Curtas

Risque esta palavra

Sobre a mais recente publicação da celebrada poeta Ana Martins Marques

TEXTO Erika Muniz

01 de Setembro de 2021

Ana Martins Marques é reconhecida como um dos nomes mais importantes da lírica contemporânea brasileira

Ana Martins Marques é reconhecida como um dos nomes mais importantes da lírica contemporânea brasileira

Foto Rodrigo Valente de Noronha/Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 249 | setembro de 2021]

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Tenho 39 anos.
Meus dentes têm cerca de 7 anos a menos.
Meus seios têm cerca de 12 anos a menos.
Bem mais recentes são meus cabelos
e minhas unhas.
(...)

O trecho trazido acima é do poema História, que compõe o livro Risque esta palavra (2021), mais recente publicação de Ana Martins Marques. Propondo um exercício reflexivo acerca de um tema constante na obra da mineira – a travessia do tempo –, o texto nos convoca sobre o modo com que esses ciclos ecoam sobre nós. Publicado pela primeira vez no perfil de Facebook da autora, o poema estava acompanhado de agradecimento pelas mensagens de feliz aniversário que seus seguidores enviavam e reverberou bastante pela rede social, à época. Entre curtidas, comentários e demonstrações de afeto em torno de de seus versos, o que se evidencia é a ligação que a poesia de Ana é capaz de estabelecer com quem a lê, em qualquer que seja a mídia.

Em Risque esta palavra, a autora novamente revela-se uma sensível espectadora do que sucede ao seu redor. Desde os acontecimentos que poderiam ser considerados mais relevantes a “qualquer coisa que esteja posta diante dos olhos”. Os que já conhecem outras de suas obras, possivelmente identificarão procedimentos e temáticas que permeiam seus escritos, como a presença marítima e as investigações sobre a própria poesia.

A vida submarina, poema que dá título ao primeiro livro publicado por ela, em 2009, pela editora Scriptum, estava esgotado há alguns anos nas livrarias do país. A boa notícia é que ele acaba de ganhar uma reedição pela Companhia das Letras. “Acho que nele já estão colocados muitos dos temas e questões que atravessam meus livros seguintes: as imagens marítimas, os poemas voltados para os espaços da casa e os objetos cotidianos, a metalinguagem, a relação com as viagens e os lugares, o diálogo com outros autores e com as artes visuais… Apesar disso, confesso que senti uma certa estranheza ao revisitar o livro, como se estivesse lendo poemas escritos por outra pessoa. Até por isso, optei por não alterar nada: o livro sai agora exatamente como foi publicado em 2009”, comenta a poeta por e-mail.

Reconhecida como um dos nomes mais importantes da lírica contemporânea brasileira, Ana Martins Marques é vencedora do prêmio da Biblioteca Nacional, com Da arte das armadilhas (2011), e vencedora do terceiro lugar do Oceanos, com o aclamado O livro das semelhanças (2015). De lá para cá, a poeta publicou também Duas janelas (2016), em parceria com Marcos Siscar; Como se fosse a casa (2017), escrito com Eduardo Jorge, e O livro dos jardins (2019). Cada um desses três últimos títulos compartilha, mesmo que de maneiras bem distintas, o fato de serem organizados a partir de projetos formalmente estruturados. Risque esta palavra, por sua vez, se configura enquanto uma “coletânea de poemas”, já que abarca textos produzidos sem um recorte temporal tão específico ou mesmo uma única temática.

 
Além de lançar Risque esta palavra (Companhia das Letras), Ana Martins Marques teve o seu A vida submarina, de 2009, relançado pela mesma editora. Imagens: Divulgação

Graduada em Letras com doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais, Ana considera-se uma “leitora um pouco errática”. Em entrevista, ela nos contou que – como muitos de nós nestes tempos – tem lido menos do que realmente gostaria. “Nestes dias estou lendo Os anos, da Annie Ernaux, e relendo, meio aos saltos, os Diários do Kafka, que acabaram de ser publicados pela Todavia. Mas sempre leio também um pouco de poesia, nem que seja um ou dois poemas antes de dormir. Para não deixar de mencionar alguma poesia, recomendo muito o Casa do Norte, excelente livro de estreia do Rodrigo Lobo Damasceno, publicado pela editora Corsário Satã, e os Poemas da Louise Glück, que acabam de ser lançados pela Companhia das Letras”, revela.

Risque esta palavra é organizado em quatro partes e formado por poemas que trazem desde as temporalidades (História e Medidas) à relação dos mineiros com o mar (Minas à beira-mar) enquanto seus temas. Entre as outras incursões nesse novo livro, Ana Martins retoma seus versos acerca das fronteiras entre a poesia e outras formas artísticas, a exemplo de Prosa (I) e Prosa (II).

“A primeira (parte, intitulada A porta de saída) é mais aberta, tem desde poemas de amor até poemas atravessados pela questão da perda e do luto. A segunda, Postais de parte alguma, reúne textos que giram de alguma forma em torno do tema da viagem e dos lugares. A terceira se chama Noções de linguística e inclui poemas relacionados com a língua, a linguagem, a tradução. A última parte, Parar de fumar, é, como disse Richard Klein a respeito de seu livro Cigarros são sublimes (1997), ‘ao mesmo tempo, uma ode e uma elegia ao cigarro’”, comenta a poeta.

“Ele (o livro) reúne poemas esparsos que vim escrevendo ao longo de vários anos. No momento de organizar os poemas no livro, porém, houve todo um processo de seleção, composição e montagem, que constitui praticamente um novo processo de escrita. As partes em que o livro se divide, com exceção da última, sobre parar de fumar, que é mais propriamente temática, foram surgindo da convivência com os textos. A partir de certo ponto, quando as partes estão definidas, é como se os poemas começassem a se reorganizar em torno delas, criando suas próprias zonas de atração, às vezes levando à escrita de um novo poema ou à exclusão de outros”, revela, sobre o processo de edição da obra.

ERIKA MUNIZ, jornalista, com graduação em Letras.

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