Os odus, o Ifá e o destino de cada criança nascida
'Os príncipes do destino – Os odus de Ifá e suas histórias extraordinárias' foi publicado pela editora Pallas
TEXTO Adriana Dória Matos
01 de Junho de 2023
Ilustração ANNA CUNHA/DIVULGAÇÃO PALLAS EDITORA
[conteúdo na íntegra | ed. 270 | junho de 2023]
Crianças e adultos ao redor de uma pessoa que conta histórias debaixo de uma árvore. Esta cena, que nos leva a tempos imemoriais, ilustra a capa de Os príncipes do destino – Os odus de Ifá e suas histórias extraordinárias. Publicada pela Pallas Editora, a edição comemora os 50 anos de atividade de Reginaldo Prandi, sociólogo e professor paulista que tem oferecido aos leitores brasileiros obras bem pesquisadas e escritas sobre a cultura e a mitologia afro-brasileira e indígena. Convidar Anna Cunha para essa parceria com Brandi resultou num livro primoroso, que rendeu à ilustradora mineira o prêmio pelo conjunto das ilustrações no VI Prêmio AEILIJ de Literatura, da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil.
E que histórias nos traz este belo livro infantojuvenil? Ao modo dos contadores de histórias orais e ancestrais, cada capítulo do livro narra um evento relacionado com os 16 odus, ou príncipes do destino. Cada capítulo é o relato de uma reunião desses príncipes africanos com Ifá, o deus supremo, que, de acordo com a tradição iorubá, orienta e regula a atuação dos odus com a humanidade.
É cativante a forma de contar de Brandi, que vai tecendo a cada capítulo como se manifesta a atribuição desses deuses ancestrais. “Há muito tempo, num antigo país da África, dezesseis príncipes negros trabalhavam juntos numa missão da mais alta importância para o seu povo, povo que chamamos de iorubá. Seu ofício era colecionar e contar histórias”, apresenta na Introdução. Nela, sabemos da incumbência de cada um deles e sua relação com os orixás; conhecemos seus nomes e suas proezas. Ficamos sabendo que são eles que regem a vida de cada pessoa, pois cada criança nascida fica sob os cuidados de um desses senhores do destino.
A primeira e a segunda reuniões são muito atraentes para que sigamos com a leitura, pois nelas conhecemos as reviravoltas do Príncipe Infeliz, como era conhecido também o odu Obará. Ele tinha sido escanteado pelos demais príncipes, pois suas histórias eram de desventuras e perdas, não o tinham convidado para o encontro, o que deixou bravo o Ifá, que lembra aos demais que “não existe felicidade sem sofrimento, nem riqueza sem miséria, nem saúde sem doença, nem vitória sem derrota, nem amor sem abandono, e assim por diante. Ou os odus trabalhavam todos juntos, ou não eram nada”. A sabedoria dos mestres, pois.
Narrativa sobre o orixá Omolu é contada em um dos
capítulos do livro. Imagem: Anna Cunha/Divulgação/Pallas Editora
“Com este livro, o meu propósito foi recontar alguns desses mesmos mitos para crianças e jovens, adotando, para isso, um formato de aventura ficcional. Afinal, os mitos, de origens e épocas diversas, povoam nossa imaginação em livros, revistas, filmes e outros meios de entretenimento. Mas os mitos apresentados neste livro já não são simples histórias de um povo que vivia do outro lado do oceano, são histórias africanas e também brasileiras”, disse Reginaldo Prandi, em texto divulgado pela editora Pallas.
Ao conhecer algumas narrativas dos odus, conhecemos ou reencontramos histórias de orixás africanos que, como diz o autor, são histórias brasileiras também. Na Décima quinta reunião, por exemplo, Oturá e Ejiocô contam uma passagem conhecida pelo povo de terreiro sobre o orixá Omolu, o “filho feio de Nanã” se transformou num famoso médico, “capaz de curar todas as pestes e todas as pragas”. Nessa narrativa, Omolu está bem tímido numa festa, escondido sob suas palhas, quando é abordado por Iansã, aquela que é capaz de “pôr fogo pela boca e de provocar o vento”. Ela lhe descobre as vestes com uma ventania, transformando em flores as chagas que lhe cobrem o corpo. É por isso que, nas festas para o orixá, se promove uma chuva de pipoca sobre os presentes, como símbolo de cura e prosperidade, pois, com saúde e as bênçãos de Omolu, podemos tudo. Na Quinta reunião, é contada a história de como Oxum, mãe das águas doces, transforma uma princesa em uma abundante cachoeira. São fábulas e mitos de origem africana importantes de serem conhecidos pelas crianças e jovens de todas as origens.
Como lembra a editora, Os príncipes do destino havia sido primeiramente lançado em 2001, pela extinta CosacNaify. Nesta nova edição, o livro inclui o texto Os iorubás e suas histórias, em que Prandi explica a origem dessa tradição, oferecendo também um breve glossário com as características de cada um dos orixás mencionados na publicação.
ADRIANA DÓRIA MATOS, jornalista, professora universitária, editora da Continente.