Usina de Arte
As Conversadeiras de Claudia Jaguaribe
TEXTO Olívia Mindêlo
03 de Abril de 2023
Claudia Jaguaribe sentada em uma de suas Conversadeiras
Foto Luan Clementino/Divulgação
[conteúdo na íntegra | ed. 268 | abril de 2023]
Era uma tarde de março especialmente quente na Usina de Arte, Mata Sul de Pernambuco, quando a artista Claudia Jaguaribe soprou a nós estas palavras: “Isso aqui é o futuro, o Brasil tem que ir por esse caminho. Tem que melhorar a cultura, pensar na natureza e esse é um lugar maravilhoso, que é uma ponta de lança para essa experiência”. A fala amenizou o mormaço, enquanto nos acomodávamos em seus bancos escultóricos, abertos ao público justamente na ocasião. A obra Conversadeiras, fruto de uma residência artística da carioca no local, é a mais recente inauguração do parque artístico-botânico e abre os caminhos, no lugar, deste ano que tem tudo para ser o início de um novo fôlego para o setor cultural e ambiental brasileiro.
O convite para sentar e apreciar aquele espaço que cresce e floresce a olhos vistos vem a calhar. Como banquinhos de praça ou beira de lago, os conjuntos de Claudia são um ponto não apenas de descanso, mais ainda de pouso, diálogo e apreciação, em meio ao percurso pelas mais de 45 criações que Usina de Arte vem adquirindo de artistas desde 2015/2016. “A natureza aqui é tão exuberante, ela fala tanto, que você precisa, na realidade, de um lugar de contemplação dessa natureza, de um lugar de calma pra poder olhar, ver, entender e usufruir”, defendeu a artista. Segundo o atual curador da Usina de Arte, o francês Marc Pottier, foram pensados cinco nomes para o projeto dos bancos e ela saiu como a “ganhadora”.
Os bancos escultóricos de Claudia Jaguaribe não são os únicos do parque, mas acrescentam à paisagem pelas suas particularidades. Por serem imaginados, exclusivamente, a partir de uma vivência e pesquisa na região, trazem impressas imagens de elementos locais, fotografados ou reproduzidos e retrabalhados pela artista, conhecida pela sua obra com a fotografia. Engrenagens de fábrica, espécies de plantas, adereços e cenas de populações originárias, mapa de Pernambuco e detalhes de pinturas de Bajado e Derlon, por exemplo, compõem esses objetos sentáveis, que somam três conjuntos, de diferentes formas e disposições, ao longo do parque.
São, portanto, recursos paisagísticos – em aceno às demais obras de arte da usina – feitos em impressão digital sobre azulejo, com finalização em forno de alta temperatura, o que garante, como nos informou sua autora, a resistência e durabilidade dos bancos ao ar livre. Do ponto de vista estético, Conversadeiras trazem a marca de Claudia em sua busca pela expansão do suporte fotográfico e o uso interessante de cores que equilibram com o entorno, como o ciano (um azul com elementos de verde) e o marrom/sépia, também aspectos de uma narrativa em torno da história da quase centenária Usina Santa Terezinha – desativada no fim dos anos 1990. O passado colonial se faz presente na azulejaria e nos motivos, o que também nos remete às obras de outra artista contemporânea, Adriana Varejão.
Além dos bancos de Claudia, o parque conta com aqueles criados por Hugo França e Seu Bau. O primeiro é uma assinatura marcante no percurso do Inhotim, famoso instituto mineiro de arte contemporânea. Foi lá onde o casal Bruna e Ricardo Pessoa de Queiroz, responsável pela Usina de Arte, conheceu o trabalho de França, que esculpe troncos de árvores caídas naturalmente, e o convidaram para ir até o distrito de Água Preta, município onde fica o equipamento cultural, a 150 quilômetros do Recife. Na época, por volta do ano 2014, nem havia ainda a intenção de transformar a usina no que conhecemos hoje. Veio justamente de Hugo França, após sua ida até lá, a sugestão de convidar mais artistas para o local. A ideia motivou o casal a chamar o paraibano José Rufino, que fez um trabalho de curadoria para o local por três anos, entre 2016 e 2019, resultando não apenas na sua ocupação artística no antigo hangar, ponto obrigatório na visita, como o início do parque artístico-botânico propriamente dito.
Diva, de Juliana Notari, foi restaurada recentemente.
Foto: Eduardo Sena/Divulgação
A presença de Rufino estabeleceu, também, uma relação importante com o entorno, a vila de quase 6.500 habitantes que carecia de uma transformação na vida, após a decadência da economia usineira da região em torno da cana-de-açúcar. Juntos, eles abriram caminho para a criação do espaço que é um bem público, apesar de privado, e tem visitação aberta a quem chegar. Além disso, o artista paraibano, cuja poética gravita ao redor das noções de memória e esquecimento, também convidou as pessoas à sensibilidade e inspirou moradores locais a criar arte, como é o caso de Ronaldo Tavares, que trabalha no parque e é autor da escultura Renascer (2019), uma árvore inventada em meio à paisagem natural feita de restos de parafusos, engrenagens e ferramentas da antiga fábrica de açúcar e álcool. Já Seu Bau, que mencionamos acima, é alguém da vila que se inspirou no método de Hugo França para fazer seus próprios bancos escultóricos ao longo do parque.
Outro ponto interessante e pouco comentado é a instalação Data vênia (2018), criada pelo próprio Ricardo Pessoa de Queiroz. Das heranças e memórias da infância, o empresário instalou uma estrutura enferrujada de colunas de uma destilaria desativada com balanços em um dos morros da Usina de Arte. De lá, podemos sentar e apreciar frente a frente o ponto-ápice da visita: o site specific Diva (2020), de Juliana Notari. A ferida em quatro tons de vermelho, cravada em concreto armado no morro em frente, acaba de ser completamente restaurada, após sofrer com queimaduras do sol e vir de uma trajetória de polêmicas dentro e fora do país que deram trabalho à artista, mas também colocaram a Usina de Arte no mapa. De lá para cá, a visitação tem sido crescente, ainda que não seja contabilizada pela instituição.
Embora cresça e floresça com a presença de obras de artistas importantes, o parque ainda tem um caminho longo – o que é altamente condizente com seu tempo e percurso – até se transformar em um equipamento cultural mais robusto. Não que queira ser o Inhotim, mas com certeza será mais do que já é.
Em tempo: o próximo artista a inaugurar uma obra no local é Alfredo Jaar, com a frase-letreiro em neon “O velho mundo está morrendo, o novo tarda a nascer. Nesse claro-escuro, surgem os monstros”, de Antonio Gramsci, em frente à fachada da antiga destilaria de Santa Terezinha.
OLÍVIA MINDÊLO, jornalista cultural, editora da Continente Online.