Curtas

Oye mujer

Segundo álbum de Ladama evoca a força da natureza feminina em solo latino-americano

TEXTO Thaís Schio

01 de Julho de 2020

Integrantes da banda Ladama

Integrantes da banda Ladama

Foto YANINA MAY/DIVULGAÇÃO

[conteúdo na íntegra | ed. 235 | julho de 2020]

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Prestes a ser lançado, o segundo álbum de Ladama, Oye mujer (Six Degrees Records), traz à tona, de maneira orgânica e criativa, o sentimento de pertencimento e conexão que a música, como linguagem, é capaz de despertar. Juntas, Mafer Bandola (voz/bandola llanera – Venezuela), Lara Klaus (voz/bateria e percussão – Brasil), Daniela Serna (voz/tambor alegre – Colômbia) e Sara Lucas (voz/guitarra – EUA) misturam e transmitem os ritmos, texturas e instrumentos tradicionais de seus respectivos países de origem, bem como as experiências e aprendizados adquiridos com eles durante a trajetória pessoal e coletiva de cada uma delas.

Atuando em conjunto desde 2014, as quatro integrantes do grupo tiveram os caminhos alinhados durante uma residência artística ligada à Found Sound Nation, organização sem fins lucrativos sediada no Brooklyn, Nova York, com objetivo de engajar comunidades locais e torná-las conscientes de seus próprios potenciais através do processo de produção e composição musical colaborativa.

Com o mesmo horizonte, mas atenta às particularidades latino-americanas, Ladama fez viagens entre a Venezuela, Colômbia, Brasil e diversos outros países, realizando shows e workshops, cuja dinâmica, desenvolvida conforme as experiências adquiridas, partia da convicção de que todos os corpos produzem música. Como resultado, o primeiro álbum homônimo, lançado em 2017, seguido por sete meses de turnê, é o registro musical de um grupo em descoberta constante das diferentes linguagens, expressões, ritmos e cultura.

Seis anos depois, o novo álbum Oye mujer é resultado de um momento mais sólido da carreira delas, onde as dissidências começam a convergir e se comunicar de maneira mais política e horizontal. Mafer, Lara, Daniela e Sara cantam – em português, inglês e espanhol – sobre sororidade, ancestralidade, natureza e imigração. Uma espécie de convocação sugerida pelo próprio título do disco, que em português significa “ei, mulher”.


Oye mujer é o segundo álbum da banda Ladama

Além da participação do baixista norte-americano Pat Swoboda, parceiro antigo da Ladama, a produção das 10 faixas é assinada pelo brasileiro Alexandre Kassin, nome conhecido na produção de artistas como Jorge Mautner, Bebel Gilberto, Caetano Veloso e dentro do projeto musical (X+2), com liderança alternada entre Moreno Veloso e Domenico Lancelotti.

Composto em conjunto a partir de uma imersão em Massachusetts, Oye mujer começou a ser gravado no Rio de Janeiro, em abril de 2019. “Quase todas as músicas, exceto Haverá de ser, começaram a ser criadas em duos que partiam de conceitos pré-definidos daquilo que gostaríamos de falar e de quem iria falar. Este álbum é bem mais igualitário em relação ao primeiro, porque todas as músicas têm como ponto de partida a gênese das ideias de cada pessoa e da dupla formada para composição. Dessa forma, quando fomos ao estúdio, estávamos comprometidas em servir cada som de maneira singular, ajudando-o a encontrar seu próprio caminho. Como quando Lara, por exemplo, decidiu tocar guitarra ao invés de bateria em duas músicas, porque, nos últimos minutos, percebeu que aquilo era o que o som precisava”, compartilhou Sara Lucas, sobre as dinâmicas de criação, logo complementada por Lara Klaus em entrevista à Continente: “Também tivemos acesso a muitos instrumentos brasileiros, porque estávamos no Rio de Janeiro. Enquanto que, no primeiro álbum, tínhamos apenas nossos próprios instrumentos”.

Apesar de terem crescido em realidades distintas, as integrantes da Ladama compartilham experiências comuns, tanto como mulheres, musicistas e educadoras, quanto na busca por inovação e igualdade social através da criação e produção de novos sentidos e percepções do mundo externo e interno. “Para mim, as coisas mudaram quando conheci as meninas. Eu reconheci em mim o que realmente poderia oferecer”, pontuou a multi-instrumentista, cantora, compositora e musicoterapeuta Lara Klaus. Há muitos anos, a recifense ministra o ensino de instrumentos de percussão do Nordeste do Brasil. Já Daniela Serna, também educadora, é especialista em ritmos tradicionais caribenhos colombianos, como cumbia, porro, fandango e currulao.

Maria Gonzalez (ou Mafer Bandola) é considerada a primeira mulher venezuelana a tocar profissionalmente a bandola llanera, sendo também uma propagadora dos conhecimentos acerca desse instrumento pouco popular. Por último, Sara Lucas, cantora e guitarrista de Nova York, é conhecida por atuar em várias bandas dentro do circuito indie, além de ter uma formação baseada em blues, jazz, gospel e R&B. “A música sempre foi uma maneira de viajar e ver outras pessoas, conhecer, comunicar, criar e aprender idiomas. É uma jornada. Muitas pessoas me perguntam como posso tocar com a Ladama, se sou americana, mas as raízes de toda a nossa música são negras e indígenas.”

A valorização dessas raízes, por sua vez, e da ancestralidade que habita nossa pele é conceito- chave na condução lírica de Oye mujer. Em Tierra tiembla, uma das faixas mais poderosas do álbum, é-nos introduzida a concepção de um ser uno, sem distinções entre homem e natureza, isto é, sem o dualismo cartesiano que tanto conhecemos. Assim, catástrofes como os blecautes venezuelanos de 2019 e o colapso de barragens em Brumadinho, temas abordados em outras músicas, são também catástrofes internas dentro de nós.

Na última música Solar wind, a mesma ideia é retomada nos versos: “Nasci da explosão do cometa mais brilhante do céu, resisto apenas o suficiente para direcionar os planetas/ Despertar e voar, resistir e guiar, o suficiente para andar no espaço sideral”. Nesse sentido, a arte do álbum, uma ilustração de Daniel Acosta, é a cereja de Oye mujer, retratando o fogo e fumaça em mãos desacompanhadas de um rosto, ao mesmo tempo que seu formato evoca a força da mulher. Com lançamento virtual programado para o dia 10 de julho em todas as plataformas de streaming, Ladama merece sua atenção.

THAÍS SCHIO é jornalista em formação pela Unicap e estagiária da Continente.

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