Depoimento

Comida de vulcão

Prato típico do Arquipélago dos Açores, em Portugal, o Cozido das Furnas utiliza o vapor geotérmico para cozer iguarias. O doutor em Antropologia pela Universidade de Salamanca, na Espanha, Luiz Nilton Corrêa, explica como se dá o processo

25 de Novembro de 2025

Cozido das Furnas é preparado ao calor do vulcão

Cozido das Furnas é preparado ao calor do vulcão

Foto Wikipedia

O Arquipélago dos Açores é um conjunto de nove ilhas localizado a cerca de 2 mil km de Lisboa, em meio ao Oceano Atlântico. Território português, são ilhas vulcânicas que na prática, são topo de grandes vulcões quase totalmente submersos no oceano, apenas com seus picos e cones sob a superfície da água.

No total, possuem cerca de 250 habitantes, com a menor, Corvo, com 350 habitantes, e São Miguel, a maior, com pouco mais de 125 mil habitantes.

Nelas a atividade vulcânica ainda persiste com vários terrenos pequenos todos os anos, e de quando em quando, algo mais intenso capaz de causar rachaduras nas casas, ou ainda, destruir cidades inteiras.

A ilha de São Miguel é formada por três grandes vulcões, sendo um deles o conhecido Vulcão das Furnas, com uma grande lagoa em sua cratera, mas também com uma vila dentro das cumieiras, a Vila das Furnas com cerca de 1400 habitantes.

Entre as casas, fumarolas que brotam e desaparecem ao longo dos anos, sem qualquer previsibilidade. Por vezes, num quintal, outras vezes, na sala de estar. Começa com uma fumaça de enxofre emergindo e logo vira uma fumarola borbulhando com água fervendo ao longo de anos, até se extinguir sem qualquer motivo.

Movimentada com turismo, sua população aprendeu a cozinhar algumas iguarias nestas fumarolas e caldeiras naturais; o milho é muito popular, jogado na água dentro de sacos que cozinham no calor vulcânico por horas e depois é vendido aos visitantes. Mas o prato mais popular é o cozido das furnas, um tipo de cozido à portuguesa feito dentro de buracos e cozido ao calor do vulcão.

Há lugares preparados para isto. Antigamente, eram buracos feitos na enxada, hoje, são covas estruturadas feitas pelo poder público e que precisam ser reservadas com uma certa antecedência.

Reservada a cova, basta preparar o cozido, em uma panela grande, de alumínio coloca-se todos os ingredientes, sempre numa ordem pré definida, com couves e inhames ao fundo, seguido e carnes, com frango, porco e vaca, depois as cenouras, batata inglesa, batata doce, e em seguida os enchidos, com morcela, chouriço, bacon. Costuma-se enrolar as morcelas e chouriços em folhas de couve para não desmancharem.

Ao final tapa-se a panela e enrola-se com um pano que pode ser um lençol, uma toalha de mesa enrolada, e costuma-se amarrar para que a tampa não se solte. E por fim, coloca-se no buraco que é tampado com madeira e coberto de terra, ficando ali por 5 ou 6 horas.

Após retirar a panela, é preciso destapar e retirar cada peça de alimento individualmente, os legumes, as carnes, e é só servir. A carne se desmancha, os chouriços ficam mais leves e o sabor, próprio, que facilmente se distingue de qualquer outro prato servido em qualquer parte de Portugal. Quase todos os restaurantes da região servem o cozido e é preciso ter reserva para poder saborear o prato típico dos Açores.

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