BIBLIOTECA DE FOTOGRAFIA
Além das cinco exposições temporárias, inaugurou-se a Biblioteca de Fotografia, que já se estabelece como uma referência no Brasil. Para o curador, Miguel Del Castillo, talvez esse centro também seja referência no âmbito da América Latina. O IMS, como já foi dito, sempre tracejou o foco da sua vocação na área dos acervos fotográficos. Importantes coleções fazem parte desse conjunto em formação desde 1995.
As exposições realizadas no IMS eram arrematadas com publicações de catálogos invariavelmente esmeradas. Tais, diria, livros-catálogos eram a certeza de que a biblioteca pessoal de qualquer um teria exemplares de qualidade. Livros e outras publicações ligadas ao campo da Fotografia foram produzidos pelo IMS, como a marcante obra Dicionário histórico-fotográfico brasileiro (2002), de Boris Kossoy. Em 2011, surge a revista de fotografia contemporânea ZUM, configurando olhar para a contemporaneidade da imagem. Dessa maneira, integravam o acervo do IMS livros de apoio para pesquisas nas realizações das exposições, assim como livros oriundos dos acervos adquiridos.
A biblioteca é composta por catálogos de obras gerais, livros fotográficos – de autores nacionais e internacionais –, publicações teóricas e edições que possuem diálogo com o campo da Fotografia em áreas como Artes Visuais, Ciências Humanas, Cinema etc. A aquisição inaugural, segundo o curador Miguel Del Castillo, foi o acervo de 1 mil livros da fotógrafa e crítica de fotografia Stefania Bril (1922-1992). Outras relevantes aquisições foram as bibliotecas dos fotógrafos Thomaz Farkas, Iatã Cannabrava, Paulo Leite e Vania Toledo. Há ainda, à disposição do público, os livros do catálogo da editora Steidl, conhecida pela excelência em livros de Arte e Fotografia, sendo esta a primeira Biblioteca Steidl do mundo.
A Biblioteca de Fotografia no IMS Paulista foi aberta com cerca de seis mil títulos disponíveis. A catalogação segue em frente, e a perspectiva é de que chegue a 14 mil livros. De acordo com estimativas do IMS, o espaço pode comportar 30 mil itens. A plataforma de busca online é bastante eficiente. A expectativa aumenta com a possibilidade de catalogação do acervo Fotoplus (folheteria, livros e revistas), doado pelo sistemático pesquisador Ricardo Mendes, que abarca 30 anos de dedicação. Como também será um marco a digitalização da coleção da revista Iris Foto (datada entre 1947 e 1999). Periódico fundamental para o entendimento e a ampliação da história da fotografia brasileira. Quantos já não sonharam em ter o conjunto completo disponível para possíveis pesquisas, sobretudo, digitalizadas? Está neste link.
Destacaria a dinâmica do ambiente e a forma salutar de estar à “passear” pelos livros ao alcance das mãos. O público tem livre acesso às prateleiras. A consulta é presencial, não há procedimento de empréstimo. Também não é preciso se identificar. Apenas escolhe-se o livro desejado e depois é só colocá-lo no carro de reposição, que fica bem visível. Prático, eficiente, sem balcões e burocracias. As obras raras (estas ficam guardadas) podem ser solicitadas aos bibliotecários. Foi uma experiência muito gratificante observar que não apenas pesquisadores estudantes e profissionais da área de Fotografia estavam ali a conhecer, apreender algo tão universal quanto encantar-se pela imagem. Assinaturas de revistas especializadas estão bem acessíveis ao manuseio. A biblioteca se faz oásis silencioso, ambiente agradável, eficiente acessibilidade e consulta presencial sem maneirismos com o público.
Gostaria de destacar a sutileza das folhas colocadas na estante com a bibliografia respectiva a alguns dos artistas presentes nas exposições atuais do IMS Paulista. Um detalhe cuidadoso do curador Miguel Del Castillo. Com esse facilitador, é possível conhecer catálogos e livros autorais referentes aos artistas em questão. Nessa linha de trazer algo orgânico ao público, senti uma atmosfera intimista nesse espaço, salta aos olhos a exposição São Paulo: no livro fotográfico: 1954-2017. Os 10 títulos expostos e disponíveis ao manuseio do público alinham-se pelo passado até a contemporaneidade de forma reflexiva. Dentre os títulos raros, cabe ressaltar Rua (1961), do poeta Guilherme de Almeida e do fotoclubista Eduardo Ayrosa. Exposição generosa, a qual permite que o público aprecie grandes e históricas obras, raras vezes encontradas para consulta. Saí com a alma leve, almejando passar tardes a ver a metrópole pelos vidros, o silêncio abafado por estes e a leveza daquela sala de leitura.
EXPOSIÇÕES
A longa porém não menos sedutora obra de Christian Marclay, The clock (2010), poderia, de fato, manter-nos confortáveis nos sofás dispostos na sala de projeção por 24 horas, duração da videoinstalação. Podemos considerar uma obra contundente para o debate sobre o tempo, imagens afetivas e construção imaginária a respeito da finitude. The clock narra, de modo fragmentado, através da edição de trechos de cenas do cinema e da televisão, a passagem do tempo pela presença do relógio. As 24 horas de duração são sincronizadas com o tempo real do espectador. Não há começo, meio e fim; não há roteiro ou curva dramática; há ícones e lembranças visuais; há o tempo dentro do tempo, a metaliguagem que ratifica as claves do tempo contínuo e simultâneo, do tempo vivido e do tempo forjado. Haverá nove sessões da projeção de 24 horas ininterruptamente. No mais, a videoinstalação segue o horário de funcionamento do IMS (de terças a domingos, exceto quintas, das 10h às 20h. Às quintas, das 10h às 22h). Destaco o encarte distribuído gratuitamente nessa exposição, com a entrevista pontual de Heloisa Espada a Christian Marclay, e o belo texto de Zadie Smith (originalmente publicado em The New York Review of Books, 2011).
Videoinstalação The clock, de Christian Marclay, no IMS Paulista
Em outra galeria, assim foram nominados os espaços expositivos, está a exposição Corpo a corpo: a disputa das imagens, da fotografia à transmissão ao vivo, com curadoria de Thyago Nogueira. O fluxo imersivo no ambiente escuro de “cinema” foi rompido nessa galeria, as imagens em profusão também estão lá. Não obstante, essa mostra é permeada por uma dada narrativa curatorial muito próxima de quem acompanha a revista ZUM. Foram convidados e comissionados a realizar trabalhos inéditos para a exposição os artistas Jonathas de Andrade, Bárbara Wagner, Letícia Ramos, Sofia Borges, Coletivo Garapa e Mídia Ninja. O Coletivo Garapa é exceção com relação aos trabalhos inéditos, integrando a exposição com o trabalho Postais para Charles Lynch (2015), realizado a partir da Bolsa ZUM/IMS daquele ano.
A exposição coletiva se adéqua bem ao espaço e a expografia delimita os trabalhos de maneira entremeada pelos monitores da videoinstalação da Mídia Ninja. O espaço torna-se uma rede de diálogos, contaminados por meio da linha central pensada pelo curador, ao enfatizar que “o corpo pode ser usado como instrumento de representação social e política”. Por esse viés, é possível perceber pesquisas com afinidades, como a de Bárbara Wagner (À procura do 5º elemento) e Jonathas de Andrade (Eu, mestiço), ao investigarem Sociologia e Antropologia em perspectivas particulares. Jonathas, como sempre, nos traz certo refinamento em suas estruturas conceituais, referências relevantes para o seu olhar crítico e idiossincrasias estéticas, as quais seduzem o observador pela ocupação literal do espaço.
Infelizmente, não foi possível assistir ao vídeo Terremoto santo, de Bárbara Wagner e Benjamin de Burca. A sala de projeção, por motivos técnicos, tornou-se uma “sauna”, sendo insuportável a permanência. Letícia Ramos e Sofia Borges materializam o simbólico e o abstrato das relações e tensões políticas vivenciadas nos últimos tempos. Mídia Ninja denota seu teor de guerrilha por meio da profusão dos acontecimentos, da urgência da hora, e assim constrói camadas e acúmulos de sons ao espaço expositivo. O livro exposto do Coletivo Garapa parece reverberar o próprio espaço sonoro que se estabelece a partir desses monitores. A pesquisa revelada no objeto-livro merece tempo e leitura mais íntima, vale sentar e dar conta, com tempo vagaroso, aos Postais…
Nas outras galerias, estão as interessantes e contextuais exposições Câmera aberta, de Michael Wesely, e São Paulo: três ensaios. Ambas revelam a temporalidade em seu ato contínuo de transformação da paisagem urbana, seja diante da pululante Avenida Paulista, seja das mais diversas perspectivas da cidade de São Paulo. Como diz Guilherme Wisnik, curador da exposição São Paulo…, “o que se ensaia, aqui, é uma arqueologia dessa cidade imensa e inapreensível, pujante e violenta”. Wisnik adensou sua pesquisa curatorial através do acervo fotográfico do IMS. Lá, encontramos Alice Bril, Claudia Andujar, Cristiano Mascaro, Edu Simões, Hildegard Rosenthal, Jorge Bodansky, Marc Ferrez, Raul Garcez, Tatewaki Nio, Tuca Vieira, Thomaz Farkas, entre outros relevantes fotógrafos, os quais compuseram o desenho imaginário e concreto das singularidades urbanas e antropológicas da cidade de São Paulo.
Ecoou-me a frase de Robert Frank, em destaque na sua exposição: “Sempre achei que o modo como se vive já é em si uma atitude política”. Estendo aos espaços culturais essa reflexão. Minha experiência no IMS Paulista foi de fato acolhedora. Contudo, ficarei a exercitar a ideia de que um instituto com essa qualidade seja um espaço político de circulação da arte sem fronteiras e melindres com seu público. Um lugar no qual qualquer um entre, circule e saia pensando em algo, ampliando o conhecimento…
GEORGIA QUINTAS, escritora e antropóloga.