– Sou, respondi intimidado.
– O que o seu Brito tem a ver com Pedro Alves de Brito, da Palmeirinha dos Brito, no Crato?
– Ele era meu tio bisavô, irmão da minha bisavó Raimunda Anacleta de Brito.
A mulher torce o rosto e me olha, como se tratasse com uma falsificação.
– Apenas por parte de pai. Mundinha era filha do primeiro casamento de Antônio de Brito Correia com Maria Anacleta Duarte de Menezes. Mesmo assim, somos primos. Sou bisneta de Isabel de Brito Bitu, irmã de sua bisavó pelo segundo casamento de Antônio com Leonarda Bezerra de Menezes.
A mulher para um instante, toma fôlego e imagino o computador do seu cérebro estabelecendo sinapses familiares, até chegar aos rebentos que nos acompanham. Olha as filhas dela, os meus filhos e ordena:
– Meninas, cumprimentem os primos de vocês no oitavo grau.
E sai tão intempestivamente como me abordou.
Era comum, nos campos de batalha gregos, os heróis recitarem a genealogia ascendente e esperarem o mesmo do outro combatente. Se um deles achava que o rival não estava à sua altura, dava as costas e não lutava.
Tudo isso é para fazer rir.
Pedro Alves de Brito mandou escrever nas paredes de casa os nomes de sua árvore genealógica. Menino, eu olhava aquilo e achava complicado. Habituei-me a repeti-los e memorizá-los, a ponto de não achar difícil chegar ao meu décimo avô. Ninguém era famoso como os ancestrais dos heróis gregos. Tratava-se, quase sempre, de portugueses do norte, chegados ao Brasil, miscigenados com indígenas e afrodescendentes, vivendo da agricultura e pecuária. Mesmo sem barões ou príncipes na família, quanto orgulho dos meus tios velhos em repetir os nomes, talvez para exercitar a memória, já que naquele tempo não existia palavras cruzadas nem desenhos para colorir.
Outro assunto recorrente nas reminiscências dos familiares era a nossa ascendência judaico-sefardita, tratada sem pabulagem nem compromisso. Pesquisas neurológicas realizadas no Ceará e na Paraíba revelaram doenças de natureza genética, atribuídas à uma possível herança judaica. Ninguém mais põe em dúvida a presença de judeus convertidos, os marranos, no nordeste do Brasil, e sua extensa descendência.
O assunto tornou-se alvoroço.
A Comunidade Israelita de Lisboa abriu processo indenizatório e de reconhecimento aos descendentes de judeus sefarditas, que sofreram perda de bens ou danos físicos e à vida no período da Inquisição Portuguesa.
Os nazistas, durante a aniquilação do povo judeu, investigavam as origens dos suspeitos até a terceira geração. A Inquisição era bem mais perversa, levando o processo de incriminação de um judeu, mesmo que ele não professasse a religião nem praticasse costumes, até a oitava geração. Agora, interessados em ganhar nacionalidade originária portuguesa e passaporte da comunidade europeia, muitos se esforçam, gastam tempo e dinheiro em processos que se arrastam por anos, tentando provar seus vínculos com sefarditas dos séculos XVI e XVII, vítimas das perseguições.
Me perguntam se estou correndo atrás da indenização reparatória. Respondo que nunca pensei nisso, embora o meu quarto avô, Raimundo Duarte Bezerra, já seja reconhecido como de ascendência judaico-portuguesa, o que me orgulha muito. No momento, estou engajado na luta para que afrodescentes e povos indígenas sejam reparados por anos de brutal colonização, aniquilamento e genocídio.
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necessariamente a opinião da revista Continente.