A programação, que desta vez tem palco agendado entre os dias 22 e 25 de fevereiro (de sábado a terça de Carnaval), no Cais da Alfândega, deve sair no início da próxima semana, mas já temos alguns nomes para adiantar. Estão confirmados Liniker & Os Caramelows, Ana Frango Elétrico (SP), Josyara (BA), os rappers Hot & Oreia (MG), a banda belga Black Flower e, finalmente, a cantora Karina Buhr, atração apresentada pela revista Continente, que este ano também comemora data redonda – 20 anos.
Trazendo de São Paulo o show do seu último disco, Desmanche (2019), sua vinda ao Rec-Beat ganha ares bastante afetivos, uma vez que a artista acompanhou vários estágios do festival. Chegou, inclusive, a participar de um embrião do evento, em 1994, no Aeroanta, capital paulista, e ainda tocou em algumas edições do festival em Olinda, na Rua da Moeda e no Cais da Alfândega, inclusive na época em que fez parte da banda Eddie.
“É sempre muito bom participar. O festival tem um público incrível, equipe técnica impecável, line up sempre lindo... É festejar isso tudo e o Carnaval. Eu não via a hora de fazer o show de meu disco novo no Recife e é maravilhoso fazer isso no Rec-Beat. E pensar que esse ano eu não ia ter Carnaval porque o filme Meu nome é Bagdá (Caru Alves de Souza), que participei como atriz, foi selecionado para a Berlinale (Festival Internacional de Cinema de Berlim). Eu sou uma das pessoas da equipe escolhidas pra ir lá representar e o festival começa exatamente no Carnaval. A viagem foi adiada pro dia 23 e acabou dando pra não só estar no Recife no Sábado de Zé Pereira, como estrear o Desmanche no Rec-Beat”, comenta Karina Buhr.
“Hoje é um festival consolidado que, mesmo com 25 anos, mantém um frescor e sempre apresenta tendências e novidades com uma pitadinha de tradição. Por acontecer dentro do Carnaval, o Rec-Beat é uma experiência dentro da experiência. O momento, o espaço, a gratuidade de acesso, torna-o bastante democrático e promove uma entrega muito diferente”, comenta Antônio Gutierrez. “Na curadoria, seguimos a ideia de que quem vai pro Rec-Beat busca algo além, são pessoas mais permissivas à surpresa ou ousadia, que sempre esperam algumas surpresas do festival. Isso acontece até com shows conhecidos que, naquele ambiente, ganham outra dimensão; na verdade, tudo, no Carnaval, ganha outra dimensão.”
CONTEXTOS, HISTÓRIAS O começo do Rec-Beat remonta à chegada de Gutierrez (ou Gutie) ao Recife. O paulista de Bariri era um jornalista da Gazeta Mercantil quando foi enviado à capital pernambucana, no final de 1989, como correspondente do Nordeste. Na época, já tinha uma relação forte com a música – na sua cidade, fizera musicais, recitais e chegara até a gerenciar discoteca. Por isso, decidiu logo investigar a cena musical recifense e, assim, deparou-se com um terreno árido. Naquele final de década, despontavam apenas alguns grupos dark, segundo relata o produtor. “Logo depois, me deparei com a cena, em Olinda, com eventos como o Lamento Negro. Como a galera frequentava sempre os mesmos espaços, inventei uma festa chamada Projeto Rec-Beat, no Adilla’s Place, para reuni-los. Depois, o movimento (Manguebeat) estourou e ganhou visibilidade nacional. Daí, no Carnaval, percebi que uma galera chegava procurando essa nova música, mas, além dos inferninhos, não existiam plataformas para essa cena. Outra coisa é que o Carnaval sempre foi uma festa muito diurna, como é até hoje. Eu, como folião, sentia falta de algo a mais e levei a festa do Adilla’s pro Centro de Cultura Luiz Freire”, recorda Gutie.
Quando o Rec-Beat surgiu, não se consumia música “como água, ligando a torneira e deixando rolar”, parafraseando DJ Dolores. Gutie conta que, há duas décadas, o cenário era outro: “Quando comecei a fazer o festival, o instrumento de trabalho mais avançado era um fax. Lembro que, quando fazia a programação, eu enviava escrita à mão, meio tosca mesmo, para Marcelo Pereira, do Jornal do Commercio (risos). Para as bandas chegarem até a gente, era uma puta dificuldade. A gente ficava sabendo mais de banda pelo 'boca a boca' e por veículos especializados. A garimpagem era mais difícil, tanto que, quando pensei na questão da música latino-americana, tive que identificar um mercado fora do país e viajar”.
No contexto da década de 1990, portanto, o Rec-Beat surgiu principalmente como espaço potencializador da cena local e da periferia cultural recifense, que não dispunha de ferramentas ou espaços para expor sua música aos grandes públicos. Na atualidade, o espírito de curadoria e filtro permanece e se intensifica diante da imensidão de conteúdo musical disponível nas plataformas de streaming. “Com essa credibilidade, as pessoas vão mesmo às cegas para o festival, o que acontecia bem mais na falta de tecnologia. Conforme a tecnologia amplia, cresce nossa ousadia com coisas diferentes. Essa é uma das nossas maiores conquistas e responsabilidade”, avalia o idealizador.
Público do festival em 2019. Foto: Ariel Martini/Divulgação
Dessa forma, com a expansão de ferramentas e o crescimento do festival, o conceito de trazer músicas periféricas ultrapassou as fronteiras do Recife e, também, do Brasil. “A ideia de contemplar uma cena local foi se ampliando, tornando-se nacional e, também, há uns 13 ou 14 anos, conseguimos trazer a nova música afrolatino-americana. São periferias, desde a periferia urbana à periferia internacional. O conceito de trazer as novidades periféricas está presente até hoje”, relata Gutie.
Pode-se dizer ainda que a história do Carnaval no Bairro de Recife – pelo menos nos moldes atuais – se confunde com a própria história do Rec-Beat. Após alguns anos em Olinda, o festival recebeu o convite da Secretaria de Cultura do Recife para ocupar a Rua da Moeda, num projeto que buscava levar os foliões para as ruas daquele bairro que, até então, seguia sendo explorado culturalmente por alguns nichos, de vez em quando. A ida do festival, aliada a outras iniciativas, transformaram o local no principal fervo noturno carnavalesco. “Quando a gente foi pra lá, não tinha quase nada na Rua da Moeda. Só tinha o restaurante Royal. Quando fomos ocupá-la, Roger resolveu montar uma filial de Soparia na esquina, que virou o Pina de Copacabana. Aí o Tibério, atrás do palco, botou uma tábua e fez um bar chamado Barckstage. Quando saímos, deixamos o embrião de um local alternativo que as pessoas passaram a frequentar. Depois, foram chegando mais coisas”, conta.
Nesta edição, a parceria entre a Companhia Editora de Pernambuco (Cepe), através da Continente, e o festival tem uma relevância não apenas como fomento à cena musical e cultural em um momento árduo de patrocínios para o setor no país; a parceria é uma forma de mostrar que tudo o que vemos hoje não aconteceu da noite para o dia, e a cultura da cidade é resultado de uma vontade política, fruto de muitos nomes e parceiros.
Em tempo: depois da parceria em 2018 com o Rec-Beat, a Continente voltará a ocupar os intervalos dos shows com a transmissão ao vivo de entrevistas exclusivas com artistas da programação. Além disso, já estamos com uma promoção especial: 50% de desconto em assinaturas (impressa, com digital grátis) para quem utilizar, em nossa loja virtual, ao final da compra, o código RECBEAT.
VICTOR AUGUSTO TENÓRIO é jornalista em formação pela Universidade Católica de Pernambuco e brincante do Carnaval, da lama do começo do Sábado de Zé Pereira à noite da Terça Gorda.