Reunindo publicações de poesia de Fróes, entre as quais os livros Língua franca (1968), Sibilitz (1981), Chinês com sono (2005), A pandemônia e outros poemas (2021), dentre outros, a compilação Poesia reunida, com edição assinada por Cide Piquet, disponibiliza também alguns textos que fazem parte da fortuna crítica em torno da obra do poeta. “É uma alegria, como se me sentisse justificado. E melhor ainda é que fui convidado pela editora, então, existiu um esforço para que isso acontecesse. Devo ao meu amigo Ricardo Domeneck, que fez a orelha, porque foi por iniciativa dele, que sugeriu à Editora 34, de fazer essa publicação e, logo, colocou o Cide Piquet, que é também originário aí do Nordeste, em contato comigo. Ele é um grande editor e formalmente me convidou para a organização desse livro”, contou Fróes, sobre o convite para a publicação de seus poemas.
Deste ano, ele teve ainda a reedição de seu conjunto de ensaios Um outro. Varella, pela Corsário-Satã, no qual reflete sobre a vida, obra e crítica a respeito do poeta Fagundes Varella. Mais uma novidade que está para sair em breve é a publicação de Natureza: a arte de plantar. Durante mais de uma década, no Jornal do Brasil, e posteriormente no Jornal da Tarde, Leonardo teve uma coluna sobre ecologia. Alguns desses textos foram organizados pelo professor e crítico literário Victor da Rosa em um volume que será lançado pela Cepe Editora.
Foto: Cassiano Lustosa Fróes/Divulgação e Reprodução (capa)
Toda a delicadeza com a qual o escritor nascido em Itaperuna (RJ) trata de temas relacionados à poesia e ao ofício de poeta, o faz tecer respostas, durante nossa entrevista, com simplicidade e belezas – como as que a natureza diariamente o confessa em seu sítio. “Imagina você o que é a 2.400 metros de altitude, poder estender o colchão e dormir ao ar livre. É um silêncio absoluto. Você tem a impressão de estar perto das estrelas. É um silêncio que você não escuta um piar de ave, um silêncio sólido. Dá a impressão de que você pode pegar o silêncio de tão grande que é”, disse Fróes, quando comentávamos sobre a experiência de realizar caminhadas próximo de onde mora.
A partir de fragmentos da vida que colhe onde vive, Leonardo tece poemas que, há décadas, conquistam gerações de leitores. No lugar onde mora, também mergulhou em traduções de nomes importantes da literatura mundial. Froés começou a trabalhar no campo editorial muito cedo. Pelo destaque em sua profissão, conquistou logo a independência financeira, mas o sonho de se tornar poeta nunca o deixou.
“Ganhava dinheiro, mas um diretor de editora nunca está em disponibilidade, porque mesmo quando eu não estava em função da editora, olhava alguma publicação que interessava, tinha algum encontro em função do trabalho. A poesia consome muito tempo, é uma das atividades mais laboriosas. Numa mesa de bar, pode até sair poesia, mas tal como entendo a poesia, é um trabalho muito demorado, que precisa de muita paciência e dedicação.”
Por volta dos 30 anos, percebeu que seu tempo estava sendo praticamente todo alugado para o ofício editorial. Embora um “leitor ávido” que sempre foi, não conseguia se dedicar à leitura dos livros e, logo, decidiria ir para o campo, viver próximo à natureza, com menos dinheiro, mas com “mais tempo para me dedicar de corpo e alma à poesia”. O destino escolhido para realizar essa mudança – que era mais do que geográfica, posto que também transformaria a forma com que a vida lhe acontecia –, seria um sítio no bairro-distrito de Secretário, localizado em Petrópolis (RJ). Não é difícil entender por que o poeta escolheu o lugar: um pequeno rio passa pelo terreno e há montanhas próximas para se imaginar a beleza.
“Petrópolis é como se fosse um ninho no meio de uma cercadura de montanhas. Algumas têm nomes, como Maria Comprida, Mãe D’Água. São nomes bonitos, mas tem as com nomes objetivos, a maioria tem trilhas que foram abertas no tempo em que se faziam excursões pelas montanhas”, contou. O verde e a diversidade da vegetação predominam hoje em dia, mas quando Leonardo comprou o sítio, na década de 1970, o lugar era uma espécie de pasto e várias árvores nativas estavam cortadas. Seu desafio foi reflorestá-lo. E ele mesmo plantou a maior parte dos habitantes que atualmente estão por lá, lhe fazendo companhia. Só que isso não foi do dia para a noite, pois foi sendo feito com paciência e aprendizados diários: “Faz meio século, estou com 80 anos”.
São numerosas e diversas as espécies que habitam o local, de pé de seriguela a árvores nativas, com os mais variados comprimentos. Ao longo dos anos, por conta da vegetação que tomou conta novamente do lugar, as populações animais também foram se refugiando pelo sítio de Leonardo Fróes. Tudo lá o encanta e a forma com que ele fala desse seu canto no mundo também nos provoca encantamento.
“Na ciência de plantar jabuticabeira, você tem que esperar 20 anos para poder chupar a fruta daquela árvore. São lições de paciência. Quando você vai ao supermercado e compra a sua fruta, não vê o trabalho lento e laborioso que a natureza perfaz para chegar a uma fruta daquela.” Esse e outros aprendizados resplandecem ao longo de seus versos, que trazem a natureza enquanto agente, desde os temas escolhidos aos procedimentos poéticos que os compõem. Leitores, portanto, terão todo o tempo do mundo para apreciar sua Poesia reunida, que faz melhor compreender esse tempo nestes tempos em que estamos presentes:
O que eu chamo de deus é bem mais vasto
e às vezes muito menos complexo
que o que eu chamo de deus. Um dia
foi uma casa de marimbondos na chuva
que eu chamei assim no hospital
onde sentia o sofrimento dos outros
e a paciência casual dos insetos
que lutavam para construir contra a água (...)
(trecho do poema Justificação de deus, publicado em Sibilitz, 1981)
ERIKA MUNIZ, jornalista, com graduação em Letras.