Curtas

Povo de Deus – Quem são os evangélicos e por que eles importam

O multifacetado universo evangélico

TEXTO Paulo Cezar Soares

01 de Setembro de 2022

O historiador Juliano Spycer faz uma radiografia do universo dos evangélicos no Brasil

O historiador Juliano Spycer faz uma radiografia do universo dos evangélicos no Brasil

Imagem Divulgação

[conteúdo na íntegra | ed. 261 | setembro de 2022]

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O voto evangélico foi determinante para a vitória do atual presidente, Jair Bolsonaro, na disputa presidencial de 2018. No segundo turno do pleito, ele obteve a maioria (68%) dos votos evangélicos. Já há algum tempo essa é a religião que mais cresce no país. E, segundo estatísticas, pode superar os católicos na próxima década.

De acordo com levantamento mais recente do IBGE, o crescimento evangélico é proporcional à redução do número de católicos e, a cada ano, são abertas 14 mil novas igrejas evangélicas. “Não há dúvida de que o voto evangélico foi fundamental para a eleição de Jair Bolsonaro. Mesmo sendo menos de um terço do eleitorado, as lideranças evangélicas são muito atuantes na política e estão colhendo o resultado de anos de ativismo religioso”, garante José Eustáquio Diniz Alves, sociólogo, doutor em demografia e professor titular da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence/IBGE).

O livro Povo de Deus – Quem são os evangélicos e por que eles importam, do antropólogo Juliano Spyer (Geração Editorial), faz uma radiografia desse universo religioso, suas especificidades e importância, a partir de um texto conciso e objetivo, sem jargões acadêmicos – atributos capazes de popularizar a leitura – e com amplas referências bibliográficas. O autor apresenta detalhes pouco divulgados a respeito de como a conversão a essas religiões pode melhorar, sob vários aspectos, a vida do fiel. O abandono dos vícios – como jogo, cigarro, álcool e drogas – possibilita, usualmente, uma melhor qualidade de vida, da condição socioeconômica e da autoestima, o que é reconhecido por sociólogos e antropólogos que estudam o cristianismo no país.

Spyer deixa claro que a religião evangélica não é hegemônica e não possui uma liderança que a represente. Na tentativa de unir as diversas denominações para, entre outras coisas, evitar distorções e práticas “perniciosas” ao evangelho, em 1991, foi criada a Associação Evangélica Brasileira (AEVB), que teve vida curta, devido a problemas pessoais do seu primeiro presidente, o pastor Caio Fábio, que se afastou da instituição.

Uma das razões que estimularam o autor escrever o livro foi a importância do voto evangélico na eleição presidencial de 2018, além da sua interação com famílias evangélicas durante um período de 18 meses, quando estava desenvolvendo a pesquisa de campo para a sua tese de doutorado – a respeito das causas e consequências do uso das mídias sociais pelos brasileiros das camadas mais populares num bairro periférico de Salvador. “Escolhi Salvador porque tenho família na cidade. Mas a pesquisa poderia ter acontecido em qualquer bairro pobre do país”, revela Juliano Spyer, mestre e doutor em Antropologia pela University College London (UCL) e historiador formado pela USP.

A princípio, a pesquisa não envolvia religião, o que acabou ocorrendo mediante um fato insólito: a suspeita, por parte de muitos moradores, de que Juliano fosse um policial trabalhando à paisana. O boato tomou corpo e ele sutilmente chegou a ser ameaçado de morte. Para não ter que abandonar o local, onde já tinha estabelecido algumas relações, como estratégia para dirimir a suspeita, decidiu aceitar o convite de todos os evangélicos locais para conhecer suas igrejas. Os vínculos desenvolvidos e o contato prolongado com as pessoas que participam regularmente das atividades nas suas igrejas serviu de “ponto de partida” para a realização do livro – leitura indispensável para os estudiosos e pesquisadores do tema e dos brasileiros com consciência crítica que acompanham as transformações culturais do Brasil.

Apesar de apresentar um viés positivo dos evangélicos, o que pode ser constatado a partir do próprio subtítulo na capa, o autor tem uma posição crítica sobre os parlamentares da bancada evangélica que não se mobilizam para combater a corrupção e resolver questões sociais e, também, em relação a valores ultraconservadores de muitos evangélicos. Do mesmo modo, aponta o projeto de poder de muitas igrejas, explícito perante o apoio maciço a Bolsonaro, o que, entre outras coisas, trouxe um desgaste na imagem desse segmento religioso perante a sociedade.

“Sim, o ambiente da igreja está perdendo seu caráter de espaço para o acolhimento, para falar sobre fé e cultivar amizades, para se tornar um ambiente tenso, em que o tema político se torna muitas vezes foco dos debates, e produz desgastes. Possivelmente essa situação está relacionada ao crescimento de ‘desigrejados’ e ao aumento do número de jovens sem religião”, explica Spyer, que afirma não seguir nenhuma religião específica e classifica-se como humanista e pacifista, com simpatia por humanistas pacifistas budistas, cristãos, candomblecistas, islâmicos e de todas as outras correntes espirituais.

PAULO CEZAR SOARES, jornalista.

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