Desde muito tempo, a arte assumiu formas distintas, democráticas, e libertou-se de representações clássicas, na medida em que o corpo passou a ser expressão estética de si mesmo. É nesse contexto que as ações performáticas o colocam em evidência, exprimindo uma intensa gama de significados, que vão além da configuração de um ideal de beleza ou de valores sócio-históricos. Um agente de provocação, que questiona, muitas vezes, a própria arte, para além do "racional".
O livro de Eduardo Romero observa a linguagem performática a partir da perspectiva da antropologia do imaginário, que considera a atitude simbolizadora como ação estrutural dos seres humanos. É uma forma de debater a performance pelo viés simbólico, uma vez que os artistas articulam sistemas de símbolos que são assumidos e manipulados consciente e inconscientemente, numa dinâmica que une o corpo como obra; a estética; a natureza e a cultura. “Ela oferece uma visão ampla e aprofundada do sujeito e sua condição universal de simbolizar. A antropologia do imaginário me aproximou desses sentidos do corpo, que são expressos pela arte da performance”, explica Eduardo em entrevista à Continente.
A OBRA O termo “performance” é utilizado de diversas maneiras não só nas artes visuais, mas também no teatro e na dança, por exemplo, ou na própria antropologia. Desse modo, houve, para o autor, certa dificuldade em ancorá-lo, embora o situe no universo das artes visuais.
O livro é resultado de uma pesquisa de doutorado, feita através de entrevistas com artistas e curadores, consulta em acervos e levantamentos bibliográficos. No processo de edição, a tese foi “enxugada”, além de contar com algumas atualizações e partes do texto que foram refeitas, a fim de tornar a leitura menos acadêmica e mais fluida.
A ideia do artista ser criador e obra ao mesmo tempo, utilizando o corpo como suporte, o atraiu desde o início da graduação, ao ter contato com os movimentos artísticos e a própria arte contemporânea. Pouco depois, ao realizar algumas performances, buscou leituras e referências para fomentar seus pensamentos e projetos. A motivação de pesquisar sobre o tema com mais profundidade surgiu ao iniciar o doutorado. No entanto, Eduardo não enxergava um horizonte teórico que permitisse esse aprofundamento.
Apesar de haver uma tradição consistente da expressão no Brasil, onde figuram nomes influentes como o de Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape, e, no Recife, Daniel Santiago e Paulo Bruscky, o debate sobre a performance no país é recente, tendo pouquíssimas pesquisas em Pernambuco sobre o tema. Enquanto fazia o levantamento bibliográfico, o autor percebeu a ampla existência de documentação escrita e visual, mas de maneira fragmentada. “São textos críticos pontuais sobre determinadas ações, relatos de experiências dos próprios performers ou descrições técnicas sobre as obras. Assim, a pesquisa foi ganhando certa profundidade na medida em que eu buscava referências teóricas mais densas sobre o assunto”, acrescenta.
Por a performance reivindicar espaços urbanos e a interação com o público, foi necessário ainda um extensivo trabalho de campo, que contou com apreciações e registros em instituições de Recife, Garanhuns, São Paulo e Portugal, em Lisboa e Villa Nova de Cerveira.
Sobre a importância dessa aproximação do imaginário dos artistas e de suas obras, Eduardo observa que esse contato mais estreito o possibilitou perceber como a performance é multifacetada, como as suas ações associam tantas linguagens, como o público reage às exibições, como os artistas se preparam, o que eles pensam e como articulam a obra a partir de seus corpos. A performance é desafiadora porque aberta a múltiplas interpretações; assim, toda proximidade é uma forma de melhor apreendê-la.
A discussão dos mitos do corpo na performance religa, ainda, o trajeto antropológico e a obra performática dos artistas visuais Daniel Santiago, João Manoel Feliciano e Izidorio Cavalcanti, recorte de seu trabalho. Nomes pernambucanos, cujas obras integram acervos espalhados no Brasil e no mundo, que tiveram a contextualização de suas trajetórias como meio de mapear cinco décadas das artes visuais no estado, que compreendem de 1970 até os dias de hoje.
O artistaJoão Manoel Feliciano na perfomance Barca Capillus (2008). Foto: Divulgação
Visível audível tangível não é um tratado sobre a performance, mas uma tentativa de aproximação com o universo complexo da arte, dos artistas no processo criativo e da riqueza que é a ação performática na sua condição de expressão artística e, consequentemente, humana. Afinal, na performance, confunde-se o que é cena e o que é vida. Uma se alimenta da outra. Estabelecer uma interpretação absoluta foge da própria lógica de ser arte.
O livro ainda será distribuído para comercialização, mas pode ser adquirido com o autor, via email (eduardoromero.lbarbosa@gmail.com), por R$ 20.
SAMANTA LIRA é estudante de Jornalismo da Unicap e estagiária da Continente.