Nas últimas décadas, quando lembramos o carnaval recifense, no que diz respeito à identidade visual criada para as ruas centrais, onde ocorre a folia, logo nos vêm à mente os icônicos desenhos que por anos adornaram pontes e vias públicas, com seus contornos definidos, formas geométricas e cores vibrantes, em figuras que remetiam à diversidade artística, cultural e natural da cidade e, por extensão, do estado. Isso foi a partir de 2001, através do olhar criativo da artista visual Joana Lira, responsável pela decoração carnavalesca do Recife, que trouxe como proposta para o carnaval de rua a conexão com a liberdade de brincar com a fantasia, incorporando o espírito tradicionalmente democrático da festa.
Agora, entre 15 de janeiro e 17 de março, podemos reencontrar essa memória iconográfica na exposição Quando a vida é uma euforia, que chega ao Museu Cais do Sertão (Bairro do Recife) trazendo recortes das criações desenvolvidas por Joana ao longo dos 10 anos de sua participação no projeto de intervenção urbana da cenografia do período festivo. Com curadoria de Mamé Shimabukuro, a mostra, que já passou pelo Instituto Tomie Ohtake em São Paulo, permite um mergulho na maneira inovadora de olhar para o legado das raízes culturais pernambucanas – que ressignificou a decoração carnavalesca, pela fusão entre tradição e contemporaneidade, centro e periferia.
“No começo, a cenografia era mais ligada a uma ideia de volumetria, de cor, não tinha tanto o lado figurativo. Ao longo do tempo, a gente foi entendendo que precisava de um tema. Começamos, então, a trazer os homenageados do ano, fazendo uma revisitação pelas obras de importantes figuras da cena pernambucana. Foi a partir de 2006 que as artes visuais ficaram mais fortes, porque eu pude, de fato, brincar de interpretar”, conta Joana, em entrevista à Continente. Quando a vida é uma euforia é um “fechamento” dessa trajetória, com seus cinco núcleos integrados pelas inspirações e processos criativos da artista, numa síntese simbólica de vida e experiências, indo das memórias de pertencimento à manifestação do carnaval.
Para ter contato com essa noção de pertencimento, que, aliás, dá nome a um dos núcleos, o público poderá não apenas encontrar registros que revivem a carreira da artista, como também textos, fotos e vídeos que fizeram parte de sua formação. Com eles estão as obras dos artistas homenageados através da decoração e iconografia dos carnavais em que Joana esteve à frente, como os dedicados a Ariano Suassuna, Lula Cardoso Ayres, Abelardo da Hora, Cícero Dias, Vicente do Rego Monteiro e Tereza Costa Rêgo.
“Não é uma exposição contemplativa”, como a artista faz questão de frisar. O fio condutor é a emoção, tecido em estímulos que acionem sensações nos visitantes, conduzidos através da direção musical de Maurício Badé. A materialização desse objetivo, segundo a artista, se dá no último momento, no núcleo Transcendência, que seria o ápice da exposição, após a passagem por todos os cinco espaços. Nele, o público é estimulado à experiência de incorporar o Carnaval e sentir a festa pulsar dentro de si.
Levar esse recorte de 10 anos da identidade visual carnavalesca recifense a um espaço expositivo é uma forma de – para além da reflexão sobre a diversidade que se faz presente no período – fantasiar a própria condição estética de uma festa popular. Quando a vida é uma euforia proporciona a percepção de como uma linguagem gráfica é capaz de intervir no espaço público, a ponto de se tornar a identidade visual que se fixa ao imaginário popular. Sem esquecer, claro, do importante papel de enfatizar um dos mais democráticos e ricos carnavais do Brasil, que se liga ludicamente a aspectos do coletivo, do patrimonial e do turístico.
SAMANTA LIRA é estudante de Jornalismo da Unicap e estagiária da Continente.