'No future', por Emimerx
Foto Reprodução/Deviant Art
Vivemos um tempo sem futuro. Proclamaram a morte de Deus e do Sagrado e isso nos tornou poderosos e arrogantes.
A Ciência nos alçou ao lugar confortável, pois tudo sabia e podia, mas já não sabe tudo e pode menos.
Abalou-se nossa fé na Ciência.
Postergamos a Morte para um futuro que parecia nunca chegar.
A Ciência nos acenou com a eternidade, promessa que antes só era possível ao Todo Poderoso.
Nascemos, crescemos, copulamos, multiplicamos nossa imagem e semelhança a Deus pelo planeta Terra, igualzinho fazem os espelhos. Com o passar dos anos, o corpo mingua, as funções motoras atrofiam, o cérebro embota. Mesmo assim, adiamos a partida, vivos artificialmente nas máquinas inventadas pela Ciência.
Morrer deixou de ser natural, tornou-se esdrúxulo, um desafio à Ciência.
A Ciência um processo racional usado pelo homem para se relacionar com a natureza e obter resultados que lhe sejam úteis.
Continuamos a crescer e a nos multiplicar.
Infinitamente.
Dominamos a Terra com rédea curta.
O Mundo se tornou pequeno e devassável.
As florestas abertas, os rios e oceanos navegáveis.
A galáxia território.
Espaço ideal, sem limites, com todas as extensões finitas e todos os corpos ou objetos existentes ou possíveis.
Território nosso na imaginação gananciosa.
– Não existe mais mistério, disseram e acreditamos. Tudo pode se transformar em ouro, lucro capital. Deus uma máquina de fazer dinheiro, um ser social, urbano e manipulável.
– Sim, bradamos em hinos.
– Nada mais é sagrado, todas as coisas devem ser entregues ao fogo, transformar-se num pasto de cinzas para os bois.
A natureza já não acolhe, nem amedronta, domada pelo veneno, por tratores, usinas, manadas e incêndios.
Até que Ele veio, invisível, micro do micro, desconhecido como um extraterrestre.
A Ciência abalou-se, perdeu as certezas, não soube o que dizer. Valeu-se de métodos antigos, empíricos, medievais. O medo, a tristeza e a insegurança fecharam as pessoas em casa, elas cobriram os rostos com máscaras. Todos se tornaram suspeitos, desconfiados, os abraços partidos.
Tateamos na noite sem futuro, sem a promessa de um dia pela frente.
No crepúsculo, com os olhos cegos, damos passos inseguros nas ruínas de um antigo palácio edificado sobre rochedos. Apertamos contra o peito a imagem de Deus, um ícone salvo do incêndio. O sol se põe de vez. Caminhamos sem ver e chegamos à beira do precipício, quase rolamos para ele. No terror, o ícone se desprende de nossos braços e se perde. Ficamos, sozinhos.
Não existe. Nada esperes. Nem sequer no negro crepúsculo a Fera.
Ressoa a voz de um poeta.
*As opiniões expressas pelos autores não representam
necessariamente a opinião da revista Continente.