Em Sujeito oculto, a fantasia se imbrica em todas as costuras da trama ao retomar a faísca criativa de Lugar comum, curta-metragem que Leo rodou em 2002, com muitas pessoas que agora retomaram para mais um episódio da saga, por assim dizer, do escritor Max Madureira - como o diretor de fotografia Beto Martins e seus dois irmãos, o ator Gustavo Falcão e a atriz Karina Falcão. Defendido por Gustavo desde Lugar comum, Max é o fio condutor (e talvez até desorganizador) do longa. Diante de um bloqueio criativo, ele é levado pelo seu empresário Bal Hoffman (Leandro Vieira) para uma casa solitária, próxima a uma vila afastada dos grandes centros urbanos, onde o tempo parece ser dilatado e a vida, uma encruzilhada de personagens, temporalidades e histórias.
Sujeito oculto foi um dos vencedores do prêmio de melhor filme no Fantaspoa.
Foto: Lume Filmes/Divulgação
Acontece que Max logo descobre que não está exatamente só nessa casa. Porque se as páginas em branco que ele tenta datilografar em uma máquina de escrever antiga aparecem preenchidas com ideias de outrem, quem, portanto, está a lhe acompanhar? E de que maneira as figuras do dono da venda e seu filho (Roger de Renor e Bruno Parmera), de Hector Fao (Rodrigo Garcia), o dono do antiquário, e da cativante Ana (Heloisa Jorge), com suas falas sinestésicas em que as palavras rompem a barreira dos seus significados habituais, tendem a se entrelaçar com a história que Max tenta criar ou com a que ele está a viver?
O diretor responde: "O filme brinca com o universo dramático que se institui a partir da figura delirante de Max, mas que tem outros tangenciamentos com trabalhos que venho concebendo em outras linguagens. E tem o olhar para a metalinguagem, para as questões de autoria, que é algo que me inquieta desde sempre. Meu trabalho sempre teve a ver com o fantástico muito por conta de tudo que me formou como consumidor de história – cinéfilo e leitor de histórias em quadrinhos - e também por conta dessa relação com a metáfora. Com a ideia de uma palavra que guia uma imagem, com as figuras de linguagem… Quando levo isso para o longa-metragem, ganha ares de um amálgama de histórias, a partir da provocação de que algo não vai necessariamente se manter como uma única linha narrativa. Me interesso em pensar como se tangenciam e se cruzam essas histórias de maneira mais profunda, plantada no primeiro arquétipo do amálgama das histórias que se cruzam e que ficam estáticas naquele lugar, a conviver com esse autor que busca se desvencilhar do bloqueio".
Leo Falcão conta que, ao longo de uma década entre idas e vindas narrativas (o primeiro edital que esta produção da Cereja Filmes ganhou, para desenvolvimento de roteiro no Funcultura, foi de 2011; outra parte dos recursos veio do Fundo Setorial do Audiovisual, via Agência Nacional do Cinema - Ancine), o "embate autoral" entre autor e personagens deu lugar a uma peleja mais aguda, fincada no cerne de suas investigações artísticas: a colisão/confluência entre história e tempo. "Uma coisa não existe sem a percepção da outra. O tempo onde uma história começa e termina, e mesmo a própria concepção humana de tempo, dependem da nossa capacidade de enxergar essas histórias. De perceber a passagem do tempo. No fim das contas, o que mais importa, o que sobressai, é que em Sujeito oculto a história e o tempo conversam, convergem e divergem", aprofunda o realizador.
E nesse quarto de século em que ele enveredou pelo documentário no audiovisual - Guia prático, histórico e sentimental da cidade do Recife (2009) e Mães do Pina (2015) - e pelas estranhezas do mistério na ficção, seja em filmes como Thelastnote.com (2004) e A vida é curta (2008), seja nas páginas de O hóspede, livro que lançou em maio e que retém inevitáveis semelhanças com casos, personas e tramas de Sujeito oculto, pode-se dizer que Leo Falcão experimentou de tudo, porém volta, sempre, ao enclave entre história(s) e tempo(s). "Seja um tempo mais fluido, mais amalgamado, repleto de sutilezas ou uma história pensada para destemporalizar ou juntar os tempos cronológicos… Tudo é tempo, história e a percepção de que não existe um sem ou outro", arremata.
LUCIANA VERAS, repórter especial da Continente e crítica de cinema.