Curtas

Por que não vivemos?

Com adaptação direta do russo escrito por Anton Tchekhov, em sua peça 'Platonov', espetáculo da Companhia Brasileira de Teatro retorna aos palcos em curta temporada no Recife

TEXTO Márcio Bastos

09 de Dezembro de 2021

Além de Camila Pitanga (acima), o elenco da peça é formado por Cris Larin, Edson Rocha, Josi.Anne, Kauê Persona, Rodrigo Bolzan, Rodrigo Ferrarini e Rodrigo de Odé

Além de Camila Pitanga (acima), o elenco da peça é formado por Cris Larin, Edson Rocha, Josi.Anne, Kauê Persona, Rodrigo Bolzan, Rodrigo Ferrarini e Rodrigo de Odé

Foto Divulgação

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O desejo da Companhia Brasileira de Teatro de trabalhar com Platonov, de Anton Tchekhov (1860-1904), vem desde 2009, ano em que tentaram adaptar o texto para os palcos. O projeto, no entanto, só conseguiu ser realizado em 2019, com o título Por que não vivemos?, mergulhado no contexto de um Brasil completamente diferente de uma década atrás, o que conferiu ao trabalho novas camadas. Após suspender a circulação por conta da pandemia, o coletivo retorna aos palcos no Recife, onde cumpre uma curta temporada desta quinta (9) a domingo (12), no Teatro de Santa Isabel. 

Nos últimos anos, o grupo vinha se debruçando sobre dramaturgias originais, como Preto, e montagens e traduções de autores contemporâneos inéditos. Apesar de se tratar de um texto de um dos maiores dramaturgos do Ocidente, esta é uma peça peculiar. Trata-se de uma obra descoberta apenas em 1923, duas décadas após a morte do autor, que sequer tinha um título oficial. Platonov, como ficou conhecida, toma seu nome emprestado de um dos personagens, o professor Mikhail Platonov, e há alguns anos se tornou objeto de adaptações – como The present, encenada em 2017, por Cate Blanchett e Richard Roxburgh, em Nova York – e de estudo dos admiradores do trabalho do artista russo, entre eles Márcio Abreu, diretor da Companhia Brasileira de Teatro. 

“Quando me deparei com esse texto pela primeira vez, fiquei muito provocado, porque ele te faz tantas perguntas, te dá tantas possibilidades de pensar o mundo, as pessoas, os comportamentos e as linguagens. Tinha muito a ver com o que eu e a companhia vínhamos naquele momento, lá em 2009, pesquisando”, relata o diretor em entrevista à Continente. “Quando estreamos, em 2019, percebemos que tinha tudo a ver com o momento em que o país e o mundo estavam – em uma ebulição, em um contexto de fortes e extremas transformações. A gente pode fazer uma analogia com aquele contexto da Rússia do final do século XIX e início do século XX: uma sociedade que já não se sustenta mais nas bases sobre as quais foi construída e não se sabe ainda para onde vai, sobre quais paradigmas vai se articular”, conta.


Cena de Por que não vivemos?. Foto: Divulgação

Até então inédito no Brasil, o texto foi adaptado por Márcio, Giovana Soar e Nadja Naira, a partir de uma tradução original do russo por Pedro Alves Pinto e de uma publicação francesa. O processo de construção da peça, como todos os trabalhos da Companhia Brasileira de Teatro, foi ganhando forma na sala de ensaio, a partir de trocas com os envolvidos na produção. Como também tem sido uma constante no trabalho do coletivo, foram convidados artistas parceiros para somar ao projeto, como Camila Pitanga. Admiradora da obra do escritor russo, a atriz participou, há alguns anos, de outro trabalho envolvendo a obra dele, a adaptação teatral da novela O duelo

“Na época em que estreamos a peça, a gente estava falando sobre o pós-golpe, um período em que muita gente passou a duvidar da sua capacidade de autonomia, de sua liberdade – e a peça vem para afirmar que a gente precisa viver o que a gente acredita, validar os valores democráticos, coletivos. A peça, quando fala de festa, de celebração de vida, de esvaziamento e de dúvidas, convoca as pessoas a pensarem o que querem das suas próprias vidas”, reforça Camila Pitanga. “A gente precisa pensar sobre isso e dar valor sobre o que se quer construir. Espero que nessa minitemporada que vamos fazer no Recife, a gente possa fazer esse começar de novo. Para mim, é estar de novo na presença do público”, diz a atriz.

Além de Camila Pitanga, o elenco de Por que não vivemos? é formado por Cris Larin, Edson Rocha, Josi.Anne, Kauê Persona, Rodrigo Bolzan, Rodrigo Ferrarini e Rodrigo de Odé. Apesar de suas conexões com o presente, a montagem se passa em uma festa que acontece na propriedade rural de uma jovem viúva, localizada em local e tempo não definidos. Entre os participantes da festividade, está Platonov, que se tornou professor para disfarçar a revolta contra seu pai e a perda de posição de sua família de origem aristocrática. Na ocasião, ele reencontra Sofia, um antigo amor, o que desencadeia conflitos internos e externos.

Márcio Abreu chama atenção para a força do texto, carregado de elementos que viriam a ser recorrentes na obra de Tchekhov, como o conflito entre gerações e as tensões (e transformações) sociais, tendo como ponto de partida a subjetividade de pessoas comuns. “Esse texto é uma espécie de laboratório para tudo que ele iria experimentar e escrever”, pontua o diretor.


Foto: Divulgação

Sobre a escolha pelo título Por que não vivemos?, retirado da fala de um personagem, o diretor indicou a potência emblemática da pergunta. “Essa convocação pode ser entendida em mais de um sentido, um que se volta para o passado, mas também como um chamamento para o presente e o futuro”, comenta ele, lembrando ainda que a provocação ganha novos contornos após a tragédia da Covid-19 no Brasil, que deixou mais de 600 mil vítimas e outros milhões marcados física e emocionalmente pela pandemia, além do contexto político do país. Por conta de críticas tecidas pelo grupo durante a temporada da peça em Brasília, em 2019, a companhia chegou a ser ameaçada de censura por órgãos oficiais do governo federal.

Camila Pitanga faz seu chamado: “A gente precisa honrar as pessoas que se foram, restaurando as pessoas que estão vivas. Acho que a cultura tem um papel imenso nesse caminho de afirmar a nossa identidade, de alimentar um imaginário que seja de respeito às diferenças; de potencializar os saberes diversos que a gente tem no nosso país. Tenho a expectativa de que 2022 seja um ano de restauração, de reparação, seja da malha política, da economia, seja do dia a dia, que a gente aprenda com essa última eleição que não dá para a gente votar com o ódio, mas com o amor”.

MÁRCIO BASTOS é jornalista cultural.

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