Juntos, os três buscam reconstruir o som que nasceu nas periferias dos Estados Unidos nos anos de 1970 e viveu seu auge comercial após o sucesso do filme Saturday night fever, estrelado por John Travolta em 1977. No entanto, o declínio da disco foi tão rápido quanto a sua ascensão meteórica às paradas musicais. Depois de dominar as rádios e as pistas, os artistas negros dedicados ao estilo, como Donna Summer, Glória Gaynor e Curtis Mayfield, passaram a sofrer um boicote entre radialistas e fãs de rock, culminando na Disco Demolition Night, em 1979. O evento ficou marcado pela queima de LPs da disco music em um campo de beisebol, em Chicago, após uma partida do time White Sox. Sob palavras de ordem como “Disco sucks”, uma multidão de 50 mil pessoas alegava que o gênero era comercial e superficial demais.
Foto: Bel Gandolfo/Divulgação
Assim como muitos pesquisadores, FBC acredita que essas justificativas apenas mascaravam o preconceito com artistas e público da disco, formado pelas minorias negra, LGBT e latina. Coincidentemente ou não, a partir desse episódio as discotecas foram substituídas por clubes de new wave, e as pistas foram deixando de ser um espaço de expressão da liberdade, onde pessoas diversas conviviam como iguais, para se tornar um ambiente dominado por um público hegemonicamente branco. Milhares de álbuns da disco ficaram estocados em acervos abandonados, mas foram garimpados no início dos anos de 1980 por jovens DJs das periferias norte-americanas. Esse material foi sampleado e usado como base para a criação de novas músicas com intervenções de baterias eletrônicas, sintetizadores e teclados, que, ao longo dos anos, deram origem a diversos outros ritmos, como o house, o hip hop e o miami bass.
“Eu me apaixonei por isso. Acho que tudo isso é hip hop e é o meu universo, tá ligado? Quero fazer isso, aprender mais, mergulhar e viver com aquilo que eu sei. O passo é o mesmo, não muda muito o andamento de um para o outro: um é 90 bpm, outro é 120, então não tem uma distância muito grande”, observa FBC, que, inspirado pelos teclados e sintetizadores, até começou a estudar piano buscando criar arranjos mais expressivos para suas músicas. O resultado é notório nas novas composições, cujas faixas têm longa duração e contam com instrumentais encorpados não só pelos aparelhos digitais, mas também pelo som orgânico de guitarra, sax, trompete, trombone, percussão, entre outros.
“Não teria graça fazer um álbum de house com músicas de dois minutos, porque a proposta inicial do estilo, desde o Frankie Knuckles, são músicas com mais de seis minutos. É uma coisa de nicho. Se eu não fizesse assim, acho que não seria honesto com o público da música eletrônica. Quis prestar uma homenagem respeitosa e sincera porque amo isso, não quero que as pessoas me vejam como um caça-níquel”, comenta FBC sobre a escolha de ir na contramão da nova onda comercial de músicas mais curtas. Fiz o Baile e Se tá solteira estouraram. Beleza! Ganhei dinheiro com isso e agora vou continuar fazendo outras coisas que eu quero, porque acredito que a música tem que ser pra mim também”, completa.
PISTA LIVRE
Atento às reformulações que a cena passou ao longo das décadas, FBC também teve como referências outras variantes da dance music, que trazem à tona especificidades de outras periferias do mundo, como é o caso do amapiano, uma variante sul-africana do house que fica mais evidente na faixa Atmosfera. “Quando eu fui para a Europa, vi uma explosão de coisas acontecendo pelas diásporas do mundo. Vi o tanto que os imigrantes estão produzindo coisas diferentes e os grandes produtores negros do Soundcloud querem resgatar para dar continuidade a Disco e retomar essa história interrompida”, explica.
“O amor, o perdão e a tecnologia irão nos levar para outro planeta” seria então um representante brasileiro dentro desse movimento mundial, que conta com artistas diversos, mas que recentemente encontrou seu expoente mais famoso em Renassaince, de Beyoncé. São trabalhos que contemplam todo mundo, mas que, sobretudo, devolvem a pista de dança como espaço de gozo para as minorias. “A dança e a alegria também é algo que a gente pode trazer para o campo da luta, porque viver é um ato político, é um ato de resistência. Ainda mais para pessoas periféricas que lutam pela liberdade, pelas suas liberdades individuais. Eu sempre acreditei que a dança cumpre, sim, um papel social, ainda mais vindo de uma pandemia onde as pessoas estavam distantes umas das outras e não podiam se ver, nem se tocar. A rede social cumpriu aquela coisa ali de apoio, mas ao mesmo tempo que nos aproximou de uma forma, também nos distanciou de outra”, pondera.
As consequências da vida virtual é um dos principais temas do novo álbum, que fala sobre encontros amorosos, frustrações e isolamentos promovidos pelas redes sociais. É o caso de faixas como Estantes de livros, Dilema das redes e Antissocial, que contaram com as parcerias dos rappers Don L, Nill e Abbot, respectivamente. Esse último ainda colabora em outras canções, como a ressentida Não me ligue nunca mais e o blues de A noite no meu quarto. Os convidados desconstroem o universo competitivo do rap e, junto a FBC, recriam um espaço de partilha que pode ser mais fértil para a cena. “Obedeço ao meu ouvido quando estou fazendo música. Não penso em estratégia, penso primeiramente na arte. Chamei o Don L pela temática, achei que seria da hora ele ali. O Nill veio porque acho que não teria como fazer um álbum de house no Brasil sem tê-lo como referência. E o Abbott porque acredito que vai ser um dos artistas de nível internacional. É uma das vozes mais bonitas que temos ultimamente dentro do trap e rap”, aposta.
A pluralidade de vozes reforça o tom existencial do álbum, que o mineiro considera “jorgebenjístico”, em referência a influência recente que a obra de Jorge Ben Jor tem exercido sob o seu trabalho. O carioca, conhecido por discos emblemáticos, como A tábua de Esmeralda e Samba esquema novo, fala de amor imerso a uma atmosfera mística, que também permeia o novo trabalho de FBC. Esse caráter enigmático fica mais claro em faixas como O que te leva para outro planeta? em que o compositor acredita que o amor, o perdão e a tecnologia seriam como alquimistas, capazes de transformar o nosso planeta em outro lugar mais precioso, da mesma forma que tornam qualquer metal em ouro.
Trata-se de uma perspectiva otimista para o mundo, indicando saídas para os temas duros que são abordados nas faixas do disco, como Químico amor, que fala de um casal unido pelo abuso de drogas. “Eu sou um realista esperançoso e esse disco é onde eu deposito a minha fé no caminho que a humanidade vai tomar. Sempre acreditando muito nas pessoas e que um dia elas vão conseguir ultrapassar todas essas barreiras ligadas aos costumes a ao jeito que a gente se relaciona para chegar a um entendimento que permita a gente vibrar”, esclarece FBC. Se no futuro a Terra estará mesmo transformada em outro planeta melhor ainda é incerto, mas por hoje o que já sabemos é que o álbum dá sua contribuição na construção de um mundo mais humano, livre e diverso.
CAMILA ESTEPHANIA é jornalista cultural.