Porque o Hamilton de Holanda é uma referência não só do bandolim, um instrumento muito característico do Brasil, mas também é arranjador, um pensador musical, é realmente impressionante. E, acima de tudo, uma pessoa querida.

CONTINENTE Você também tem um trabalho mais lo-fi com o Jules Hiero. Como surge essa parceria com ele?
ANTONIO Conheci o Jules no show da Ana Frango Elétrico, num lugar chamado Fábrica. Ela estava abrindo o show para o Connan Mockasin. Como toquei trombone e percussão, ele veio falar comigo depois do show, em inglês. Meu inglês é meio ruim, mas trocamos uma ideia rápida. Depois disso, ele me ligou, eu estava em casa, morava em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, e como não tinha muito para fazer, falei: “chega aí”. Ele chegou lá em casa com uma fita cassete do primeiro trabalho dele (depois te passo se você quiser ouvir, é muito legal) e, por acaso, na casa em que estava morando, alguém tinha deixado um tocador de fita cassete. Quando coloquei para ouvir, ele disse: “caraca, não acredito, é a primeira vez que vou ouvir na fita cassete, porque eu dou paras pessoas e ninguém tem como ouvir.” Quando coloquei para ouvir, achei curiosa a forma que ele compõe os beats, sabia que precisávamos fazer algo juntos. Acabou que gravamos um disco aqui no Brasil, mas ainda não foi lançado. Devo lançar esse ano também. Daí, ficamos amigos e nos falamos praticamente todo dia (risos). Ele faz parcerias, manda as faixas e eu gravo, aqui de casa, o trombone. E trompete com meu amigo Eduardo Santana da banda AfroJazz. Inclusive, essa música Phew, foi feita dessa maneira, do nada. Muito maneiro. Mais ainda porque nunca tinha trabalhado com esse tipo de música, né? De beat lo-fi.

CONTINENTE Existe esse movimento bem contemporâneo de juntar o beat lo-fi com o jazz, com música eletrônica.
ANTONIO Pois é, os americanos já fazem isso, de juntar jazz com essas bases, há muito tempo, né? Mas, sim, esses beats lo-fi estão muito em evidência. É um tipo de música com muitas playlists e muitos seguidores, um movimento bem interessante. É legal porque você pode adicionar samples de uma orquestra sinfônica tocando, de um jazzman americano tocando piano ou até de um pandeiro brasileiro. Você pode montar, realmente, o que quiser. É a tecnologia e a música cada vez mais próximas. Acho maneiro como muita gente, não só “musicistas”, pode baixar os aplicativos e começar a criar música, fazer seus próprios beats. É muito bom não precisar ter uma formação acadêmica, basta ter uma boa ideia.

CONTINENTE No release, você diz: “Tudo começou com uma noite de insônia depois de assistir o documentário do Quincy Jones”. Fiquei super interessada por essa história, assisti o documentário e queria que você me contasse com mais detalhes.
ANTONIO Então, na época, tinha passado um ano desde a gravação do meu primeiro disco. Já estava com algumas ideias para gravar um disco novo, mas quando vi o documentário… Realmente, fiquei encantado pela forma como Quincy Jones arregimentava as coisas. A forma em que tratava os músicos, sempre dizendo “I love you”, sempre fazendo parcerias. Fiquei marcado por uma das coisas que ele falou sobre como tudo depende do seu “sim” para as suas oportunidades, sabe? De você realmente só pegar e fazer. Aí, eu pensei: “cara, vou tirar essa ideia da minha cabeça, colocar num papel e tirar a ideia do papel”. Eu realmente não consegui dormir depois de assistir. Ele tem uma discografia inacreditável, a quantidade de coisas que ele já produziu, os filmes... Você fica pensando na vida e como dá tempo para fazer tanta coisa. No dia seguinte, acordei e já pensei em todos os músicos que foram chamados para o A Pegada agora é essa, os escolhi, assim, a dedo e comecei a ligar para cada um. Surpreendentemente, todo mundo dizia: “sim, sim, sim, vamos nessa!”. Também liguei para a galera do estúdio e só ouvi: "beleza, cara, vamo fazer!”. Eu falei: “caraca, não é que o Quincy estava certo mesmo” (risos). Era como se fosse a gota d'água que faltava para começar a produção, uma inspiração para querer fazer as coisas, sem medo

CONTINENTE A formação de banda do álbum novo é a mesma de Pa7?
ANTONIO Não, não. Duas pessoas permaneceram, o guitarrista, Gus Levy, que foi até quem me apresentou Ana Frango Elétrico e Joana Queiroz, ela toca clarone nos dois discos. Confesso que sou apaixonado por essa junção do trombone com o clarone, tocando juntos a mesma melodia, por isso quis manter essa mesma identidade melódica com a Joana Queiroz, musicista fenomenal. Mas como quis trazer pianos, chamei dois caras específicos: o Eduardo Farias e o Luís Otávio, pianistas incríveis. Deixei eles muito livres na forma de tocar, eu propunha as linhas de baixo, as harmonias, mas falava: “cara, deita e rola, faz o que quiser, quebra tudo”. Era uma identidade que quis trazer, quase como uma briga entre os dois pianos, uma interação sem medo de atropelamentos. Também toquei bateria e chamei outros dois baixistas que sou fã: Roberto Continentino e André Vasconcelos. Acabei criando uma relação de amizade com todos ele. Na percussão, quis trazer um percussionista diferente em cada música como forma de trazer ancestralidades diferentes para cada faixa, formando uma identidade rítmica mais diversa. Assim, pude contar com Thiaguinho da Serrinha, Lucas Videla, que toca com o Sexteto Sucupira, banda maravilhosa de forró cigano. Também o Marcos Esguleba, baluarte da Unidos da Tijuca. Marcelo Costa, percussionista, super conceitual, que toca com a Bethânia há anos. Roque Miguel, percussionista que tocou com o Hamilton em ‘Forte Apache’, da banda Afrojazz, um cara que toca forte, para frente. E é isso.

ana frango elétrico e antonio neves
Ana Frango Elétrico, que participa do disco, com Antonio. Foto: Lucas Martins/Divulgação

CONTINENTE Qual o lugar do samba na sua música?
ANTONIO Quando eu tinha 16 anos, comecei a trabalhar em um clube de samba de gafieira aqui no Rio, chamado Democráticos. Tocava lá semanalmente. Fora outras rodas que frequentava para escutar também. Sempre toquei na Lapa, até na cena underground. Fiz minha carreira em cima disso, e Bossa Nova também, mas aí é outro nicho.

CONTINENTE A Far Out Records é o mesmo selo de artistas grandes como o trio Azymuth, como surgiu essa ponte com eles?
ANTONIO A Far Out apareceu nos “finalmentes” do disco, quando já estava todo gravado. Foi meu produtor Santiago que fez essa ponte e apresentou meu trabalho para os caras. Achei que seria uma oportunidade legal pra mim, porque a música instrumental, de certa forma, é pouco divulgada no Brasil. Claro que temos grandes nomes como Hamilton, Yamandu Costa e Amaro Freitas, que, inclusive, é daí, né?

CONTINENTE Sim, recifense.
ANTONIO Mas, ainda assim, tem muita gente sem visibilidade, porque a música não consegue chegar, por isso o convite foi tão interessante, é uma oportunidade de chegar em outras pessoas fora do meu círculo.

CONTINENTE Por que você acha que isso acontece? Quer dizer, por que as pessoas do exterior se interessam mais por música instrumental brasileira do que os próprios brasileiros?
ANTONIO Basicamente pela educação. Esses países todos têm bandas de música nas escolas desde muito cedo. Bem ou mal, as pessoas, em algum momento, tiveram que aprender a tocar algum instrumento. É muito sobre a formação básica das crianças, educação primária.

CONTINENTE Qual é o maior desafio hoje, enquanto instrumentista, no Brasil?
ANTONIO É um mercado (difícil falar mercado/música) ainda pouco visto no Brasil. Muita gente acaba recorrendo a dar aula de métodos de improvisação e harmonia. Mas, acredito que, esses nomes jovens e originais, podem inspirar outros artistas. Ao mesmo tempo que também acredito que toda música é instrumental e as pessoas têm que fazer o que der na telha, o quanto antes.

CONTINENTE Sobre o álbum da Ana Frango Elétrico, você esperava o sucesso que tomou?
ANTONIO As músicas da Ana são muito boas. Eu, pelo menos, acho fantásticas, e sabia do potencial, porque todo mundo cantava as músicas. Ela me chamou para fazer os arranjos de sopro. Como ela estava muito segura do que queria, já sabia que seria um disco com boa saída. Mas, antes disso, quando conheci a Ana, não esperava que ela fosse me chamar para tocar junto. Até me lembro da primeira vez que o Gus [Levy] me mostrou um vídeo dela, um teaser com chamada para show. Pensei: "que pessoa engraçada, elétrica mesmo". Ficamos amigos e acabei fazendo os arranjos do Little Electric Chicken Heart. Desde então, ela foi indicada ao Grammy, ganhou o prêmio revelação do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte. Só não esperava que ia ser tão rápido, mas sabia do potencial, porque acredito na música dela, acho bonito, poético, não só as letras, mas a música como um todo.

CONTINENTE Como é o seu processo de composição? Como se chega em uma melodia?
ANTONIO Engraçado, cada música é diferente. Normalmente, componho no violão ou no piano. E tem músicas que saem inteiras, do nada. Em A pegada agora é essa, pensei numa linha de baixo, numa linha de guitarra, numa levada e foi só. Já em Lamento de um perplexo, nasceu de forma mais orgânica. Sentei, peguei meu violão e fiz a música. Tem músicas que começo pensando em uma levada de bateria e vou complementando. O resto, deixo para criação dos músicos no estúdio, porque acredito que a magia também está muito por aí, nesse lugar de liberdade criativa.

CONTINENTE E sobre as outras faixas, há algo que você gostaria de destacar?
ANTONIO A parceria com a Alice Caymmi, ela gravou a música Noite de Temporal, uma música do avô dela, o Dorival. Incrível também. Tem três músicas desse disco que mesclam o afrobeat com ritmos brasileiros e as formas livres de tocar o jazz. Essa música com a Alice ficou bem assim. Tem também uma curiosidade sobre ela. No dia da gravação, a Alice chegou no estúdio e cantou a música inteira num take só. Ou seja, em meia hora, ela foi para casa. Fiquei arrepiado vendo ela cantar a música do avô. Fora isso, na última música, tem uma participação do meu pai. Ah, e a primeira música, que vai abrir o disco, tem a Leda, uma pessoa muito importante na minha vida. O disco, inclusive, é dedicado a ela. Uma pessoa super astral com uma história de vida admirável.

CONTINENTE Para finalizar, o que importa na vida?
ANTONIO Na vida? Acho que são, como diria o Vitor Santos, trombonista de quem sou fã, as relações interpessoais que você cria com as pessoas; os elos de amizade. Poder partilhar e ter gratidão em estar vivo, com saúde. Tentar ver o mundo com mais otimismo também, o que, confesso, está sendo difícil até pra mim. É isso. Aproveitar os momentos bons, os pequenos momentos, porque são eles que mudam o mundo e a vida. Quando as pessoas tiverem consciência desses aspectos, o mundo vai caminhar para um lugar melhor.

THAÍS SCHIO, jornalista.

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