Aliás, entre os temas abordados pelo escritor nas crônicas, a relação com as cidades em que morou, como Rio de Janeiro e São Paulo, são uma constante. Quem se interessa pelas ruas cariocas e pelos bairros paulistas vai gostar de conhecer o olhar peculiar do Victor, que ainda aborda as estátuas dos anônimos como os confeiteiros que deveriam ser instaladas, e a pureza dos cães que se adaptaram aos humanos..
Outro tema que aparece em vários textos, não poderia ser diferente, é a literatura, os livros, as palavras distribuídas ora como observador, ora por insights provenientes de visita a sebos, nas declarações de amor pelo Manuel Bandeira, nas palavras sobre o papel da crítica, como uma ferramenta que frutifica o pensamento e “funda mundos neste mundo”. Uma bela homenagem a uma atividade tão escanteada.
Como um voo com escalas infinitas, a gente aterrissa na questão da moda: o mundo vai acabar? “Com mais certeza do que tinham os paranoicos do apocalipse nuclear.” E nesta crônica sobre o fim dos tempos anunciado por catástrofes naturais, políticas, humanitárias, Heringer faz a pergunta que não quer calar: “Engano meu ou nós deveríamos dar um pouquinho mais de atenção ao caso?”.
A pergunta fica aberta para se conectar a uma esperança mais à frente: a de que nasçam homo sapiens “traidores da espécie”, ou seja, insubordinados, rebelados contra as obrigações de destruição do planeta, nossa especialidade. Segundo ele, dizimando todo mundo “no caminho até o iphone”.
Vida desinteressante é tudo, menos um livro que faz jus ao título. É uma amostra do nosso tempo, um random de temas que nos preocupam ou deveriam preocupar. É impressionante como ler um compilado de observações inteligentes e desesperançosas desta década cada vez mais insana em que tudo parece estar fora de controle tem um efeito, digamos, acalentador. É como conversar com um amigo que lhe entende, estamos afundando, mas iremos juntos.
Um destaque especial para a Pequena antologia de comentários em portais de notícias, em que o Victor Heringer eterniza na brochura excertos da “cracolândia da opinião pública” agrupados por temas como economia nacional, homossexualidade, governo, religiosidade. Ao final, saímos do livro mais atentos, mais críticos, mais sensíveis até.
Em uma das crônicas, Heringer se refere à célebre frase do Fernando Pessoa, “somos todos um cadáver adiado”. Uma afirmação chocante do escritor português, mas impossível de ser desmentida. Então se estamos todos aqui adiando o inevitável, resta-nos deixar uma bela história nestas entrelinhas, ou quem sabe muitas delas? Por esta obra, dá-me a entender que o Victor Heringer obteve sucesso com esse legado.
MÁRCIA LIRA é jornalista cultural e criadora do perfil do Instagram @menos1naestante.