Já morreu, já se acabou
E está fechada a questão.
A casa dos meus avós foi derrubada por tratores, deu lugar a uma rodovia asfaltada. Isso curou-me do tempo estagnado. Na noite escura em que assisti à cena, o barulho forte dos tratores e as luzes dos faróis me deram a impressão de que eu estava noutro planeta. Mas não estava. O sertão continuava ali, diante dos meus olhos, a perder de vista, com o asfalto fedendo mais do que carniça.
Durante o ciclo do couro, nas fazendas mal cabiam os rebanhos de bovinos, ovinos e caprinos. Surgiram repentistas, heróis cangaceiros, santos penitentes e fanáticos religiosos. O modelo econômico de exploradores e explorados serviu de tema ao romance de Graciliano Ramos e a filmes como Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha.
Veio o algodão e outro ciclo de prosperidade, a indústria e a promessa de que o Nordeste entraria numa nova era, sintonizado com o restante do mundo. A praga do bicudo pôs fim ao sonho de riqueza do ouro branco, cantado por Luiz Gonzaga.
Sem poder retornar ao modelo pecuário exaurido, com a agricultura de subsistência falida, castigados pelas repetidas secas, vulneráveis às informações que chegavam pelo rádio, pela televisão e pelos meios de transporte, os habitantes das fazendas e pequenos sítios foram embora para o Centro oeste, Norte e Sudeste, ocupando a periferia das cidades. O lendário homem sertanejo tornou-se um suburbano fragilizado, um novo personagem para romances e filmes.
O sertão abriu-se. As porteiras dos seus currais também foram escancaradas para a cultura global. As antenas parabólicas e de internet enfeitam os telhados das casas nos grotões mais escondidos. O isolamento de séculos, que permitiu a preservação de culturas arcaicas, aos poucos se desfaz. Não podemos ser diferentes dos outros povos do mundo.
As eleições de 2022 mostraram a força e a vontade do povo do Nordeste. Sofrido, escaldado, espezinhado, insultado, mesmo assim ele decidiu o futuro do Brasil pelo voto. Escolheu o rumo que o país deve seguir.
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