Curtas

Thiago Martins

Compositor e músico pernambucano volta o olhar para as minúcias do cotidiano em seu primeiro álbum solo

TEXTO THAÍS SCHIO

04 de Dezembro de 2019

Imagem de capa do álbum 'Martins'

Imagem de capa do álbum 'Martins'

Imagem Reprodução

[conteúdo na íntegra | ed. 228 | dezembro de 2019]

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Depois de quase
perder a visão, Thiago Martins percebeu o olhar como elemento sagrado na construção artística de seu disco homônimo, o primeiro de sua carreira solo, recentemente lançado. Logo na capa, o compositor e músico pernambucano aparece com o corpo tomado pela imagem do Recife, cidade onde nasceu, mas com a cabeça rodeada pelo “olho que tudo vê”, espécie de metáfora que atravessa seu fazer poético. Como cronista, Martins persegue as minúcias do cotidiano. Gestos, memórias, paixões e desilusões são paisagens transformadas em versos.

Sua voz afável é responsável por conduzir a melodia lírica e precisa dos violões, guitarras, pianos, trombones e percussões. Tecendo uma atmosfera que ocupa, aos poucos, o imaginário de quem a escuta. Produzido com incentivo do Funcultura e distribuído pela gravadora DeckDisc, Martins (2019) é a forma elaborada pelo artista para dar continuidade à linguagem mais simples e íntima que brotava em algumas de suas composições, mas não havia encontrado espaço dentro de seus projetos anteriores.

“Na primeira banda, Sagaranna (formada em 2010), eu tocava rabeca. Nela, a poesia popular e o rigor da métrica do Sertão estavam muito presentes. Depois, veio Marsa, em 2014, e paralelo a tudo isso, eu compunha canções. Esse álbum solo vem para suprir a vontade de querer falar sobre outra coisa, algo mais urbano. É tanto que sou conhecido como Thiago Martins, e o disco é Martins, porque me representa em totalidade, sobretudo nesse momento que estou agora”, pontua.

Apesar de, nesse novo trabalho, ainda se aproximar timidamente do universo sonoro desses grupos – especialmente na canção Me dê, devido ao flerte com o ijexá, ritmo trazido por povos africanos escravizados à Bahia, e com a axé music – como ele mesmo ressalta, o álbum parece também se conectar a um passado mais remoto e desconhecido do artista. Ou seja, anterior à conquista de espaço no circuito musical pernambucano ou mesmo de sua formação instrumental, como rabequeiro, com os mestres Cláudio Rabeca e Luiz Paixão.

Martins é a retomada da antiga paixão pela simplicidade da voz e violão, como fez Caetano Veloso, em Prenda minha (1998), álbum que Thiago ganhou num Dia das Crianças. Ou, ainda, de sua avó Maria do Carmo, que cantarolava as canções de Jackson do Pandeiro. Paixão também pela rima tradicional dos cantadores, fortalecida através de suas raízes no alto sertão de Pernambuco. E, principalmente, pela poesia (como a de Manuel Bandeira), onde tudo começou.


Foto: Ashlley Melo/Divulgação

Na adolescência, Thiago recebeu o primeiro lugar num importante evento de poesia da cidade, o Recitata, que formou uma juventude de artistas na cidade e possibilitou sua ascensão dentro desse contexto. “Não terminei meu curso, fiz Letras, porque queria ser professor de Literatura. Sempre gostei de escrever, escrevia contos e poesia, mas também sempre gostei de música. Já nasci gostando, mas era algo distante, não sabia como fazer um disco. A literatura me colocava num lugar onde eu conseguia fazer”, relembra.

Para além de suas raízes musicais e literárias, Martins também carrega, nas entrelinhas, histórias dos encontros indispensáveis em sua trajetória. A faixa Olhos que afagam, por exemplo, composta com Juliano Holanda, que assina a produção musical, marca a segunda parceria dos artistas e o início de uma amizade com bons frutos, entre eles a mostra Reverbo. O projeto, idealizado por Juliano, em 2017, reuniu diversos nomes da atual cena pernambucana. Alguns deles, como PC Silva e Isadora Melo, estão presentes diretamente no disco solo.

Canções divulgadas anteriormente, como a faixa Queria ter pra te dar, recentemente gravada pelo cantor Almério, outro integrante dessa movimentação, aparecem no disco em sua concepção original. “Eu quis fazer um registro da forma que gravei pela primeira vez, lá em Garanhuns, num projeto chamado Studio Tear. Fizeram um vídeo, botaram na internet e bombou.” Os mesmos versos também foram tocados em conjunto com a rabeca de Maciel Salú, componente do antigo grupo Chão e Chinelo, que, junto ao som de Mestre Ambrósio e Comadre Fulozinha, formaram parte do extenso repertório do artista em cultura popular.

E, embora a rabeca não apareça no recente trabalho, seu significado e matiz rústico, tradicional, traduzem um sentimento presente nas composições de Martins. Pois é através da forte relação com as raízes e com influências perpassadas que o artista consegue se arriscar em voo solo, projetando-se em novas experiências. “A rabeca traz uma coisa muito bonita que não quero nunca perder na vida. Essa relação da minha família com o Sertão, com a música e com o céu. Toda vez que vou tocar forró, penso em Sertânia, no céu cheio de estrelas”.

THAÍS SCHIO é jornalista em formação pela Universidade Católica de Pernambuco e estagiária da Continente.

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