Curtas

Os múltiplos significados da exposição “Me Aguente”

Mostra está em cartaz na nova Galeria Boi, nas Graças

TEXTO Carol Botelho

11 de Outubro de 2023

Xinga e seu figurativismo informal

Xinga e seu figurativismo informal

Foto Divulgação

"Me Aguente", diz a bandeira preta com os dizeres bordados em branco. O trabalho assinado por Júnior Pimenta – um dos artistas cearenses contemporâneos de maior destaque nos últimos anos – é também o título da exposição coletiva que inaugura a Galeria Boi, no bairro das Graças, no Recife. A expressão título da mostra e da obra é repleta de significados, como explica o idealizador e curador do espaço, o artista Carlos Mélo. “‘Me aguente’ é uma frase que se aproxima muito de uma expressão nossa que é ‘me engula’. O cast da galeria e mais três convidados partem desse ponto. Me aguente enquanto galeria que vem do Agreste e abre exposição no Recife; por ser uma exposição onde temos artistas que trabalham com políticas afirmativas; por ser uma galeria cujo player é trabalhar com artistas que estão fora do circuito de mercado; no sentido de se colocar, de se fazer presente”, explica Mélo. 

A expressão também fala de uma geopolítica de Pernambuco. “Em alguns momentos parece que Pernambuco se restringe ao Recife. Um dos lemas de um dos governos do Estado era a cultura de Pernambuco do cais ao Sertão. Como se o Agreste não existisse”, aponta Carlos, ressaltando a reflexão sobre essa região que durante muito tempo foi invisibilizada. O artista vem abordando essa questão desde 2012, quando idealizou e realizou a Bienal do Barro. A Galeria Boi é, portanto, uma extensão da bienal e, como tal, volta seu foco para o periférico. 

Na mostra estão trabalhos do cast da galeria: Chico Dantas, Clarissa Campelo, Thalyta Monteiro, Guto Oca, Jared Domício, Brenda Bazante, Caetano Costa, Abiniel Nascimento, Junior Pimenta, Edilson Parra, Marcenaria Olinda, Ratinho e Yuri Bruscky, além dos artistas convidados Xinga Xow, Mitsy Queiroz e Lu Ferreira. 

Artista paraibano de 72 anos, Chico Dantas já esteve na Bienal de São Paulo de 1981 e é  um dos precursores da arte digital. Artista indígena pernambucano, Abiniel Nascimento é, segundo Melo, um dos nomes atuais mais importantes de Pernambuco. Morador de Brasília Teimosa e filho de pescador, Misty Queiroz usa a fotografia analógica para abordar questões de territorialidade e a relação da arte com a natureza, especialmente o mar.  “Lu Ferreira também tem se projetado nos últimos anos com um trabalho excelente”, diz Mélo. 

Descrita pelo curador como uma das melhores representações da pintura pernambucana contemporânea, a recifense Xinga Xow, 24 anos, faz um “pop diluído”. “Ela constrói figuras e imagens completamente descoladas do que a gente pode pensar de um figurativismo formal.  É uma pintora que tem uma textura conceitual e poética muito importante, sobretudo porque temos poucas artistas mulheres pintoras”. Já Yuri Bruscky, conhecido pelo trabalho com arte sonora e música expandida, traz um livro de artista em que trata questões ligadas a conformação física da música através da gravura. Caetano Costa é reconhecido pela sua produção em performance e “em um tipo de arte cuja precariedade assume uma espécie de protesto e questionamento em relação ao próprio sistema da arte”, define. 


A Galeria Boi está situada na Rua Dona Anunciada, 253, Graças (Ao lado do Elã Café) e é preciso agendamento prévio para visitação. Foto: Divulgação

A Galeria Boi ocupa uma das salas da casa da designer pernambucana Bela Faria e está em exibição no mesmo período da CasaCor Pernambuco, não por obra do acaso. “Direta e indiretamente há um diálogo sobre a relação da arte contemporânea com a ocupação de espaços”. O novo espaço artístico também vem para estabelecer uma conversa com os novos colecionadores. “De arquitetos a médicos e pessoas que não fazem parte de uma elite de consumo de mercado de luxo, mas procuram arte de qualidade em todos os sentidos, temos nosso time de artistas que é um luxo (risos)”. Para alcançar esse público, há uma loja online no Instagram, participação em feiras de arte, redes sociais e contato com dealers. “A Galeria Boi pretende de fato fazer a diferença e acho que isso se expressa no título da exposição”.

A proposta curatorial do novo espaço surgiu com a Bienal do Barro e a necessidade de pensar o Agreste, região expressiva em termos econômicos e artísticos. “É uma região que produziu e produz grandes artistas e mestres artesãos,  e é residência de jovens que trabalham com arte contemporânea”. Nascido em Riacho das Almas, Carlos Mélo veio morar no Recife ainda jovem e estudou por aqui. Há oito anos resolveu fazer o caminho de volta. “Gosto muito de falar que a palavra Agreste é um anagrama de resgate. Acho que a Galeria Boi surge com uma proposta conceitual de criar uma relação entre arte popular e contemporânea, e de criar condições para viver de arte fora do circuito. A galeria inaugura um novo momento no mercado de arte pernambucano”. Em tempo: a logomarca  foi criada a partir da obra Boi invertido, inspirada no trabalho de Mestre Vitalino. “É um boi contorcido que representa muito bem a tradição e a ruptura”, explica Mélo, criador da peça que estará na Bienal da China, em novembro próximo. 

SERVIÇO:

Exposição Me Aguente

Visitação: Quarta a sexta, das 14h às 20h. Terça, sábado e domingo mediante agendamento. 

Endereço: Rua Dona Anunciada, 253, Graças (Ao lado do Elã Café).

Entrada Gratuita

CAROL BOTELHO, jornalista e repórter da Continente

 

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