Sertão sangrento
Peleja entre zumbis e cangaceiros
TEXTO Eduardo Montenegro
01 de Dezembro de 2017
HQ foi desenhada por Eldon Oliveira e Chateaubriand Almeida
Imagem Divulgação
[conteúdo na íntegra (degustação) | ed. 204| dezembro 2017]
Por diversas vezes, o Sertão tem sido cenário para narrativas ficcionais e documentais, fonte criativa para escritores, historiadores, músicos e realizadores ao longo da história: quase como um lugar idealizado, em que a secura da terra e o verde dos mandacarus misturam-se a personagens icônicos e notáveis do Nordeste. Imagine-se de volta aos tempos do cangaço, época em que o bando de Lampião e Maria Bonita aterrorizava e saqueava cidades sertanejas, ao mesmo tempo em que Padre Cícero já era conhecido como santo milagreiro, recebendo de seus devotos a alcunha de Padim Ciço.
Nesse contexto geográfico e social, no ano de 1923, uma filha de retirantes nordestinos chegou à cidade de Patos, no sertão da Paraíba. Lá, os pais “venderam” a menina para outro casal, a fim de livrá-la da seca e da fome inclementes. Seu nome era Francisca, e assim ficou conhecida para sempre, quando seu corpo foi encontrado morto sobre pedras, local onde hoje se ergue o Parque Religioso Cruz da Menina, em honra da criança que foi apelidada de Francisca Mártir. Na época, os pais adotivos da menina foram acusados de assassinato três vezes e três vezes inocentados, devido à influência que exerciam na localidade. Hoje, o local é um ponto de romaria de fiéis, enquanto a capela construída no parque é um altar para orações.
Esse episódio serve de inspiração para o projeto SerTão sangrento, obra de terror transmídia produzida para os suportes cinema, quadrinhos e video game. “Essa história me chamou muito a atenção e, depois de uma viagem que fiz ao Ceará, decidi adaptá-la para ficção num contexto em que Padre Cícero e Lampião fizessem parte dela”, conta Kleyner Arley, idealizador do projeto que iniciou as pesquisas sobre o tema em 2013. A narrativa de SerTão começa quando cinco cangaceiros de Lampião vão até essa cidade pouco tempo depois da morte de Francisca, numa missão de assassinato, e lá se deparam com um ambiente inóspito de terror e morte.
Quem assiste ou assistiu à The walking dead encontrará referências claras à série televisa, principalmente no que diz respeito aos zumbis, novos habitantes da caatinga, chamados de “carniças” pelos cangaceiros. “Há várias referências de obras literárias e da cultura pop que serão perceptíveis aos mais atenciosos. As mais fortes delas são inspiradas no livro Incidente em Antares, de Érico Veríssimo, e na franquia de games Assassin’s creed”, acrescenta Kleyner, em entrevista para a Continente.
Tanto o média-metragem, como a HQ e o game têm previsão de lançamento para 2018. Até aqui, ainda não foi revelado o porquê de a morte de Francisca resultar no aparecimento dos mortos-vivos. Ainda que cada mídia possua sua própria história nivelada e “redonda”, a “experiência completa” de SerTão acontecerá para quem assistir ao filme, ler o quadrinho e jogar o game.
Porém, pelo teaser lançado na fanpage oficial e pelas fotos já divulgadas do quadrinho, nota-se uma coerência visual em cada formato. A construção imagética desses elementos utiliza a mesma paleta de cores nos quadrinhos e no jogo, com desenhos de Eldon Oliveira e Chateaubriand Almeida, e design de Rodrigo Motta. Na HQ e no jogo, cores saturadas, amareladas e alaranjadas sugerem mormaço, enquanto na prévia de um minuto e 12 segundos do filme, nota-se a saturação quente, ainda que mais delicada.
“Ser tão sangrento” pode ser o trocadilho ideal para o terror pensado por Kleyner Arley – hoje, amparado por um time de cocriadores e idealizadores. Ambientado no Sertão, já cheio de lendas e mitos por si só, a adição de personagens fantasiosos e da ficção dão a SerTão sangrento uma ideia de partilha de culturas (tradicional e pop), unidas na mesma coluna vertebral, que é o assassinato de Francisca, em Patos, desdobrado nos acontecimentos misteriosos posteriores. “Sou sertanejo e conheço melhor minha região, mas a história não vai se encerrar na Região Nordeste. Pretendemos conhecer histórias das outras regiões brasileiras e criar um universo compartilhado dos nossos fatos históricos com mitologia e cultura pop. Dar início a uma ideia que leve a cultura nordestina (e depois a de outras regiões) para o Brasil e o mundo.”
EDUARDO MONTENEGRO, estagiário da Continente e estudante de Jornalismo pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).