Curtas

Um passeio pela mente criativa de Matheus Mota

Em 'Tribufu', seu quinto disco de estúdio, compositor investe em repertório instrumental com camadas de jazz, pop, música erudita, música brasileira e rock progressivo

TEXTO AD Luna

07 de Julho de 2023

Há seis anos, Matheus Mota virou notícia nacional ao musicar carta de Temer a Dilma

Há seis anos, Matheus Mota virou notícia nacional ao musicar carta de Temer a Dilma

Foto Ana Dalle Vedove / Divulgação

[conteúdo exclusivo Continente Online]
 

Parece que foi ontem, mas já faz seis anos que Matheus Mota virou notícia nacional ao lançar A senhora, que fez parte do disco As palavras voam. O carioca radicado no Recife dividiu a autoria do samba jazzístico com Michel Temer, “autor” involuntário da letra. Bom, na verdade, Mota aproveitou as palavras registradas em carta pelo, à época, vice-presidente, direcionadas à presidenta Dilma Rousseff. O feito trouxe-lhe visibilidade, mas também uma certa dorzinha de cabeça. “Fiquei muito associado ao lance político. Bolsonaro falava uma besteira e diziam: ‘ah, faz uma música sobre isso’ ou ‘quero ouvir um discurso do Mourão”, relembra. 

Tais cobranças deixarem-no chateado e em crise. Felizmente, esse desconforto artístico-existencial não o paralisou. Bem pelo contrário. Entre 2017 e 2019, o homem tratou de se refugiar no terapêutico ato de tocar e criar. Foi daí que surgiu o conjunto de composições de Tribufu, seu álbum mais recente, lançado em fevereiro deste ano. 

Em tese, esse seria o seu quarto disco. Mas na prática acabou se tornando o quinto porque, em 2021, Mota lançou Trens - trilha sonora do filme rodado em super 8 1971, do cineasta pernambucano Ivan Cordeiro.

Tribufu deveria ter saído em 2020. Mas eis que um vírus apareceu, transformando o mundo em um cenário de filme de ficção científica distópico e amedrontador. Por conta da praga da covid-19, Matheus Mota teve que paralisar o processo de acabamento do álbum. 

Com a chegada da vacina e o gradual arrefecimento da pandemia, centenas de obras musicais represadas começaram a ser lançadas ao mesmo tempo globalmente. Foram tantos discos e singles que muitos deles acabaram passando despercebidos pelo público.

Matheus Mota conseguiu superar aquela agonia – agravada pelas paralisações – que muitos artistas e bandas tiveram e deixou para lançar Tribufu no início de 2023, com o vírus mais enfraquecido e as pessoas ávidas por se aglomerarem em shows e eventos novamente. 

Para o cantor e instrumentista, o disco representou um incremento na carreira, pois ele já vinha demonstrando insatisfação com a qualidade sonora dos trabalhos anteriores. “Eu queria entrar nos anos 2020 num patamar acima. Nesse disco toquei piano acústico no estúdio Carranca [no Recife], toco muito cavaco nele, a bateria também é acústica. É tudo mais orgânico e melhor gravado”, exalta.

O músico, que atualmente está passando uma temporada na cidade de São Paulo, destaca ainda o trabalho de pós-produção. “A engenharia de áudio de Thiago Gadelha foi fundamental. Ele tem um estúdio em Olinda, o Toca do Lobo Records, onde o disco foi mixado. O som mudou muito, ganhou uma densidade que não havia antes”. 

Tribufu, disponível nas principais plataformas de streaming e no YouTube, conta com 12 músicas, algumas cantadas e outras instrumentais. A quantidade de composições sem letra são ainda resquícios do “trauma” provocado pelos desdobramentos daquela carta musicada. Ao que parece, a “parceria” chegou a sugar parte da energia literária de Matheus durante certo tempo. Mas é passado. No momento, ele se considera livre da maldição vampiresca. Tanto que, para o próximo trabalho, pensa em gravar um disco só com canções, todas letradas. 

Matheus Mota ingressou no universo da cultura por meio das artes plásticas. Não é de se espantar, pois ele é filho de Eudes Mota, importante artista visual pernambucano. "Desde criança fui iniciada na pintura. Mas eu ficava inseguro de seguir os mesmos passos dele – que curiosamente é surdo – e acabei virando músico”. A ideia de compor surgiu quando passou a cursar publicidade. “Na verdade, queria fazer cinema e trilhas para filmes, mas ainda não havia o curso no Recife. Daí fui aprendendo, como autodidata mesmo”, conta.

“Um amigo meu, que já tocou comigo, Rodrigo Padrão, guitarrista, me disse: Véi, tu tem muita música; solta lá na TramaVirtual”, relembra Mota. A plataforma em questão foi desenvolvida pela então gravadora Trama, a qual tinha como um dos sócios o músico e produtor João Marcelo Bôscoli, um dos filhos de Elis Regina. O objetivo era servir como base para artistas independentes de todo o Brasil.

O também produtor Carlos Eduardo Miranda era o homem por trás da criação. Segundo ele mesmo contou a este repórter, nos anos 2000, “o velhinho” teve a ideia “porque não aguentava mais ir para festivais e ter que carregar um monte de CDs demo”. A TramaVirtual foi ao ar em 2002 e encerrou suas atividades no dia 31 de março de 2013. Ela catapultou diversos artistas, a exemplo de O Teatro Mágico, Fresno, Dance of Days, Cansei de ser Sexy, NX Zero, Mallu Magalhães, entre outros.

De volta para o presente… Tribufu, ao contrário de Trens, não é a trilha sonora de algum filme lançado. Mas, ainda assim, poderia ser comparado a um passeio cinematográfico pela mente criativa do autor – algo que provavelmente tenha relação com o lado artista visual de Mota. O disco é prazeirosamente desconcertante. No entanto, para embarcar nessa viagem, é preciso que o ser humano ouça o álbum como nossos antepassados: sentado ou deitado, usando fones, desligado do mundo e entretido com as imagens sonoras. 

No caso de Tribufu, essas imagens sonoras são construídas por camadas de jazz, pop, música erudita, música brasileira e rock progressivo. Aliás, por conta da forte presença do piano e da presença desses dois estilos musicais, o disco lembra às vezes o clima de algumas composições de Guilherme Arantes dos anos 1970. 

Entre os vários destaques do álbum, estão Abacate verde, que abre o repertório, com uma letra inventiva na qual Mota se utiliza de uma receita gastronômica para tratar de temas existenciais. A faixa-título, que conta com a voz de Katarina Nápoles; a intrigante Cósmica, com melodia vocal acompanhada de perto por uma guitarra com timbre semelhante à Alegria, alegria, de Caetano Veloso, e letras viajantes: “Não sei se acredito mais nos caminhos que essa melodia traça enquanto estou pensando nisso”.

 AD LUNA é jornalista.

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