Curtas

Rasgacabeza

Novo disco da banda Francisco, el hombre traz o elemento fogo como conceito para um trabalho que quer deixar os sentimentos às claras e o espírito vivaz

TEXTO Samanta Lira

14 de Junho de 2019

A banda Francisco, el hombre em seu momento

A banda Francisco, el hombre em seu momento "chamas"

Foto Rodrigo Gianesi/Divulgação

Músicas que geram o sentimento de catarse e da conexão que se estabelece entre artista e público na experiência do ao vivo. Essa é a concepção de Rasgacabeza, novo disco da banda Francisco, el hombre (Record Noize Club, 2019). Três anos após o lançamento de Soltasbruxa, trabalho de estreia responsável por disparar o grupo para todo o Brasil, eles retornam ainda mais "fora da caixinha", algo que sempre foi a marca de suas produções. O novo trabalho vem como uma forma de reverberar a proposta de expurgar vivências e urgências por meio da música.

"Depois que a gente lançou Soltasbruxa, ficamos pensando na dificuldade que tínhamos de trazer a catarse do show para dentro do disco. E aí, nesse sentido, acho que essa foi a nossa maior busca, a de como fazer um trabalho ainda mais explosivo, que já no disco ele soe isso, mas que, ao mesmo tempo, ele possa dar material para gente conseguir deixar o show, também, cada vez mais explosivo, mais dançante, mais participativo", explica, em entrevista à Continente, o baixista Rafael Gomes, que integra a banda junto aos irmãos mexicanos Sebastián (bateria e voz) e Mateo Piracés-Ugarte (violão e voz) e os brasileiros Juliana Strassacapa (voz) e Andrei Kozyreff (guitarra).

Rasgacabeza, então, tira a leveza do quinteto e adiciona tons mais agressivos e industriais à sonoridade, trazendo, ainda, um discurso mais inflamado. Enquanto o disco de estreia da Franscisco, el hombre se encaixava num plano mais racional, a necessidade dos componentes de levar as letras para um outro lugar, que mexesse com o lado visceral do ser, gerou essa nova criação, algo que foi surgindo naturalmente, a partir da identificação dessa necessidade e do processo de aguçar a sensibilidade enquanto se produzia. "Nunca existiu, conscientemente, uma ideia de que o discurso fosse mais radical, mais incisivo, senão que os sentimentos fossem mais claros", explica Gomes.


Foto: Noise Record Club

Para atiçar o ouvinte e executar a proposta de movimentação, a banda se apoiou na simbologia do fogo durante a composição. Na ciência, quanto maior a temperatura, maior será o grau de agitação das moléculas. Incorporando a lei natural, o trabalho da banda, então, ganha um status mais frenético. A própria cabeça flamejante na capa do disco já traz o elemento de forma explícita, mas as referências a ele são elaboradas em quase todas as músicas, tanto nas letras quanto nos arranjos, com exceção da faixa O tempo é sua morada, que traz outro dos quatro elementos: o vento (o ar).

O disco começa com Chama adrenalina, que vê o fogo como ritual, reação, pulsão de vida. A mensagem transmitida também propõe uma solução metaforicamente eficiente para a monotonia, através do uso da gasolina. "Existe um lado da simbologia mesmo, de entender o fogo enquanto essa chama da vida que está dentro da gente, e de entender que, de alguma forma, o artista é aquela pessoa que mantém o fogo aceso através da arte. E a vida movimenta, a vida é transformação. E o fogo é justamente a transformação da matéria em energia etérea", explica o baixista.

Rasgacabeza marca ainda uma sonoridade mais ampla do grupo. Já conhecidos por misturar MPB com música latina e rock, o grupo agora traz uma familiaridade com elementos da eletrônica. Na terceira faixa, Travou, por exemplo, a letra traça a ironia de se morar no centro de uma cidade e viver imerso a diversas angústias fazendo uso desses elementos, além da simulação do famoso erro da “tela azul” no refrão.

As vivências das turnês pela América Latina rendem uma bagagem que sempre influencia o grupo nas criações, algo que resulta também numa música cantada tanto em português como em espanhol e inglês. Os vários ritmos experienciados misturam-se com outras influências pessoais construídas ao longo da vida dos integrantes. Nesse disco, a busca por sons urbanos foi a inspiração, mais especificamente, a influência do Kuduro. "Por mais que a gente tenha tentado fechar um pouquinho esse leque de possibilidades que dá para se trabalhar na música, ainda mais dentro de tudo o que a gente gosta e ouve, que também é uma infinidade de coisas, acabam surgindo essas várias diferenças", pontua.

Mesmo com as novas influências da Francisco, o violão ainda teve o seu lugar de destaque na faixa Parafuso solto. Na letra, novamente, aparece a metáfora da máquina. Com poucos e endurecidos movimentos, a máquina logo é decomposta por um simples parafuso solto. Trata-se de saúde mental, incorporada na ideia de ruptura. Uma canção que fala sobre entender e lidar com os novos processos e ciclos da vida. O perfil no Instagram criado especialmente para essa faixa – iniciativa que segue para todas as outras músicas – traz uma finalidade a mais: fornecer informações de locais que oferecem atendimento psicológico gratuito em todas as regiões do Brasil.

O fechamento de Rasgacabeza vem com a faixa Se hoje tá assim. Com um forte discurso politizado, a canção nos lembra da importância de ser proativo diante do contexto atual. Uma sensível e metafórica letra que elabora a censura como um alimento do medo, comparando, ainda, o eu-lírico a um fósforo preso em uma caixa. Para obter oxigênio necessário para "acender", ele precisa se libertar dela. Um desfecho que amarra precisamente toda a simbologia do fogo que é construída no álbum.

Em tempo: o disco tem lançamento neste sábado (15/6), no Recife (casa de shows Estelita), e eles estão circulando em turnê pelo país. Saiba mais na fanpage do grupo.

SAMANTA LIRA é estudante de jornalismo da Unicap e estagiária da Continente.

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